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Fundada em 1994, a ADF é uma organização jurídica sem fins lucrativos “comprometida em proteger a liberdade religiosa, a liberdade de expressão, os direitos dos pais e a santidade da vida”
Imagem ilustrativa.| Foto: Bigstock

A definição doutrinária sobre o discurso de ódio é clara há muitas décadas. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), estabelecido em 1966, delimita os contornos do discurso de ódio: “Art. 20. 2. Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência”.

Para a configuração do discurso de ódio, o PIDCP – do qual o Brasil é signatário, com aplicação imediata por aqui e força constitucional, ou no mínimo supralegal (conforme a definição de alguns juristas que entendem que um tratado internacional tem mais força que a lei, contudo menos força que a Constituição) – exige alguns elementos: 1. apologia, que pode ser entendida como uma defesa intransigente + 2. ao ódio em razão de etnia, raça ou religião e 3. que se constitua como incitamento à discriminação, hostilidade e violência.

Em 1975, a Comissão Europeia dos Direitos Humanos analisou o caso “Arrowsmith vs Reino Unido” para definir o que seria uma defesa odiosa e discriminatória que incitasse hostilidade e violência. Neste caso, ficou demonstrado que mesmo discursos desagradáveis, enfadonhos e até mesmo agressivos não são considerados odiosos para fins de aplicação da lei penal. Até mesmo discursos poéticos, românticos ou inspiradores para alguns ouvidos podem ser lamentáveis e chocantes para outros. Dessa forma, o sistema internacional de direitos humanos, a partir dessa landmark decision, estabeleceu critérios objetivos para tornar um discurso ilícito e, assim, passível de restrição – e seu emissor, das devidas consequências criminais.

Grande parte da mídia e determinados grupos simplesmente ameaçam, processam e lutam pela supressão da liberdade de expressão e religiosa daqueles de quem discordam

Como explica o Centro de Direito e Religião (Cedire), em 2011 o Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas organizou quatro oficinas regionais em Viena, na Europa; Nairóbi, na África; Bangkok, na região Ásia-Pacífico; e Santiago do Chile, nas Américas, para lançar luz sobre o artigo 20, item 2 do PIDCP e auxiliar no combate ao discurso de ódio, mas também para evitar a mordaça do discurso, de forma injusta. Dessas oficinas, nasceu um documento denominado Plano de Ações de Rabat.

Resumidamente, o Plano de Rabat deixou claro que “ódio” e “hostilidade” se referem a emoções intensas e irracionais de opróbrio, inimizade e detestação em relação a um determinado grupo, enquanto “apologia” é a ação que tem a intenção objetiva de promover publicamente o ódio contra o grupo-alvo. Por fim, “incitação” refere-se a declarações sobre grupos nacionais, raciais ou religiosos de discriminação, hostilidade ou violência contra estes grupos.

No Brasil, o STF, em diversos julgados, consignou o mesmo entendimento dos documentos internacionais e dos tribunais europeus. No entanto, grande parte da mídia e determinados grupos simplesmente desconsideram todo o sistema: ameaçam, processam e lutam pela supressão da liberdade de expressão e religiosa daqueles de quem discordam.

Pensando nisso, o Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) dedicou a temática de seu quarto congresso anual ao discurso de ódio e ao exercício da liberdade religiosa entre os dias 23 e 24 de novembro. O congresso ocorreu no auditório da Faculdade de Direito em parceria com a Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e com o apoio da seccional Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil, Fé & Trabalho, Edições Vida Nova, Acton Institute e outras entidades e organizações.

Com duas palestras, três painéis, defesa de artigos e screening do documentário The Hong Konger – a luta extraordinária de Jimmy Lai pela Liberdade, o congresso contou com diversos especialistas na temática, entre eles os autores da presente coluna, Ives Gandra da Silva Martins, Davi Lago, Augusto Ventura, Douglas Batista, Christiano Mota e, especialmente, o professor catedrático de Direito Eclesiástico e vice-reitor da Universidade Autônoma de Madri, Ricardo Garcia Garcia. Na noite do dia 23, o IBDR comemorou os cinco anos de sua fundação e homenageou o doutor em Direito e juiz da Vara do Trabalho de Salvador (BA) Aloísio Cristovam dos Santos Júnior, com a segunda edição do Prêmio Ives Gandra Martins, que também foi palestrante no congresso.

As discussões foram riquíssimas e resultaram em uma Moção Sugestiva ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) para a inclusão da disciplina de Direito Religioso nas ementas das faculdades de Direito brasileiras, como ocorre nas universidades da Espanha, Itália e Portugal. A moção foi assinada pela presidência do IBDR, reitoria da Univali e demais autoridades, como Fernanda Sell, desembargadora do TJ/SC, e Fabrício de Oliveira, prefeito de Balneário Camboriú. A academia reitera que o discurso de ódio é um importante instituto do Direito, mas que deve ser utilizado nos termos já definidos internacionalmente para punir os discursos que se demonstram criminosos, mas nunca aquele que pode nos causar repulsa e do qual discordamos.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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