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No fundo, o Poder Legislativo não questiona a execução do orçamento público, por si só. O que está por trás dos protestos dos legisladores é a realização das emendas parlamentares pelo governo. O “orçamento impositivo” é um pretexto.
Participo do Núcleo de Direito e Política (DIRPOL) da Pós-Graduação em Direito da UFPR. Sempre promovemos debates acerca da atuação dos poderes perante o orçamento público, que não se trata de uma peça jurídica, apenas, mas depende de vontades políticas. Uma das conversas que travei com Fabrício Tomio (Professor de Ciência Política da Faculdade de Direito/UFPR, @fabricio_tomio), líder do DIRPOL, tratou das emendas parlamentares ao orçamento público. Sobre esse tema, o leitor Carlos Solana, na seção de Cartas do Leitor, da Gazeta do Povo do dia 8 de agosto de 2013, opinou:

“Acho que não deveriam existir emendas parlamentares no orçamento. O orçamento é do Poder Executivo, então por que o Legislativo pode incluir emendas nele? A função dos parlamentares é de fiscalizar o cumprimento do orçamento e não ficar distribuindo favores – emendas com direcionamento político – em troca de votos. A reforma política seria o momento ideal para extinguir de vez essa forma de clientelismo”.

A colocação do leitor é fundada na crença – que não é incorreta – de que o agente político age – ou deve agir – guiado pelo interesse público e pelo bem comum. Além disso, defende a separação clara das funções do Estado – Legislativo e Executivo.
E o leitor Angelo Jose Kuginharski entende que:

“Não acho que o pagamento de emendas parlamentares tem de ser obrigatório. Acho que os parlamentares não deveriam nem ter direito de apresentar emendas ao orçamento, pois essas se tornam moedas de barganha política, nociva aos interesses do cidadão. Imaginem as barganhas que fazem em troca das emendas nos seus redutos eleitorais!”

Não é essa a posição do Prof. Fabrício Tomio:

As emendas dos parlamentares ao orçamento são clivadas de desconfiança por parte considerável da opinião pública em virtude de desvios/corrupção (como o esquema que ficou conhecido como anões do orçamento, nos anos noventa) e definições pouco precisas e carregadas de estigma negativo: clientelismo/paroquialismo (relação dos parlamentares com suas bases eleitorais para definição das emendas) e fisiologismo (relação dos parlamentares com o governo para liberação das emendas). Não é estranho, portanto, que diversos analistas/cronistas emitam opiniões pela extinção das emendas parlamentares ao orçamento e, obviamente, contra a aprovação da PEC 565/2006 (conhecida como orçamento impositivo ou obrigatório). O problema, claro, é presumir que a virtude pública é escassa e todo ato político (ou de um político) tende ao desvio, toda relação entre políticos (governo/parlamento) é, necessariamente, escusa e toda relação entre políticos e eleitores é de clientela. A solução proposta, óbvia, é remeter ao não político (ou técnico) as decisões sobre a alocação de recursos orçamentários. De preferência alinhada à compreensão dos analistas/cronistas sobre o que é justo e condizente com o interesse público.
O grande dilema é que recursos orçamentários são sempre finitos (escassos), as demandas por esses recursos sempre excedem o seu montante e, infortunadamente para os analistas/cronistas supracitados, qualquer decisão de como serão alocadas (por técnicos ou políticos eleitos) será política. Suponho que a maioria das emendas parlamentares não visam a priori desvios, mas alocar recursos demandados por cidadãos conforme a interpretação de seus representantes. E, por mais estranho que seja para alguns, a expansão de serviços públicos (forma de materialização orçamentária dos direitos sociais) nos grotões/periferias são demandas dos cidadãos que residem nesses lugares, que alocam votos segundo o juízo que fazem da atuação dos agentes públicos em relação às suas demandas. Mesmo que não houvesse nenhum espírito público presente na atuação política, a simples incerteza sobre o desempenho eleitoral futuro já seria motivação suficiente para os representantes (parlamentares) não ignorarem as demandas desses cidadãos. Portanto, em um ambiente de competição política por recursos orçamentários escassos haverá maior probabilidade de execução dos serviços públicos demandados pelos cidadãos, independentemente de onde residam. Essa é a equação político-institucional convertida historicamente em expansão de direitos sociais. A decisão técnica não substitui a decisão política, porque eficiência e ideias abstratas não se convertem em responsividade (democratização). A decisão política em um ambiente competitivo e inclusivo (o mais parecido com democracia que foi instituído) não é sempre esteticamente agradável e pleno de virtudes, mas é o mais próximo de soluções de interesse público que conseguimos realisticamente instituir. Afastar a participação dos representantes (parlamentares) do processo decisório sobre as despesas públicas não parece uma solução satisfatória para aprofundar a democracia e os direitos sociais.
Entretanto, não sou, particularmente, favorável à aprovação da PEC 565/2006 (e as quase vinte PECs apensadas ao projeto) no formato que está redigida. Não creio que a compulsoriedade na execução de cotas das emendas dos 513 deputados federais e 81 senadores, sob pena de crime de responsabilidade (§ 5º, art. 165-A), seja a melhor gestão orçamentária. A previsão das despesas pela lei orçamentária é resultado de decisão política proposta pelo governo e aprovada pela maioria parlamentar. A execução/contingenciamento dessas despesas, em virtude de flutuações das receitas ou revisões de prioridades, presentes na vida real e passiveis de oscilação durante o ano fiscal, também é uma decisão política compartilhada pelo governo e maioria parlamentar. Sendo resguardada, inclusive, a revisão dessas decisões por tribunais caso violem direitos sociais e de minorias. Todas essas decisões políticas, sendo públicas e transparentes, permitem que os cidadãos formem seus juízos e recompensem/punam eleitoralmente governo/parlamentares em escrutínios futuros. Caso parte das despesas seja imune a contingências (parlamentares terão imensas dificuldades de limitar gastos que sejam diretamente atribuídos a sua autoria diante da ameaça de retaliação eleitoral imediata), o resultado será o contingenciamento de programas não chancelados por emendas, mas aprovados pelo Congresso. Como os parlamentares também são avaliados pelo resultado geral dos programas contínuos previstos no orçamento, a aprovação do orçamento impositivo pode ser, no médio prazo, um tiro no pé e não uma vitória dos parlamentares sobre o governo. Dito de outra forma, a solução da CF 1988 parece ser melhor para a participação dos parlamentares na decisão do orçamento do que o proposto pela PEC 565/2006.

Compartilho da opinião de Fabrício Tomio, tanto sobre o orçamento impositivo, quanto sobre as emendas orçamentárias.
Ainda mantenho o debate aberto.

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