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Na última quinta-feira, 5, abordamos a triste situação vivida pelos nascituros brasileiros que, por causa de uma liminar concedida pelo Ministro Alexandre de Moraes na ADPF 1141, passou a ser um dos únicos países a admitir o abortamento de crianças em qualquer idade gestacional.
Nesta coluna vamos refutar as justificativas utilizadas na decisão, segundo a qual, o aborto seria um direito das mulheres e limitá-lo às 22 semanas seria inaceitável porque não está previsto esse prazo no artigo 128 do Código Penal e a OMS incentivaria tal prática.
O leitor da Gazeta já teve acesso a um ótimo artigo do Dr. Ives Gandra e do Dr. Raphael Câmara onde se demonstra claramente o equívoco de se afirmar a existência de um suposto “direito ao aborto”.
De fato, o Código Penal não pode criar direitos e obrigações e um mínimo de bom senso já nos revela que o atual estágio civilizatório que alcançamos impede que alguém tenha o direito de matar outro alguém. Uma coisa é dizer que não será penalizado. Outra, bem diferente, é dizer que se trata de um direito.
Quanto à ausência de previsão de limite gestacional no Código Penal, como citamos no artigo da semana passada, as notas técnicas do Ministério da Saúde é que estabelecem este parâmetro. Desde 2005, o Ministério da Saúde determina que a periavibilidade fetal é a baliza de até quando se pode praticar o aborto. De 20 a 22 semanas.
Para quem não é da área do direito, pode-se até estranhar que uma portaria do Ministério da Saúde limite o alcance da norma penal, mas isso é mais comum do que se imagina. O próprio crime de tráfico de drogas previsto na lei penal também deixa a cargo de uma portaria do Ministério da Saúde a conceituação do que seja droga. Se não fosse essa portaria, andar com uma aspirina ou um antibiótico no bolso já poderia configurar porte de drogas e você, leitor, estaria preso.
Assim, se há 20 anos o Ministério da Saúde especifica o que seja abortamento – que é a “interrupção da gravidez até a 20ª/22ª semana de gestação e com o produto da concepção pesando menos de 500 gramas” – não poderia o Ministro Alexandre de Moraes, de repente, dizer que esse limite é inapropriado.
“Em nome da OMS”
Pois bem, superados estes dois argumentos, vamos à parte mais complexa que, aliás, deu título a este artigo: será que, realmente, a OMS indica a realização de abortamentos acima de 20 semanas? Será que a assessoria jurídica do Ministro Alexandre de Moraes acertou em dizer que o CFM está se distanciando dos “standarts científicos”?
De fato, ao acessarmos o “Abortion Care Guideline de 2022”, em seu capítulo 2, “Box 2.1”, consta ali que o aborto tem que ser totalmente descriminalizado e que barreiras que impedem o acesso e a prestação oportuna de atendimento ao aborto devem ser removidas, incluindo aqui, abordagens baseadas em limites de idade gestacional.
Entretanto, em um artigo ainda pendente de publicação – escrito em co-autoria com Êndel Alves, pesquisador e mestre em bioética – demonstramos que o organismo responsável pela edição deste Guia – o Departamento de Saúde Sexual e Reprodutiva e Pesquisa (SRH) – é apenas um dos muitos departamentos integrantes da Organização Mundial da Saúde e ele não tem a atribuição de falar em nome da OMS.
Esta diminuta repartição é formada por apenas uma diretora e seis outros integrantes, sendo que, deste total, apenas três deles são médicos e nenhum deles faz parte do Conselho Executivo da OMS.
Por outro lado, por mais de um século, a OMS tem expedido a Classificação Internacional de Doenças (CID), que tem sido a base para estatísticas comparáveis sobre doenças e causas de mortalidade e morbidade em todo o mundo.
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Após viger por cerca de 30 anos, a CID-10 foi alterada pela versão mais recente, a CID-11, a qual foi adotada pela 72ª Assembleia Mundial da Saúde em 2019 e entrou em vigor em 1º de janeiro de 2022. É um estudo em que todos os Estados-Membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) estão comprometidos a utilizar seus parâmetros e o Brasil, como tal, não poderia ser diferente.
Assim, dentre os documentos realmente emitidos pela OMS, a exemplo, temos que periavibilidade do bebê após a 22ª semana é levada em consideração para a conceituação de aborto espontâneo, que é, segundo a CID-11, “a perda espontânea da gravidez (ou seja, embrião ou feto) antes de 22 semanas completas de gestação” (código JA00.0 CID-11).
Veja-se que, após essa idade gestacional, a CID denomina o falecimento destes bebês não de “morte fetal”, mas sim de “Natimorto”, diferenciando-os em razão da periavibilidade.
Há outros tantos códigos da CID-11 relativos à idade gestacional que apenas iriam cansar o leitor. O que importa sabermos é que documentos como o “Abortion care guideline 2022” são meros manuscritos que carregam a logomarca da OMS, mas não têm caráter coercitivo e impositivo, tal como a CID-11, que foi votada e aprovada após intensa deliberação em Assembléia Geral e fala claramente sobre a viabilidade fetal e a impropriedade de se matar uma vida viável.
A ausência de cientificidade do Abortion care guideline 2022 é tamanha que logo em seu início, na página 3 do documento, seus autores ressalvam que o guia é distribuído sem qualquer garantia e que “a responsabilidade pela interpretação e utilização do material é de responsabilidade do leitor. Em nenhuma hipótese, a OMS será responsável por danos decorrentes de seu uso”.
Em bom português, isso quer dizer que a OMS manda abortar com mais de 20 semanas, mas quem o fizer que se lasque... Isso soa como algo científico?
Se um pequeno grupo de pessoas roubou a autoridade da OMS para tentar ampliar a incidência das possibilidades de abortamento, em descompasso com todos os estudos médicos-científicos já elaborados ao longo de anos pela própria OMS, nossa Suprema Corte não pode se colocar à mercê de tal propósito.
Urge, então, torcermos para que o nobre ministro seja leitor assíduo deste jornal para rever seu posicionamento ou, quem sabe, o Procurador Geral da República possa intervir nos autos após tomar conhecimento destes fatos aqui registrados. Só assim poderíamos salvar nossas crianças periviáveis de serem química, lenta e dolorosamente cremadas pelo Cloreto de Potássio injetado em parcelas nos seus corações.
Na próxima semana, vamos expor o problema da segunda e da terceira liminares concedidas na ADPF 1141, que transformou o Brasil no país mais permissivo em matéria de aborto do mundo.
Conteúdo editado por: Aline Menezes




