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Em tempos de slogans e frases de efeito, é curioso notar como a palavra “liberdade” virou bandeira até para justificar o que é, no fundo, a negação mais radical da própria liberdade: o aborto. Mas, antes de falar em liberdade religiosa, de expressão ou política, é preciso lembrar o fundamento de todas elas – a vida.
Não existe direito algum sem alguém que o exerça. E esse “alguém” começa a existir no instante da concepção, quando surge um novo ser humano, único, irrepetível, com DNA próprio. O embrião não é um amontoado de células: é a primeira fase da vida humana, que passa por muitas outras, como a infância, adolescência e a vida adulta. E exatamente por ser a primeira, também é a mais frágil, devendo ser a fase que demanda maior proteção – e não o simples descarte no lixo, como muitos defendem. O embrião não é um ser humano em potencial; ele é um ser humano em si.
Os defensores do aborto vendem falácias travestidas de compaixão. Uma das mais repetidas é a de que “descriminalizar o aborto o tornará mais raro”. Mas a realidade, comprovada por décadas de estatísticas, mostra o contrário. Na Espanha, onde o aborto foi legalizado em 1985, o número de procedimentos saltou de 16 mil em 1987 para mais de 118 mil em 2011 – um aumento de 581%. Na Suécia, a legalização em 1939 elevou o número de 439 abortos naquele ano para 37 mil em 2010 – um aumento de 84 vezes, enquanto a população sueca cresceu cerca de 50% no mesmo período. E nos Estados Unidos, o país que inspirou a narrativa do “aborto seguro e raro”, a legalização em 1973 multiplicou os casos em mais de seis vezes nas décadas seguintes. Só após um longo processo cultural e espiritual, e com o fortalecimento dos movimentos pró-vida, o país começou a reduzir esses números.
Uma das falácias mais repetidas é a de que “descriminalizar o aborto o tornará mais raro”. A realidade, comprovada por décadas de estatísticas, mostra o contrário
Foi justamente a nação símbolo da liberdade que, em 2022, reviu o seu erro histórico. Com o julgamento do caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization (do qual tivemos a honra de participar na qualidade de especialistas), a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a decisão Roe v. Wade, de 1973, reconhecendo que o aborto não é um direito constitucional. A corte devolveu aos estados o poder de proteger a vida conforme a vontade popular. E o fez com uma afirmação que ecoa além das fronteiras americanas: “O aborto não é um direito humano no direito internacional; os nascituros são titulares de direitos, e os estados têm o direito soberano de protegê-los”. Em outras palavras: até a terra da liberdade compreendeu que, antes de dar liberdade, é preciso preservar a vida.
O Brasil, que tem em sua Constituição o preâmbulo “sob a proteção de Deus”, não pode seguir o caminho da morte. Foi por isso que o Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR) e a União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) protocolaram, em 21 de outubro, um pedido ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, requerendo a nulidade do voto do ministro Luís Roberto Barroso na ADPF 442, que tenta descriminalizar o aborto até a 12.ª semana.
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O ministro Barroso, que sempre defendeu publicamente o aborto – tendo inclusive atuado como advogado na ADPF 54 –, antecipou seu voto horas antes da aposentadoria, em sessão extraordinária convocada no mesmo dia, num processo que deveria estar sob relatoria do ministro Flávio Dino. O caso foi retirado de sua relatoria apenas para que Barroso votasse e, depois, devolvido. Esse procedimento, questionado formalmente pelo IBDR e pela Ujucasp, viola o devido processo legal e fere o princípio da imparcialidade, pilares da magistratura e da confiança pública no Judiciário.
A petição, assinada por mim e pelo professor Ives Gandra da Silva Martins, sustenta que: 1. a distribuição de processos no STF deve ser feita por sorteio, sem direcionamentos; 2. votos proferidos às vésperas da aposentadoria não podem criar jurisprudências duradouras; e 3. o tema do aborto pertence ao Congresso Nacional, conforme o artigo 49, XI da Constituição.
O Supremo pode interpretar a Constituição, mas não pode reescrevê-la. Muito menos criar uma lei penal à revelia da vontade popular. Na mesma petição, o IBDR e a Ujucasp pedem que a corte se manifeste sobre o artigo 2.º do Código Civil, que reconhece a proteção jurídica ao nascituro desde a concepção. A pergunta é direta e moralmente inescapável: essa proteção vale para todos os direitos ou há exceção justamente para o direito à vida?
Defender a vida não é apenas uma posição religiosa – é uma exigência civilizatória. É o fundamento sem o qual nenhuma liberdade se sustenta
Defender a vida não é apenas uma posição religiosa – é uma exigência civilizatória. É o fundamento sem o qual nenhuma liberdade se sustenta. A mulher que é convencida de que o aborto é um ato de “libertação” é, na verdade, enganada por uma ideologia que transforma a maternidade em fardo e a vida em obstáculo. Defender a vida é defender a mulher contra essa mentira, é resgatar sua dignidade como geradora, não como descartadora.
A civilização começa quando o mais fraco é protegido. É por isso que o útero materno – o primeiro abrigo humano – deve ser o lugar mais seguro do mundo, e não o mais perigoso. Por isso, enquanto alguns falam em “direito de decidir”, nós lembramos que há outro coração batendo, outra alma respirando em potencial, outro ser humano dizendo silenciosamente: “deixem-me viver”.
Defender a vida é defender todas as liberdades. Porque sem vida, não há fé, não há consciência, não há liberdade – e, sobretudo, não há humanidade.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos






