Investigação sobre o coronavírus aumente tensão entre EUA e China| Foto: AP/Getty Images/Nikkei Asia
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Em janeiro de 2020, eu conversava com alguns médicos sobre o que pensavam das notícias relacionadas ao novo vírus que havia aparecido na China. A esmagadora maioria defendia que se tratava, provavelmente, de um problema interno, sem potenciais riscos de transformar-se numa questão mundial. A opinião de grande parte dos analistas do mercado seguia na mesma linha. Minhas pesquisas indicavam o contrário. Um dos critérios que utilizei para suspeitar que haveria uma abrangência maior era o fato de que estávamos entrando num ano de eleições americanas, que sempre trazem a famosa Surpresa de Outubro, aquele evento extraordinário de grande potencial midiático para influenciar o resultado do pleito nacional, que tradicionalmente acontece no mês de novembro. Dessa forma, eu temia que o “sistema” (na ótica de Trump, composto por Big Tech, Big Media e Big Money) não perderia a oportunidade de usar a então incipiente crise sanitária como uma espécie de coringa contra a reeleição do presidente republicano.

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Porém, outro aspecto de minhas investigações conduziu a um criterioso estudo sobre os laboratórios dedicados a pesquisas biológicas de segurança máxima, um tema ainda desconhecido do grande público e que apenas recentemente recebeu “autorização” para ser tratado nas plataformas online. Durante o ano de 2020, o tema sobre a origem do famigerado vírus foi transformado numa espécie de Caixa de Pandora, um tópico proibido, um tabu. Qualquer referência ao assunto era automaticamente classificada como negacionismo, ignorância e, até mesmo, xenofobia, principalmente quando proferido por Trump ou pelo presidente brasileiro. No entanto, de uma hora para outra, o assunto tornou-se não apenas aceitável, tanto pela mídia quanto por cientistas, mas foi transformado em ordem do dia, a matéria mais importante do momento. Ganhou outra coloração quando trazido à tona por Joe Biden, que ordenou, inclusive, uma extensa investigação sobre as origens do agente infeccioso. Essa mudança não é ocasional nem aleatória. É bem provável que exista uma grande estratégia geopolítica por trás de tão drástica alteração de postura. Contudo, antes de abordar esse aspecto, gostaria de trazer algumas informações.

No início do ano passado, fiz uma série de estudos sobre o estranho surto que preocupava o governo de Pequim. Um dos textos que usei de base foi um artigo publicado no dia 22 de fevereiro de 2017, diretamente da cidade de Wuhan, por David Cyranoski, na importante revista Nature. O título é Inside the Chinese lab poised to study world's most dangerous pathogens (“Dentro do laboratório chinês pronto para estudar os patógenos mais perigosos do mundo”, em tradução livre do inglês). Nele, o correspondente da Nature na Ásia explica que o laboratório de Wuhan estava prestes a receber autorização para trabalhar com os agentes mais perigosos do mundo. A inauguração fazia parte de um projeto para construir entre cinco e sete laboratórios de nível 4 de biossegurança (BSL-4) em toda a China continental até 2025. O jornalista afirma, então, que a notícia foi recebida, ao mesmo tempo, com entusiasmo e preocupação.

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No segundo parágrafo, o correspondente ressalta que alguns cientistas fora da China estavam muito apreensivos com a possibilidade de “fuga de patógenos” e com o “acréscimo de uma dimensão biológica às tensões geopolíticas entre a China e outras nações”. Quando li esse trecho pela primeira vez, fiz a mim mesmo a seguinte pergunta: “Já houve, por acaso, alguma ocorrência de fuga de patógenos de alta periculosidade?”. A resposta não é muito reconfortante. Reproduzo aqui o trecho da matéria que respondeu minha dúvida:

“O vírus SARS escapou de instalações de contenção de alto nível em Pequim várias vezes, observa Richard Ebright, biólogo molecular da Universidade Rutgers em Piscataway, Nova Jersey. Tim Trevan, fundador da CHROME Biosafety and Biosecurity Consulting em Damascus, Maryland, diz que uma cultura aberta é importante para manter os laboratórios BSL-4 seguros, e ele questiona quão fácil seria isso na China, onde a sociedade enfatiza a hierarquia” (tradução livre do inglês).

No trecho final do artigo, há dados ainda mais preocupantes. O autor cita que o biólogo Richard Ebright, quando questionado sobre o tema, colocou em dúvida a necessidade de mais de um laboratório BSL-4 na China continental. Ele receava que a iniciativa tivesse como motivação responder à grande quantidade de instalações de pesquisas biológicas espalhadas pelos Estados Unidos e Europa, que, segundo ele, também seriam injustificadas. O pesquisador acrescentou que o incomodava o fato de as pesquisas envolverem testes em primatas, o que poderia representar um nível ainda maior de risco, uma vez que são animais maiores, mais fortes e com capacidade de correr, arranhar e morder. Isso tudo começa a ficar muito estranho quando lemos que, segundo o Wall Street Journal, três cientistas de Wuhan buscaram tratamento hospitalar após ficarem doentes um mês antes do primeiro caso oficialmente confirmado de Covid-19.

Analisando novamente este artigo de 2017, muitas coisas passam a fazer mais sentido. Temos, inclusive, a impressão de que seria até muito nobre e justificado o recente interesse de Biden sobre a origem de tudo. Mas não podemos esquecer que o novo presidente americano possui uma agenda que caminha de mãos dadas com o Complexo Industrial-Militar, sempre ávido por iniciar novas guerras. Vocês se lembram quando Bush estava com muita pressa para invadir o Iraque, e procurava incansavelmente um motivo para inaugurar sua campanha bélica no Oriente Médio? A resposta veio com o suposto perigo trazido pelas armas de destruição em massa – tudo baseado em informações duvidosas, segundo demonstraria o Relatório Chilcot. Tenho o receio de que estamos diante de um cenário muito semelhante. Porém, desta vez, o perigo seriam armas biológicas. Olhando friamente para tudo isso, repito o que disse em janeiro de 2020: não estou gostando nada disso.