As motos de baixa cilindrada são a melhor maneira de circular pelo Vietnam| Foto:
CARREGANDO :)

Dez e trinta da manhã e eu pilotava a motinho alugada em direção a algumas tumbas de antigos imperadores do Vietnam, nos arredores de Hué, centro cultural, histórico e intelectual do país. Em um semáforo às margens do Rio do Perfume – dos raros pontos onde realmente o tráfego para quando a luz está vermelha – uma senhora, beirando os 45 anos, emparelha ao meu lado.

Retira a máscara antipoluição, hábito que os vietnamitas herdaram da vizinha China, e, simpaticamente, pergunta para onde vou e de onde sou. Não me surpreendi com a abordagem, acostumado que estava à expansividade e conversa fácil da população local. Aonde quer que vá o diálogo se repete.

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“As tumbas estão a um quilômetro da minha casa, apenas me siga”, disse. No quarto do hotel havia estudado detalhadamente as direções e avenidas para chegar ao sítio histórico, a 12 quilômetros da cidade. Porém, habituado a me perder por aí, não seria demasiado um reforço na orientação.

Sigo a motociclista, como já havia feito outras vezes, ao longo da expedição. Três quadras mais e ela pergunta o meu nome, se apresenta, indaga quanto tempo ficarei na cidade, enfim, entabula uma conversação. Nada diferente do que vem ocorrendo cotidianamente.

“Deve estar querendo me acompanhar até as tumbas para oferecer serviço de guia”, imaginei. Nesse caso, apenas recusarei a oferta e continuarei o trajeto sozinho, do jeito que normalmente faço. Prefiro ir só para sentir os locais, deixar a imaginação liberta e circular, despreocupado com horários ou com a presença de outras pessoas.

A mulher pilotava vagarosamente a Scooter branca, com receio de que eu me distanciasse, e fazia gracejos sempre que podia. Num primeiro momento cheguei a pensar que já a conhecia de algum restaurante ou mesmo de passagem, da rua, talvez do comércio local. Os asiáticos parecem muito semelhantes uns aos outros, mas estava claro que não.

A situação parecia um pouco estranha, exagerada, até. “Don´t worry”, largou. Ora, por que eu deveria me preocupar se nada deveria estar errado? Minha percepção, já bem forte, indicava que não era uma atitude comum, de ajuda.

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De qualquer forma, sozinha não teria como me causar qualquer dano. Bem humorado e até me divertindo, decidi deixar a situação seguir adiante. Ainda que com atenção e cautela.

Seria imaginação ou estaria nos seguindo o carro branco com quatro sujeitos grandes? Chegávamos à periferia, as ruas estreitavam e o movimento diminuía. O carro passa. A mulher entra à direita, numa rua secundária, desliga a moto e acode com a mão para que eu pare ao lado. Percebo que ela olha de relance para a casa do outro lado da rua. A porta está aberta e, sentado, um gordão conversa com outras pessoas, fora do alcance da minha vista.

A senhora acena para eu estacionar ao lado dela e olha para a ignição da minha motocicleta. Conheço o truque de arrancar a chave do veículo para a vítima ficar inerte, sem ação e não fugir. “Mapa, mapa”, diz, um pouco afobada. Por que precisava de mapa se morava a um quilômetro das tumbas e conhecia a região? A evidência era de uma manobra para momentaneamente me distrair.

Não estaciono, circulo devagar, e mantenho todo o quadro no meu campo de visão. “Don´t worry”, repete. As palavras sentenciaram que havia algo muito errado. Antes só desconfiado, agora realmente tinha que me preocupar. A circunstância chegara ao limite da minha segurança.

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Avanço alguns metros, faço a volta e, de cima da moto e ainda no controle do ambiente, agradeço e digo que meu caminho é mesmo outro e acelero. A vietnamita já está fora da moto e parece mais ansiosa e desapontada.

Pode ter sido fantasia da minha parte, crimes violentos e assaltos armados não são comuns no país, mas acredito que escapei de um golpe. Poderia acontecer qualquer coisa: outras pessoas me abordarem repentinamente para arrancar a mochila e a câmera fotográfica enquanto a mulher se fazia de vítima; um convite para pedir indicações na casa e receber voz de assalto; ou mesmo a tentativa de um sequestro relâmpago.

Creio que a opção menos provável seria ela ter olhado o mapa, dado alguma orientação e dito “by, by”. Nunca vou saber. À distância, curvo o pescoço para trás, a mulher regressava pela mesma rua que entrou. Acredito que frustrada e muito provavelmente bem longe de casa.

Refletindo bem agora, um dia depois do ocorrido, tenho praticamente a certeza de que me safei mesmo de uma armadilha.

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