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Manifestação contra a corrupção do governo petista, ocorrida em 2016, em São Paulo.
Manifestação contra a corrupção do governo petista, ocorrida em 2016, em São Paulo.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Precisamos falar disso neste dia internacional de combate à corrupção, 9 de dezembro. No livro A República, de Platão, o anel de Giges era um artefato mágico que permitia que seu usuário se tornasse invisível. Glaucon, personagem da história, fala a Sócrates o que poderia ser sintetizado com o provérbio “a ocasião faz o ladrão”.

“Se...houvesse dois anéis como este, e o homem justo pusesse um, e o injusto outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça, e que fosse capaz de se abster dos bens alheios e de não lhes tocar, sendo-lhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado...”.

Há sim pessoas honestas que resistem a tentações e pressões. Contudo, a ideia geral de que pessoas respondem a incentivos e desincentivos é verdadeira. É confirmada pela análise econômica e pelas modernas pesquisas comportamentais. Na história de Platão, o anel garantia ao usuário a impunidade contra punições e danos reputacionais.

E é isso exatamente que Lula tem hoje. Lula não tem só um relógio Altiplano de 84 mil reais, mas também um anel de Giges. O sistema de combate à corrupção foi desmontado ao longo dos últimos anos, garantindo a impunidade aos poderosos e particularmente a ele. Some-se que, depois de condenado em dois processos por cinco vezes, foi eleito presidente.

À impunidade se soma a perda da vergonha da corrupção ou da aparência de corrupção. Recém-eleito, Lula discursou ao lado do deputado cujo assessor foi preso com cem mil dólares na cueca. Voou de jatinho com acusado em desdobramento da Lava Jato. Nomeou 67 investigados e condenados para a equipe de transição.

O sistema de combate à corrupção foi desmontado ao longo dos últimos anos, garantindo a impunidade aos poderosos e particularmente a ele

O PT e os demais partidos envolvidos na Lava Jato, como PP, MDB e PSDB foram recompensados por sua corrupção. Propinas bilionárias jorraram do bolso de “campeões nacionais” e outras empresas para as campanhas eleitorais, permitindo eleições, reeleições e a expansão do seu poder. Subverteram a democracia em seu favor e, mesmo assim, os partidos saíram impunes. A mudança da lei de improbidade pelo Congresso Nacional no ano passado blindou esses partidos nas ações que buscavam a restituição do dinheiro e a aplicação de multas.

“Ah, Deltan, agora basta fiscalizar o PT de perto”. A corrupção é difícil de ser descoberta. Superfaturamentos contratuais são camuflados. Propinas são pagas por profissionais da lavagem de dinheiro especializados em disfarçá-las. Não é à toa desvios bilionários revelados pela Lava Jato haviam passado entre os dedos do Tribunal de Contas da União ao longo de mais de uma década.

O único modo de fechar as comportas de novas usinas de corrupção como foram o mensalão e o petrolão é pelo restabelecimento de um sistema efetivo de combate à corrupção. É óbvio, mas o óbvio precisa mais do que nunca ser dito: prevenir é melhor do que remediar. E um mecanismo preventivo central é a perspectiva real de punição dos malfeitores, que não existe mais.

O STF acabou com a prisão em segunda instância. Agora, o corrupto é condenado e não é preso. Após vários recursos e anos na segunda instância, a condenação é confirmada e o condenado não é preso novamente. Mais recursos são opostos, anos se passam na terceira instância, sua condenação é confirmada e igualmente não é preso. Finalmente, após a quarta instância e seus diversos recursos, seria de esperar que fosse enfim preso. Contudo, o processo terá demorado tanto que será beneficiado pela prescrição e impunidade. O ex-senador Luiz Estevão ofereceu 36 recursos sem contar habeas corpus e seu processo demorou cerca de 20 anos.

Propinas bilionárias jorraram do bolso de “campeões nacionais” e outras empresas para as campanhas eleitorais, permitindo eleições, reeleições e a expansão do seu poder.

Some-se que o Congresso acabou com a Lei de Improbidade, um importante instrumento do combate à corrupção. Agora, se um funcionário público pedir propina a você, leitor, isso não é mais improbidade. Se você não pagar e ele lhe extorquir ou torturar, isso não é mais improbidade. Se você descobrir que ele tem 30 milhões de dólares no exterior, valor incompatível com o patrimônio dele, isso também não é mais improbidade. A Lei de Improbidade foi esvaziada.

Essas mudanças ilustram uma longa lista de iniciativas que destruíram o combate à corrupção, incluindo anulações de julgamentos, mudanças de regras de competência, alteração da regra de ordem na fala entre delator e delatado, criação do juiz de garantias e da lei de abuso de autoridade, mudança em regras de prisão preventiva e delações premiadas e a extinção da força-tarefa da operação Lava Jato.

Na Lava Jato, resta apenas um preso, Sergio Cabral. A relação de casos anulados não para de crescer. Até o início do ano eram 8 das 45 sentenças de Curitiba, mas o número aumentou ao longo do ano. Dentre esses casos estão o de Pasadena e casos contra Palocci, Vaccari, Bendine, Eduardo Cunha, João Santana, Bumlai e, mais recentemente, André Vargas. Com exceção do caso Lula, todas as anulações decorreram da mudança de regras, com a aplicação das novas regras para o passado, violando a noção mais elementar de segurança jurídica.

As empresas que fizeram acordos de leniência e, assim, confessaram seus crimes e restituíram bilhões, querem desfazer ou rever seus acordos. A razão é evidente: aquelas empresas que não cooperaram, não confessaram e não devolveram o dinheiro estão saindo ilesas com o desmonte do combate à corrupção.

O TCU, por exemplo, tem coisas mais importantes para fazer do que cobrar os bilhões que as empresas devem e puni-las. Enquanto seus processos se arrastam há anos no tribunal, a corte precisou priorizar os processos contra agentes públicos que trabalharam na Lava Jato, conduzindo contra mim, por exemplo, um procedimento em tempo recorde no ano eleitoral, que foi anulado nesta semana pela Justiça em razão de evidentes e manifestas ilegalidades.

Os líderes do Congresso estão preocupados também com coisas mais importantes, como explodir as contas públicas por meio da PEC da transição e em criminalizar quem chama políticos de corruptos por meio do pacotão da democracia do Senador Renan Calheiros. Tudo voltou à “normalidade democrática”. Errado está quem ousa criticá-la e se opor a excessos e abusos.

Neste dia internacional de combate à corrupção, não há o que comemorar no Brasil. Há, sim, muito por que lutar. Livrar corruptos e punir agentes da lei cria o país da balbúrdia e do saque, que não é o Brasil que queremos. Enquanto formos roubados e estivermos desprotegidos, jamais prosperaremos.

É preciso formar uma coalizão de entidades para reformas estruturantes necessárias, dentre as quais está a reforma anticorrupção. Só assim tiraremos do PT, e de quem mais quiser utilizá-lo, o anel de Giges. Só assim será possível impedir que sejamos mais uma vez saqueados.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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