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Autismo: uma luta quase rosa
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Minha previsão de postagem para hoje era falar acerca dos inúmeros relatos de mães de autistas, cujos pais abandonam a criança após o diagnóstico, passando a rejeitar por completo seus filhos.  Por outro lado, eu também sentia a necessidade de realizar uma uma pequena homenagem à Berenice Piana pelo material concedido para os três últimos posts de nosso Diário. O que escrever? Qual tema escolher? Que tal um pouco de tudo? Como já rasguei elogios à Berenice em meus posts anteriores, então, quero homenageá-la, através de minha demonstração de respeito aos homens de sua vida e, assim, colocar em pauta a importância dos pais, avôs e irmãos de crianças autistas.

Infelizmente, quando falamos de autismo, falamos também de um contexto que envolve muito abandono paterno. Não é incomum pais que não querem mais saber de seus filhos após o diagnóstico. Também assistimos muitas situações de desamparo e desacolhimento por parte da família extensiva, ou seja, por parte de avós, tios, primos, etc. Nos grupos de discussão sobre autismo, predominam mulheres, mães, que muitas vezes estão desamparadas, sem qualquer apoio. A imagem deste post é do público da palestra de Berenice Piana aqui no Paraná (em 21/11) – e notem a pouquíssima quantidade de homens!

Amor de mãe, luta de mãe, garra de mãe! Mãe tem definitivamente algo a mais. Mas esse “algo” se manifestará da forma mais grandiosa se estivermos amparadas por quem amamos.  Uma família que trabalha como parceira pode muito pela criança e pela causa. A participação familiar e, por que não dizer, masculina (pais, avôs, irmãos) é essencial. Conversando com Berenice, não pude deixar de ver que 50% de sua força e vontade vêm dela mesma. Mas os outros 50% vêm dos homens de sua vida.

O primeiro, e mais importante é o Dayan, seu filho autista. É o amor que ela sente por ele que a move. Esse amor exala por cada poro, e é sentido no olhar, na fala e nas pausas. A construção e desconstrução de si e de seu mundo evidente que perpassa essa maternidade, que transforma, que impulsiona, que desafia. O anjo azul de Berenice se tornou o anjo azul do país, porque, sem Dayan, não haveria lei do Autismo, não haveria a Berenice Piana que conhecemos (afinal, ele é parte dela mesma, um órgão vital de sua energia e felicidade).

O segundo é seu marido. Sem ele para ficar com o Dayan, como Berenice iria para Brasília? Será que, sem ele, teríamos Lei do Autismo? Pouco provável. Com certeza ele representa o pai que se espera para nossas crianças. Ele representa o apoio, a extensão dos braços de uma mãe até onde seus olhos não poderão mais alcançar; representa a importância da figura paterna na luta por uma sociedade mais inclusiva e justa para pessoas com autismo.

O terceiro é seu filho mais velho, que vem representar o respeito que esperamos dos irmãos de nossos anjos azuis. Representa que é possível compreender o exercício de uma maternidade diferenciada. Seu filho mais velho a ajudou, inclusive, com materiais que precisava para atingir midiaticamente a pressão social necessária para aprovação da lei. É o sentido da palavra fraternidade, que pode inclusive se estender para além dos laços biológicos, pois se pretendemos lutar por um mundo melhor precisamos que pessoas não autistas sejam fraternas às pessoas com autismo.

E por último, mas não menos relevante, a pedra fundamental: o pai de Berenice. Foi dele que surgiu a ideia da lei, e ele acompanhou a maior parte da caminhada (embora, infelizmente, tenha falecido antes da ratificação). Alguém que evidentemente acolheu o neto e tudo o que diz respeito a ele. Alguém que incentivou a filha não só a mudar sua realidade, mas a mudar o Brasil. Mães de autistas precisam muito do apoio de seus pais (os avós da criança), pois constantemente, embora não demonstremos, nos sentimos inseguras e temerosas diante dos caminhos que a vida apresenta frente a nosso cuidado com nossos filhos (cuidados esses que vão além dos cuidados diretos, mas abrangem nossas lutas pela inclusão do autismo na sociedade).

Infelizmente, eu não tive o apoio de meu pai nessa luta. Mas, mesmo assim, tive muita sorte, pois tive uma mãe que é uma avó que vale por um milhão (ela é avó, avô, tio, tia, conselheira, amiga… tudo em uma mesma pessoa; uma “Brastemp” inexplicável). Nem todo mundo tem essa sorte que eu e Berenice Piana tivemos. Muitas mães não têm apoio dos avós de seus filhos, e isso faz muita falta! Costumo receber relatos de mães desesperadas porque se sentem julgadas pelos avós da criança, e isso é o tipo de coisa que muito mais destrói que constrói. Nós, mães, precisamos de acolhimento para que possamos acolher nossos filhos.

A participação familiar é fundamental, e a participação dos homens também. Eu tenho muita sorte pelo apoio que sinto, mas essa não é a realidade da maioria das mães. Torço (e luto) para que um dia possamos ver uma luta mais partilhada, onde consigamos ver o mesmo número de mulheres e homens envolvidos nos cuidados com a criança autista e na luta pelos seus direitos. Quando a rejeição ocorre na própria família, como poderemos esperar que a sociedade inclua? Não existe modelo de participação, não existe maneira exata de fazer isso, a ideia é justamente a complementação que fazemos uns dos outros, e cada um tem um papel essencial em nosso objetivo final: crianças autistas felizes em uma sociedade que as acolha. Meu voto é que mais pais, avôs, irmãos de crianças autistas aparatem as mulheres de sua vida, para que elas sejam muito mais que mães; sejam mães especiais, sejam um pouco de Berenice Piana.

Azul se tornou a cor do autismo pela incidência maior (amplamente predominante nas pesquisas iniciais, o que vem se alterando) em meninos. No entanto, diante de tantos relatos de mães dizendo que os pais ou avôs simplesmente abandonaram seus filhos/netos após o diagnóstico, começo a pensar que se o autismo é azul, nossa luta está rosa. Precisamos colorir esse cenário, através de uma maior aceitação familiar.

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