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Justiça, política e fé

STF

Moraes condena Filipe Martins com negacionismo e “fake news”

Filipe Martins, réu da ação penal 2.693 (núcleo 2), sob relatoria de Alexandre de Moraes.
Filipe Martins, réu da ação penal nº 2.693 (núcleo 2), sob relatoria de Alexandre de Moraes. (Foto: Rosinei Coutinho/STF)

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Ao condenar Filipe Martins a 21 anos e 6 meses de prisão, o ministro Alexandre de Moraes inovou no Direito, criando um novo instituto jurídico: a “celeuma” jurídica. Ele disse que havia uma “celeuma” – uma discussão, polêmica ou controvérsia – sobre a viagem de Filipe Martins aos Estados Unidos que embasou a sua prisão.

Contudo, está amplamente comprovado que a viagem nunca ocorreu. E não sou eu quem afirma isso. Quem declara que Filipe Martins não entrou nos Estados Unidos, em contradição direta com o que sustentou a Polícia Federal, é o próprio GOVERNO AMERICANO. Então, se há celeuma, ela é artificial, mas, para Moraes, seria um fundamento idôneo para a prisão.

Sejamos honestos, ministro. O que o senhor se recusou a admitir foi que a prisão preventiva tinha como objetivo pressionar Filipe Martins a fechar uma delação, nos mesmos moldes do que foi feito com Mauro Cid. Filipe ficou preso por 6 meses sem denúncia, o que é uma aberração – o prazo máximo é de 35 dias.

A prisão de Filipe é um exemplo de uma – esta sim, verdadeira – inovação de Moraes no campo do Direito: o processo penal surrealista. É essencial relembrar os fatos: a Polícia Federal encontrou um arquivo de texto nos aparelhos eletrônicos de Mauro Cid que continha uma lista de passageiros. Não era oficial, mas provisória.

Algo me diz que, independentemente da culpa ou inocência de Filipe, seu destino estava selado. Absolvê-lo seria, para além de reconhecer a abusividade de seu longo período de prisão, devolver-lhe a voz, as redes sociais e até o direito de ele, quem sabe, concorrer numa eleição

A lista se referia a um voo que levaria Jair Bolsonaro aos Estados Unidos no final de 2022. Como a PF não conhecia o paradeiro de Filipe Martins no início da investigação, solicitou sua prisão preventiva ao ministro Alexandre de Moraes, sustentando que Filipe estaria nos Estados Unidos.

Após sua prisão, a defesa de Filipe reagiu, soterrando o STF com provas de que Filipe Martins jamais deixou o Brasil. Foram juntados comprovantes de corridas de Uber, recibos do iFood, fotos, mensagens e diversas outras evidências. Ainda assim, prevaleceu o negacionismo útil de Moraes: a hipótese da fuga prevalecia sobre qualquer fato e qualquer prova.

Além de útil, esse negacionismo é seletivo. Ele desacreditou sistematicamente todas as provas apresentadas pela defesa. Por outro lado, as informações trazidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público foram aceitas de forma automática, como se fossem verdades reveladas dos céus e imunes a qualquer contestação.

Por isso, Moraes só cedeu quando a própria Procuradoria-Geral da República, finalmente, concordou com a defesa. Até então, por mais de seis meses, Filipe Martins permaneceu preso por causa de uma viagem que nunca realizou. A prisão preventiva foi substituída por medidas cautelares, o que é por si só contraditório, porque só acontece tal substituição quando há razão para a prisão em primeiro lugar, o que não existia nesse caso.

Filipe passou a cumprir prisão domiciliar e foi proibido de utilizar redes sociais e de dar entrevistas. Na prática, foi asfixiado financeiramente e submetido à censura prévia. Caso um juiz de primeira instância adotasse medidas parecidas, provavelmente enfrentaria um processo administrativo disciplinar na corregedoria de seu tribunal ou no Conselho Nacional de Justiça.

Agora, no julgamento, Moraes alega que há então uma “celeuma” sobre a prisão. Vamos ser claros: ao se negar a reconhecer que a viagem ao exterior jamais existiu, Alexandre de Moraes difundiu desinformação. Justamente ele, relator do inquérito das chamadas fake News e defensor da regulação das redes sociais contra a... desinformação.

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No entanto, dá para entender isso. Reconhecer que a viagem nunca existiu significaria admitir que a prisão foi ilegal, assim como as medidas cautelares que a substituíram. Da mesma forma, reconhecer a ausência de provas contra Filipe suficientes para uma condenação significaria reconhecer que mais de seis meses da vida dele foram retirados injustamente.

Ao defender sua condenação, Moraes disse que “não há nenhum sentido” em afirmar que Mauro Cid inventou, na delação, que Filipe Martins foi responsável pela elaboração da minuta golpista, e invocou também registros de entrada do réu no Palácio do Alvorada. Este, contudo, era seu local de trabalho.

Além disso, há inúmeros precedentes do STF no caso Lava Jato em que a corte reverteu denúncias e condenações dos réus com base em declarações do delator, até mesmo quando confirmadas por provas como registros de propinas dos sistemas da Odebrecht. Apoiar-se nas palavras de Cid é incoerente com toda a jurisprudência da corte, o que reforça a percepção de que há dois pesos e duas medidas.

Ainda quero ler a decisão escrita de Moraes para analisar minuciosamente seus fundamentos, mas algo me diz que, independentemente da culpa ou inocência de Filipe, seu destino estava selado. Absolvê-lo seria, para além de reconhecer a abusividade de seu longo período de prisão, devolver-lhe a voz, as redes sociais e até o direito de ele, quem sabe, concorrer numa eleição como um “mártir”.

Tudo muito "perigoso" para quem quer “derrotar o bolsonarismo”, ainda que seja necessário “usar a criatividade”. Os advogados de Filipe Martins alimentavam a expectativa de que Filipe pudesse ser absolvido, diante da fragilidade das provas. Eu nunca compartilhei desse otimismo, diante da fragilidade moral daqueles que se recusam reiteradamente a admitir seus próprios erros para controlar a narrativa e aniquilar seus adversários.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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