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Um dos períodos mais violentos da nossa violenta história republicana foi o chamado Estado Novo. Já um pouco antes do golpe de 1937 e após a mal fadada “intentona” comunista, o governo Vargas instalou um Tribunal de Segurança Nacional que julgou por meio de ritos sumaríssimos cerca de 10 mil pessoas e condenou mais de 4 mil delas. As acusações? “Crime contra a Segurança Nacional”. Tipificação desses “crimes”? Descrições vagas e imprecisas, ficando a subsunção sempre ao alvitre dos membros do Tribunal cuja sentença era irrecorrível.

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Pior foi o que aconteceu nos porões das delegacias encarregadas das investigações. Chefiada por Felinto Muller ( até 1942), a chamada “polícia especial” foi responsável por atrocidades tais e tantas que o jornalista David Nasser, autor de uma série de reportagens publicadas na revista O Cruzeiro, em 1946, afirmou que  “faltava alguém para ser julgado em Nuremberg”, o tribunal que  condenou criminosos da Alemanha nazista.

A violência era a regra nos porões das delegacias varguista. A tortura, banal. O objetivo? Acusações vagas e imprecisas. O que o Estado pretendia “proteger”? Os “padrões” morais e religiosos da sociedade brasileira contra a presença das “ideologias” perniciosas e deturpadoras que tentavam se infiltram em nosso país.

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O Estado, por meio de seus agentes, praticou a tortura, o estupro, a mutilação e o assassinato, sistematicamente, contra milhares de brasileiros e brasileiras, em nome de algo vago e impreciso.

Findo o Estado Novo, redemocratizado o país, algumas vozes se levantaram na imprensa e no parlamento, exigindo o esclarecimento e a reparação dos crimes cometidos pelo Estado. Imediatamente réplicas de que “havia sido uma guerra” e de que “houve excessos dos dois lados” buscaram empurrar para baixo do tapete da História os horrores dos crimes praticados pela Polícia Especial do senhor Felinto Muller que, aliás, encetou carreira política de sucesso, chegando ao comando do Congresso Nacional brasileiro.

Uma dessas vozes foi a do general Euclides Figueiredo, preso por Vargas e condenado a cinco anos de prisão. Testemunha das violações extremas praticadas pelos agentes do Estado, Figueiredo lutou pela instalação de uma comissão que esclarecesse os fatos e apontasse os responsáveis para que os culpados não ficassem impunes.

No dia 7 de novembro de 1946, na Câmara dos deputados, o general Figueiredo declarou: a matéria em discussão não é daquelas que podem ser esquecidas. Trata-se de fazer justiça, descobrir e apontar os responsáveis por crimes inomináveis, praticados com a responsabilidade do governo.

Ao fim do seu discurso, o general Figueiredo exortou: ao menos se conheçam os responsáveis pelas barbaridades (…) a fim de que outros, que possam vir mais tarde, tenham receio de ver ao menos seus nomes citados, como desejo que sejam conhecidos os daqueles bárbaros que tanto maltrataram o povo do Rio de Janeiro, da capital da República, de todo o Brasil.

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Esse general Figueiredo era o pai do outro general Figueiredo, responsável pelo projeto de lei de anistia aprovado no Congresso em 1979 – por uma diferença de apenas 5 votos! – e que estabelecia um manto de invisibilidade sobre os agentes do Estado responsáveis pelas atrocidades praticadas nos porões da ditadura militar nos anos 60 e 70.

Triste  e incrível ironia a de um pai ser mais democrático e consequente que o filho. E de um filho ter “aprendido” a lição deixada pelo pai ao avesso. De fato, o  receio de ver seus nomes citados  foi certamente o que moveu o projeto covarde encaminhado por Figueiredo a um Congresso sem asas e que aceitou  – mesmo com uma resistência honrosa de 201 votos contrários – um projeto oportunista e conveniente para os ditadores e seus asseclas como “única” alternativa para rastejar para frente, rumo a uma redemocratização que permitiria, enfim, enfrentar o passado com firmeza.

Mas isso não aconteceu. Assim como os esforços do general Figueiredo, em 1946-47, foram em vão, o  trabalho da Comissão da Verdade trouxe frutos pequenos e maltratados , a despeito do esforço sincero e imenso de seus membros.

E o que temos para o futuro? Ainda o século XXI faz perdurar em nosso país a longa cauda da ditadura nas figuras de uma violência policial incontida e de uma falta de esclarecimento e punição escandalosas. O pior é que nem há mais a tosca justificativa da “defesa dos valores morais e religiosos da sociedade brasileira” para embalar o sono dos insensíveis. É somente a barbárie mesmo.

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