O mais recente apagão de energia elétrica na cidade de São Paulo provou ser a tempestade que faltava para nacionalizar de vez a disputa eleitoral para a prefeitura. Três dias depois da chuva e dos ventos fortes de sexta-feira (11), cerca de meio milhão de casas ainda estavam sem luz e a concessionária Enel não se arriscava a fazer uma previsão de retorno. O jogo de empurra em torno da responsabilidade pelo caos começou mais cedo que no grande apagão anterior.
Em novembro do ano passado, quando 4 milhões de pessoas ficaram sem energia elétrica em São Paulo durante dias, depois de um temporal, o primeiro impulso da prefeitura de Ricardo Nunes e da distribuidora de energia da cidade foi o de colocar a culpa no clima — como se os eventos climáticos extremos já não tivessem se tornado o novo normal. Depois começaram a se culpar mutuamente. A culpa, insinuava a empresa, era da prefeitura que não fazia as podas das árvores. A culpa, alegava a gestão municipal, era da Enel que não tinha equipes suficientes para fazer o restabelecimento da luz. O prefeito Ricardo Nunes demorou uns dias, mas afinal passou a falar grosso contra a concessionária. Quase um ano depois, a realidade mostra que, na prática, pouca coisa mudou. Uma prova de que as pressões de Nunes não tiveram eficácia em forçar a Enel a melhorar seus serviços. Talvez porque a coisa não é tão simples.
No fim das contas, o apagão gerou um efeito que até agora não tinha ganhado tanta relevância na campanha: a nacionalização da disputa eleitoral em São Paulo
Quem já precisou solicitar serviço de manutenção de árvores enroscadas em fios elétricos sabe que se trata de uma tarefa inglória. Vem o serviço da prefeitura e diz que é missão da Enel. Daí aparecem funcionários enviados pela Enel e concluem que precisam de um caminhão com cesto, para alcançar lugares mais altos. Aí vem a equipe com o cesto, mas sem equipamentos adequados para a poda, e leva horas cortando os galhos com uma serra manual presa num cabo. Todo esse processo, com idas e vindas de equipes, dura várias semanas. É um esquema absolutamente ineficiente. Não espanta que não dê conta das milhares de árvores que existem em São Paulo.
Agora, como não podia deixar de ser, o apagão ganha um componente eleitoral. A briga passa a ser entre governo federal e prefeitura. Quando houve o apagão de 2023, o governo Lula não assumiu grande iniciativa. A postura, desta vez, parece ser a de mostrar que, no fim das contas, realmente se pode fazer alguma coisa em nível federal. Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, solicitou uma força-tarefa com equipes de empresas de eletricidade de outros estados para ajudar no trabalho em São Paulo, semelhante ao que foi feito após a enchente no Rio Grande do Sul.
Mas o prefeito de São Paulo, que teve o azar de enfrentar um apagão antes do segundo turno da eleição, resolveu dar um jeito de empurrar parte da responsabilidade para o governo federal e engajou-se em uma troca de farpas com Alexandre Silveira nas redes sociais. Acusou Silveira de participar de um evento na Itália na presença do presidente da Enel, com quem teria discutido a renovação antecipada dos contratos de concessão no Brasil. O ministro defendeu-se, dizendo que não houve tratativas sobre contratos, e acusou Nunes de adotar o método Pablo Marçal de fazer campanha. Ou seja, com mentiras.
O candidato do Psol, Guilherme Boulos, vai explorar o caos causado pelo apagão e tentar mostrar que Nunes é incompetente como prefeito. É evidente que a questão do fornecimento de energia não está resolvida desde novembro do ano passado. Tivemos diversos episódios de quedas e oscilação de energia desde então. Mas nada, até esse fim de semana, tão grande, nada que fizesse relembrar o caos do temporal de novembro de 2023. Boulos terá o desafio de mostrar que uma boa parcela de responsabilidade cabe a Nunes, enquanto Nunes tenta emplacar a tese de que a culpa, na realidade, é do governo federal, que já poderia ter anulado o contrato com a Enel. Enquanto isso, o ministro Silveira trata de ventilar a ideia de que isso só não aconteceu por culpa do grupo político que apoia Nunes, pois a Aneel, agência reguladora do setor elétrico, seria dominada por diretores indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
No fim das contas, o apagão gerou um efeito que até agora não tinha ganhado tanta relevância na campanha: a nacionalização da disputa eleitoral em São Paulo, replicando a polarização entre Lula e Bolsonaro.
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