Uma pergunta raríssima foi feita pelo Centro Ruth Cardoso para estudantes durante a primeira edição do Festival Educação, encerrada em novembro: o que você faria pela melhora do ensino e da sua escola?
As mais de 400 ideias analisadas por uma comissão levaram a uma relevante conclusão: nas 9 escolas participantes, programas ligados à expressão do aluno (artes ou comunicação) predominaram. Junto com essas, estão aquelas ligadas ao esporte, leitura, escolha de profissão e melhora de estrutura física da escola.
Não foram as mais originais, pois apareceram aos montes, mas denotaram uma questão comum: a escola parece ainda fechar ouvidos e canais de expressão aos seus estudantes. Não sem motivo, essas ideias recorrentes foram chamadas de “gritos” pela organização do Festival e tiveram atenção especial.
O “ecossistema de comunicação” de uma instituição, que é como o educador Jesus Martin-Barbero costuma definir o fluxo de comunicação e poder, ainda é domínio de adultos na escola. Professores reclamam historicamente da remuneração, funcionários clamam por melhoras na estrutura de trabalho e os diretores são frequentemente questionados sobre sua capacidade de gestão. Mas e o estudante? O que ele pensa sobre isso? Com que escola ele sonha?
O principal beneficiário e interessado, para qual todo o sistema foi estruturado, o aluno costuma passar longe dessa rodízio de “mea culpas” e cobranças públicas e somente é lembrado quando avaliado, por seus professores, por indicadores nacionais ou internacionais.
Isso nos fez lembrar justamente uma aula. O Prof. Dr. José Miguel Wisnik certa vez identificou a raiz da palavra adolescente. Segundo ele, adolescente, do latim, é aquele que exala um perfume. Ou melhor, que está exalando neste momento (gerúndio) um olor. A poética do significado define bem o estágio da vida em que mais estamos propícios a criação, descobertas e inquietações.
A falta de expressão do estudante na construção da escola se reflete nas principais pesquisas sobre evasão escolar. Recentemente o fator “desinteresse” vem liderando a lista de motivos para que os jovens deixem de frequentá-la. Construímos um modelo escolar feito por adultos sem qualquer participação de jovens e crianças; a cultura do jovem passa longe do ambiente estéril da sala de aula.
Qualquer sistema de avaliação, que se diz 360 graus, deveria colocar o estudante como uma das principais fontes de informação. Afinal, quem pode saber qual o melhor professor, a melhor estrutura, o melhor método e as melhores saídas para um ensino do que aquele para qual a escola foi feita?
Aquelas instituições consideradas de excelência no Brasil, inclusive as particulares, costumam estimular os alunos a avaliar ao menos o trabalho dos docentes. Pode soar estranho a princípio, mas é a avaliação do aluno sobre o professor que mais provoca transformação no seu trabalho, pois toca diretamente a autoestima e o propósito de vida desse profissional.
Mas na grande maioria das instituições, tem cabido tão somente a práticas isoladas elevar o grau de participação do estudante nas questões escolares; algumas delas lideradas por professores e diretores estimulados, e outras por organizações do terceiro setor que trabalham nos limites entre escola e comunidade. O grêmio estudantil fortalecido e autônomo de algumas têm criado ambiência para que os próprios estudantes tomem conta dessa questão.
As práticas de comunicação a arte, cujas ferramentas hoje estão acessíveis às pontas dos dedos nos celulares, também têm sido utilizadas por algumas instituições para dar voz aos alunos. Documentários, blogs, sites e aplicativos são criados por eles em escolas que adotaram programas em seu contra-turno.
Educação de qualidade, esse mote que começou a ser utilizado após a quase universalização do ensino, deve ser seguido sempre das perguntas “para quem?”, “para quê?. Ora, se a cobrança de uma educação de qualidade se reflete no aprendizado do estudante, parece óbvio que este deva ter alguma ingerência nas definições do que é constituída essa tal qualidade. Nesse sentido, o Festival Educação, que estimula os alunos a pensar sobre suas escolas, parece um modelo simples e barato para acelerar processos decisórios coletivos nas escolas.
Já é passado o momento para que gestores de políticas públicas comecem a prestar atenção no que pensam os estudantes. Há outras redes, como o Facebook, que já fazem esse papel de escuta; as manifestações que se iniciaram em junho já mostraram que podem faltar ruas para tanto desabafo.
>> Artigo escrito por Alexandre Le Voci Sayad, jornalista especializado em educação e diretor geral do MEL (Laboratório de Mídia e Educação) e Gilda Portugal Gouvêa, professora doutora do Departamento de Sociologia da Unicamp.
>>Quer saber mais sobre educação, mídia, cidadania e leitura? Acesse nosso site! Acompanhe o Instituto GRPCOM também no Facebook: InstitutoGrpcom
-
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
-
Sérgio Cabral: no Instagram, vinhos e treinos na academia; na Justiça, cadeira de rodas
-
Entidade judaica critica atuação do governo Lula após morte de brasileiro em ataque do Hamas
-
Candidatos à vaga de Moro no Senado refazem planos após absolvição pelo TSE
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS