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A dificuldade que as bandas curitibanas de rock and roll encontram para mostrarem o seu trabalho nacionalmente, e em sua própria cidade, é histórica. Falta de dinheiro, de espaço para tocar, de apoio do público, enfim, são muitos os motivos que, juntos, formam uma barreira quase intransponível.

O Cwb Live conversou com vários personagens de nossa cena musical, tentando entender essa realidade que há muitas décadas atormenta os artistas em Curitiba.

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Qualidade das bandas

A maioria dos envolvidos com a cena musical da cidade concorda que o problema não é a qualidade dos músicos.

Para o proprietário do Blood Rock Bar, Sergio Mazul, que também é vocalista da banda Semblant, os artistas locais não deixam nada a desejar dentro do cenário nacional. “Acho que Curitiba tem diversos grupos impecáveis nos quais quem está começando agora, ensaiando na garagem de casa, pode se espelhar”, afirma.

A visão das bandas em relação à sua estrutura de trabalho, fator primordial para alguém se destacar em um universo que abrange tantos concorrentes, parece também estar evoluindo.

Anderson Silva, dono do tradicional Hangar Bar, um dos mais antigos bares de Curitiba, acredita que a qualidade dos artistas da cidade é inegável. “Temos ótimas bandas, principalmente no que diz respeito ao som autoral”, analisa.

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Sergio faz questão de citar alguns nomes que fazem um bom trabalho, com todas as dificuldades encontradas. “Podemos atestar o que eu disse acima em diversos exemplos como o Fire Shadow, Livin Garden, Necropsya, Division Hell, True, Archityrants, Doomsday Ceremony, Murder Rape e Disharmonic Fields”, elenca.

Além deles, algumas bandas curitibanas, como o Imperious Malevolence, Eternal Sorrow, Gypsy Dream, Amen Corner e Hecatomb, estão na ativa desde os anos 1980, 1990. São músicos que seguem acreditando no seu trabalho mesmo sem terem conquistado o seu espaço no cenário nacional da forma que poderiam, ou deveriam.

Se as bandas são boas, quais seriam os motivos que fazem com que elas não sejam reconhecidas dentro no seu próprio estado?

As hipóteses

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A comunidade musical da cidade tem várias “teorias” para explicar essa dificuldade que os grupos de som autoral enfrentam.

A crítica maior é sempre voltada para o público local. Fabio Elias, guitarrista e vocalista da Relespública, uma das mais antigas bandas do rock curitibano, acredita que o fator “moda” é levado muito em consideração pelos fãs. “O público, em geral, vai pelo que a está em voga. Quer se divertir, se inserir em um grupo para não se sentir um peixe fora d’água”, comenta.

Isso acaba fazendo com que os artistas fiquem restritos a uma pequena parcela da população que consome música na cidade. “As bandas de rock autorais são para um público seleto, que gosta e acompanha. Não existe mídia, não existe esse tal valor”, critica o guitarrista.

A capital paranaense nunca viu um grupo nativo fazer “sucesso”, consistentemente, a nível nacional. Quem chegou mais perto disso, nos anos 1980, foi o Blindagem. “Não temos ídolos em nossa capital. Preferimos valorizar os artistas que vem de fora”, afirma Fábio.

O guitarrista e vocalista Cassiano Fagundes é um dos veteranos da música curitibana. Entre as várias bandas das quais participou está o Magog, um dos maiores nomes dos anos 1990, quando Curitiba chegou a ser chamada de “Seattle brasileira”, devido à grande quantidade de grupos alinhados ao movimento grunge.

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A sua visão sobre a falta de uma cena musical na capital paranaense é enfática. “Acho que nem toda cidade tem vocação para isso. Curitiba é um local conservador que valoriza muito o esquema capitalista de lucro e aparências e pouco o pensamento livre e a diversidade. Não tem como um lugar assim ser uma casa de força criativa para o mundo”, sentencia.

Entre 1986 e 1995, a extinta rádio Estação Primeira formou uma legião de apreciadores da boa música, em Curitiba. A emissora foi responsável por romper o esquema “parada de sucesso” que predominava no rádio curitibano da época, trazendo à tona artistas desconhecidos do público, como The Smiths, Ride e Charlatans, entre outros.

O jornalista e músico Fernando Tupan foi programador musical da Estação Primeira. Além de ser um dos mais ativos “agitadores culturais” da cidade, ele faz parte do Ídolos de Matinée, grupo que, recentemente, retomou as suas atividades.

Tupan acredita que não existe o interesse da mídia local, salvo algumas exceções, em promover a cultura da cidade. “Falta informação para a maioria dos programadores das rádios paranaenses. Curitiba vive uma efervescência musical e a mídia ainda não se tocou. As redes sociais dão o termômetro exato do que acontece na capital”, conta.

