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O que explica a operação de Moraes contra Jordy, líder da oposição?
| Foto: Agência Câmara

Ontem, o mundo político brasileiro acordou com a notícia de que o deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ), líder da oposição ao governo Lula na Câmara dos Deputados, foi alvo de buscas e apreensões decretadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Logo cedo, a imprensa noticiava que Jordy era investigado no STF por ter participado da organização e planejamento dos atos antidemocráticos, que culminaram nos atos de 8 de janeiro de 2023.

Durante todo o dia, a imprensa alinhada ao consórcio Lula-STF destacou trechos da decisão que afirmavam que Carlos Jordy tinha o poder de “orientar” e “ordenar” as manifestações antidemocráticas, “seja pelas redes sociais ou agitando a militância da região”. A narrativa que foi sendo criada e repetida dava a entender que haveria provas robustas de fatos graves. Contudo, li a decisão no final da tarde de ontem com o choque de quem vê uma montanha se contorcer, urrar, e parir um rato natimorto.

A decisão de Moraes contra Jordy, de 21 páginas, é muito fraca. Li muitas decisões do STF que determinaram buscas contra parlamentares, mas nunca uma tão frágil. Moraes reproduz, nas primeiras 9 páginas, trechos da representação da Polícia Federal (PF) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) que solicitaram as medidas cautelares. A partir da página 10, Moraes pinça dois fatos isolados e suposições não comprovadas da PF para deflagrar a operação policial contra Jordy. E quais são os dois fatos?

Li muitas decisões do STF que determinaram buscas contra parlamentares, mas nunca uma tão frágil

O primeiro fato é uma ÚNICA mensagem trocada entre Jordy e Carlos Victor de Carvalho (CVC), que segundo Moraes administraria vários grupos de WhatsApp com temática de “extrema direita” e teria organizado vários eventos antidemocráticos na cidade de Campos, no Rio de Janeiro. Eis a mensagem, trocada no dia 01/11/2022, que foi usada por Moraes como “bala de prata” contra Jordy:

“_CVC: Bom dia meu líder. Qual direcionamento você pode me dar? Tem poder de parar tudo.

_JORDY: Fala irmão, beleza? Está podendo falar aí? CVC: Posso irmão. Quando quiser pode me ligar

Moraes se ampara no fato de que essa mensagem teria sido trocada no mesmo dia em que bloqueios de rodovias ocorriam em todo o Brasil, inclusive na cidade em que CVC agia. Moraes coloca extrema importância no fato de CVC chamar Jordy de “meu líder”. A isso se somaria o segundo fato: Jordy teria ligado para CVC enquanto este estava foragido, no dia 17 de janeiro de 2023. 

Com base nesses dois fatos, os únicos apontados na decisão, Moraes concluiu existirem fortes indícios de que Jordy era o responsável por orientar e comandar as ações de CVC. Além disso, Moraes convenientemente misturou os protestos, manifestações, acampamentos e bloqueios de rodovias daquela época, mas não ofereceu nenhuma prova concreta que ligue esses eventos a um núcleo central. 

E foi assim que Moraes decretou uma busca e apreensão contra um deputado federal, líder da oposição ao governo Lula na Câmara dos Deputados, com base em apenas uma troca de mensagens, em uma fundamentação de meia página. Não há nenhuma prova da prática de crimes, nem mesmo outros elementos informativos que deem robustez às graves alegações contra Jordy. 

A ênfase da decisão no fato de que Jordy foi chamado de “meu líder” por CVC e, por isso, seria mandante das ações organizadas por este, desafia a inteligência. É comum que pessoas se chamem umas às outras de “mestre” ou “chefe”. A expressão “meu líder” é particularmente comum nos corredores do Congresso, por conta da importância dada às lideranças partidárias. Eu mesmo fui chamado de “meu líder” mais de uma centena de vezes.

O argumento de Moraes é tão fraco que, na mesma troca de mensagens, Jordy e CVC se chamam mutuamente de “irmão” e dessa vez ninguém, nem a PF, a PGR ou Moraes, concluiu a partir disso que eles são irmãos. Da mesma forma, as falas não autorizam a conclusão de que Jordy estaria orientando a prática de crimes como o de golpe de estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, aventados por Moraes.

Não há nenhuma prova da prática de crimes, nem mesmo outros elementos informativos que deem robustez às graves alegações contra Jordy

A fala de que Jordy teria poder para parar tudo, aliás, não significa muito. Se ele fosse o comandante das ações, não precisaria ser comunicado disso. Some-se que ter o poder para parar um crime de outrem não faz a pessoa omissa responsável pelo crime de outrem, a não ser em casos muito específicos previstos no Código Penal (como o do salva-vidas e do policial), que não se aplicam à situação de Jordy.

