(Foto: Aniele Nascimento)| Foto:
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Os tons surrealistas que o debate público assumiu nos últimos meses provocam, entre outros efeitos colaterais, a incapacidade coletiva de identificarmos necessidades e soluções reais. Enquanto esbravejamos nas redes sociais e tentamos impor nossa visão de mundo na fila do supermercado, os espertos da hora alçam à condição de prioridades o repúdio à feministas já falecidas, o combate ao uso de termos ofensivos como “gênero” em planos educacionais e, como cereja do bolo, o policiamento ideológico do professor dentro de sala de aula.

Sobre esse último ponto, um destaque necessário: é absolutamente inacreditável que alguns legislativos estaduais, incluindo aí o paranaense, tenham dedicado as últimas semanas à discussão de um projeto de lei, concebido e injetado na pauta legislativa por um grupo de pressão, que pretende limpar a ideologia e a doutrinação das escolas a partir da afixação de cartazes em sala de aula. Considero esse o exemplo mais bem-acabado da absoluta falta de prioridades e de pobreza do debate atual, só passível de florescimento num ambiente de esquizofrenia política. Mas sigamos o raciocínio.

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Nesse quadro de ação e reação às ameaças (reais ou imaginárias), os grandes desafios da educação brasileira vão para baixo do tapete. Um ingênuo poderia alegar que, por sermos um país atrasado e sem condições, não temos as informações e instrumentos necessários para atacar tais desafios, o que não é verdade. Os problemas são identificáveis, mensuráveis e relativamente conhecidos e, se não há ação direta e eficaz sobre os mesmos, devemos questionar tanto a pauta de prioridades construída socialmente como a ação isolada de governos.

Dos efeitos da crise atual, o mais preocupante talvez seja a deterioração do mercado de trabalho. Após alguns anos de aumento da massa salarial e de diminuição do desemprego a níveis históricos, observa-se mês a mês que mais pessoas estão procurando emprego, que os postos de trabalho estão desaparecendo e que isso tudo atinge com mais força segmentos da população com participação essencial na renda familiar. Paralelamente a este dado conjuntural, nota-se a persistência estrutural da baixa produtividade do trabalhador brasileiro em comparação internacional, produtividade esta que não aumentou nem mesmo com o incremento dos índices educacionais observado nas últimas duas décadas.

Colocando de forma mais simples, o quadro é o seguinte: o mercado de trabalho está se deteriorando devido à conjuntura econômica recessiva e, paralela e sistematicamente, os esforços realizados pela sociedade para elevar o nível educacional do trabalhador brasileiro não estão dando resultado, especialmente no que diz respeito à relação horas de trabalho – produção. Temos mais estudantes, os trabalhadores têm escolaridade maior que há alguns anos, mas o produto gerado pelo trabalho não aumenta e a mobilidade dentro da pirâmide ocupacional continua restrita, excluindo principalmente os trabalhadores mais pobres.

Ao articular esse quadro com as políticas educacionais recentes revela-se, se não um equívoco, ao menos um erro de foco. Afinal de contas, era de se esperar que a universalização da educação básica, a expansão do ensino superior e do ensino técnico de nível médio fossem traduzidas na superação dos gargalos acima citados. Isso não aconteceu e não há sinais no horizonte de que acontecerá, pois mesmo com uma retomada econômica improvável no curto prazo é pouquíssimo provável que a estrutura de emprego melhore radicalmente, com a geração de vagas mais qualificadas, com aumento da produtividade e melhor distribuição da massa salarial entre os diferentes segmentos da população. Constatações assim deveriam nos levar à discussão séria a respeito do dinheiro público investido para sustentar faculdades privadas, sobre os impactos da oferta ampla da educação infantil nas condições de trabalho dos pais (especialmente aos mais pobres) e por que tão poucos jovens procuram o ensino técnico ao encerrar o fundamental. Agora, se nossos esforços ficarem concentrados em fantasmas e ilusões, passará mais uma geração sem que deixemos de ser uma economia periférica e uma sociedade desigual.

A política de terra arrasada serve a poucos. Ignorar que temos uma base sólida e um histórico de políticas públicas na educação e na capacitação profissional é um erro, pois não é necessário reinventar a roda, e sim aprender com os equívocos recentes e históricos para tornar o papel do Estado mais efetivo, pois a discussão sobre o seu tamanho e alcance foi cristalizada pela Constituição de 1988 – e, gostem ou não, escolhemos um Estado interventor e com inspiração socialdemocrata, e não mínimo e liberal.

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*Christiano Ferreira é mestre em História Social do Trabalho pela Unicamp e atua há mais de uma década como professor e gestor educacional. É sócio-diretor da Virtú, empresa especializada em projetos educacionais e produção de materiais didáticos. Atualmente pesquisa as relações entre educação e desenvolvimento econômico e social. O profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.

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