O jornalista afirma que a “cena” curitibana existe, mas o interesse em divulgá-la, não. “As bandas locais não vivem no ostracismo. A mídia sim. Muita gente acredita que a população quer ouvir o que a televisão dita. Engano”, critica.

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Tupan, que trabalhava, até o ano passado, na Fundação Cultural de Curitiba, revela que a entidade faz a sua parte apoiando os artistas locais, mas que, nem sempre, isso chega até o grande público. “A FCC lança, todos os anos 24 artistas novos no ‘Bandas de Garagem’. Então, o rock curitibano vive, apesar do desleixo dos jornais impressos, da televisão e das rádios. Os comandantes estão fechados em salas com ar condicionado e não saem às ruas para se atualizarem”, critica.

Cassiano Fagundes é ainda mais contundente. Na sua visão, a cidade está excluindo, naturalmente, quem se propõe a trabalhar com arte. “Gente criativa não se desenvolve em ambiente intolerante e fechado a novidades, e aí eu estou falando das bandas, do público, de todo mundo”, finaliza.

Essa falta de interesse significa que um dos ritmos mais influentes do mundo esteja fadado a um segundo plano?

O rock no ostracismo

Se na explosão do rock nacional, nos anos 1980, a exposição de artistas do estilo era maciça, abrangendo qualquer grupo novo que se considerasse “roqueiro”, hoje eles estão quase excluídos. “O rock não está mais na moda, saiu da mídia totalmente”, afirma Fabio Elias.

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Os “estilos” consumidos pelo público brasileiro, hoje, são o sertanejo universitário, o pagode e o funk carioca e são esses nichos que acabam sendo explorados comercialmente. “Acabou o interesse das TVs, rádios, gravadoras e produtores que só queriam se aproveitar das bandas. Hoje eles se aproveitam de outros gêneros populares, assim como o rock já o foi”, critica Fabio.

O público

De acordo com dados divulgados no último mês de agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Curitiba é a cidade com o maior número de habitantes na região Sul do país, 1.776.761 moradores.

Mesmo com um dos maiores mercados consumidores do país à disposição, o rock curitibano não decola. A falta de apoio dos fãs faz com que o público da cidade seja o grande vilão apontado pelos entrevistados. “O público poderia dar mais valor aos artistas locais. Já fui empresário de bandas e acompanhei situações onde artistas locais simplesmente passavam por situações inusitadas, tais como ‘é isso que tem pra vocês, entende’. Não vejo dessa forma. Quando posso ajudo mesmo”, afirma Chrystian Ramos, que gerencia a maior casa de shows da capital, o Curitiba Master Hall.

Essa opinião é compartilhada pelo proprietário do Hangar Bar. “Ao que tudo indica, a cidade tem um público que não valoriza mesmo as bandas locais. Vejo isso pela procura bem maior nos eventos de covers”, analisa Anderson.

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Uma crítica sempre presente entre os músicos autorais da cidade é o grande espaço dado às bandas cover. Esses grupos, na visão deles, tiram o espaço que poderia ser destinado aos artistas que possuem um trabalho próprio. “Quem faz som autoral se preocupa demais com as bandas cover, quando deveria se focar em mostrar o seu trabalho. O público de Curitiba é muito fechado, até para as bandas de fora. Buscar um sucesso aqui na cidade, eu acho uma grande perda de tempo”, afirma Marcelo Cruz, baterista de um dos nomes mais importantes entre as bandas cover de Curitiba, o Backstage.

Como toda regra tem exceção, será que todos os fãs são os vilões dessa história?

A visão dos fãs

A revendedora Elisabete da Silva Gabriel, de 19 anos, é a antítese desse estado de coisas. Mesmo assim, a jovem, que costuma acompanhar a maioria dos festivais em que as bandas curitibanas de som extremo participam, também aponta a falta de apoio da população com o fator que mais atrapalha os músicos da cidade. “O problema está no público que não sabe reconhecer os artistas daqui. Se você vai a um show para apoiar a banda, tem que ajudar em todos os sentidos, divulgação, compartilhamento nas redes sociais etc”, critica.

A advogada Juliana Pontes, de 32 anos, avalia que a alienação que a indústria cultural impõe às pessoas, no mundo moderno, influencia os curitibanos a não valorizarem os seus artistas. “Acredito que o principal motivo da não valorização seja a ausência de interesse por parte das pessoas em buscar conhecer a fundo os trabalhos das bandas”, analisa.

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Diante de um cenário tão inóspito, quais seriam as alternativas para uma mudança?

As possíveis soluções

A matéria prima, bandas e artistas com qualidade em seus trabalhos, existe. Haveria, então, uma saída para mudar essa realidade e transformar Curitiba em um polo fornecedor de cultura para o país? “Creio que seja preciso um investimento financeiro muito grande em propaganda para que uma banda consiga algum destaque, ainda assim, sem garantia do retorno do valor investido. Infelizmente é mais fácil um grupo de rock do nordeste, que é a terra do axé, fazer sucesso nacionalmente, do que alguém de Curitiba”, acredita Anderson.

Valorizar os “santos da casa” parece ser, realmente, o caminho mais óbvio a seguir. “Para mudar esse cenário o público tinha que dar mais valor, é isso que falta. Falo a todos que trabalham comigo: se está no palco, cantou ou tocou um instrumento, demonstrar respeito é o mínimo que podemos fazer por eles”, diz Chrystian.

Se somente o Blindagem conseguiu se destacar fora dos limites do estado e adquirir o respeito e o apoio do público curitibano, os novos artistas devem se espelhar nos passos da banda?

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Blindagem, o exemplo a ser seguido?

O Blindagem, do lendário vocalista Ivo Rodrigues, falecido em 2010, foi o grupo curitibano que conseguiu mais destaque dentro do cenário musical brasileiro.

Até hoje a banda se mantém ativa, tocando principalmente no bar Crossroads. O baixista Paulo Juk acredita que a união dos integrantes foi fundamental para essa longevidade. “O Blindagem é um grupo que mantém a sua base há quase quarenta anos. As mudanças que aconteceram foram pelo falecimento do Ivo, Marinho e Lívio, ou por motivo de viagem quando, por exemplo, eu me ausentei durante quatro anos”, conta.

A banda atravessou várias transformações do cenário musical da cidade, sempre trabalhando com as suas próprias músicas. “Isso fez com que o Blindagem, por executar um trabalho autoral, participasse da vida de milhares de pessoas. Foram centenas de shows em um mercado de trabalho diferente do atual”, relembra Juk.

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No auge da carreira do Blindagem, eram vários os espaços que os artistas da cidade tinham a disposição, como o Teatro Paiol, Teatro de Bolso, Teatro da Praça, Reitoria, Palco Flutuante do Passeio Público, Ruínas e Parque Barigui. “Como a década de 1980 foi a grande fase do rock brasileiro, isso nos manteve muito na ativa. O fato de nunca termos nos afastado do Paraná e conseguirmos colocar as nossas coisas no rock, como em ‘Cheiro do mato’, ‘Lá vai o trem’ e ‘Adeus sete quedas’, criou uma identidade paranaense para o Blindagem”, afirma Juk.

A realidade do século 21 é muito diferente da que o grupo viveu, no começo de sua carreira. “Hoje o mercado se restringe aos barzinhos, com praticamente todas as bandas tocando covers. O trabalho autoral fica meio em segundo plano”, diz o baixista.

O Blindagem foi forjado em uma época em que as bandas formavam o seu público nas apresentações ao vivo, o que mostrava, forçadamente, a qualidade, ou não, dos artistas. “Nas décadas passadas, você conquistava o público tocando. Hoje você usa a internet. Isso faz com que o aparecimento, e o posterior desaparecimento, sejam muito rápidos. A renovação é grande demais e constante. Não existe sedimentação ou fixação de imagem”, analisa o músico.

O baixista cita como exemplo um dos maiores fenômenos do Youtube, o vídeo da música “Oração”, da Banda Mais Bonita da Cidade. O clipe já teve mais de onze milhões de acessos. “Fenômenos como a Banda Mais Bonita são um ótimo exemplo. Com um clipe despretensioso eles alcançaram milhões de acessos e agora precisam saber usar isso a seu favor”, aconselha Juk.

Se músicos, produtores e fãs apontam o público da cidade com o vilão dessa história, o que dirá a ciência?

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A análise sociológica

Vira e mexe os curitibanos sempre são taxados de “frios”. A colonização europeia, o clima, tudo é usado como artifício para confirmar essa hipótese.

Para o professor de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Costa de Oliveira, é errado achar que todos os indivíduos de uma cidade possam ter o mesmo comportamento. “Depende de vários elementos sociais, entre eles faixa etária, classe social e gosto estético. Não existe ‘um curitibano’, em geral. Temos que observar sempre assim”, analisa.

O professor acredita que Curitiba sempre teve consumo artístico e que, atualmente, as novas formas de mídia podem ajudar nesse contexto. “A Banda Mais Bonita da Cidade é um bom exemplo. Acho que o jovem valoriza, desde que seja bem distribuído e tenha qualidade na divulgação. Tudo isso passa pelas condições sociais”, afirma.

Entre tantas opiniões distintas, problemas detectados e possíveis soluções apontadas, existe uma certeza: Curitiba não aproveita o potencial criativo que tem, da forma como poderia, e esse cenário precisa mudar.

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