Embasar as buscas no contato telefônico mantido quando CVC era tido como foragido da Justiça soa ridículo. Mesmo que houvesse provas de que Jordy soubesse onde CVC estava e que era foragido, o que é difícil quando tudo do 8 de janeiro é escondido no STF com um carimbo de sigilo, falar com foragidos não é crime. Tampouco é deixar de denunciá-los à polícia, salvo se você mesmo ajudá-los a se esconder.

A decisão de Moraes está repleta de presunções e especulações que não são comprovadas por nenhum outro elemento ou dado que conste no seu texto. Usualmente, as decisões explicitam os fundamentos fáticos e jurídicos que as embasam, porque juízes têm um dever de motivar suas decisões. Além disso, enquanto a Constituição atual estiver vigente, o ônus da prova é da acusação. 

Por fim, diante da fraqueza dos indícios e dos fatos, uma medida cautelar como a decretada, com invasão até mesmo do gabinete parlamentar de Jordy, é completamente desproporcional. Se não há justificativa jurídica razoável para a medida, o que a justifica então? Há três hipóteses levantadas no debate público, mas a primeira merece maior consideração.

Desde que Moraes deu várias entrevistas à imprensa no aniversário do 8 de janeiro, que culminou com a festa lulista da “Democracia inabalada”, aumentaram consideravelmente as críticas ao STF que apontam abusos e violações de garantias fundamentais dos réus. Uma das mais severas e recorrentes é a ausência da competência do STF para julgar os réus, sem foro privilegiado. Isso viola o devido processo legal, o juiz natural e o duplo grau de jurisdição.

Um dos argumentos utilizados por Moraes é o de que, apesar de os milhares de réus do 8 de janeiro não possuírem foro privilegiado, haveria um núcleo de parlamentares com envolvimento no caso. Entretanto, nenhum desses parlamentares foi denunciado e não há nem mesmo citação a eles em nenhuma das centenas de denúncias oferecidas pela PGR até agora. 

Além disso, há outro problema: a PGR pediu o arquivamento por falta de provas em relação aos parlamentares mais citados por Moraes em seus votos: André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Silvia Waiãpi (PL-AP). Segundo revelou a Folha de S. Paulo, os pedidos de arquivamento estão no gabinete de Moraes para decisão há meses.

A ofensiva de Moraes contra Jordy pode, portanto, ser explicada como uma resposta suprema às fortes críticas. A busca e apreensão, por mais fraca que seja juridicamente, dá a Moraes e seus porta-vozes na imprensa do consórcio Lula-STF uma narrativa para legitimar a intervenção do STF, ainda que não resista a uma análise crítica.

Há duas outras hipóteses mais sinistras que explicariam as buscas e apreensões de hoje. A primeira é de que foram uma fishing expedition, ou pescaria probatória, que acontece quando alguém é alvo de buscas sem objeto definido para “pescar” provas de outros possíveis crimes não relacionados com as investigações. Trata-se de investigar pessoas e não fatos, o que viola o direito penal democrático. 

A segunda hipótese é de que as buscas objetivavam obter acesso ao celular e computador de Jordy, dando ao Supremo, que nas palavras de seus próprios ministros vive uma “lua de mel” com o governo Lula, acesso a todas as estratégias, conversas e diálogos da oposição, liderada por Jordy no Congresso. Não é preciso muita imaginação para compreender o estrago que informações sensíveis como essa podem fazer nas mãos do governo.

Se teve uma coisa que o caso Intercept me ensinou é a facilidade com que o acesso ao conteúdo do celular de uma autoridade pode servir para tirar de contexto, deturpar, mentir e desfigurar o trabalho e a reputação de pessoas. Qual o valor que o celular e o computador de Carlos Jordy têm? 

Essas três hipóteses, no entanto, são sabidamente absurdas, afinal, parte da grande mídia garante que a atuação do Supremo é estritamente jurídica e técnica, jamais política. Seria chocante pensar algo diferente. Trata-se, no máximo, de um equívoco do STF, se é que uma corte de seres supremos comete erros. Se você pensar diferente, cuidado, porque pode acabar como o jornalista Jackson Rangel Vieira, preso por mais de um ano sem denúncia depois de ter criticado o STF. 

E assim segue nossa “democracia inabalada”.

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