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O afeto subversivo:
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Foucault, no curso que apresentou em 1982 no College de France, falou sobre como os antigos construíram sua subjetividade na forma de um “cuidado de si”. Tal construção era o resultado de procedimentos, de técnicas cuja finalidade era a delimitação de um sujeito ético, diferente das pessoas absorvidas na vida de todos os dias.  É fato que muitos criticam os gregos por seu caráter elitista. Afinal, cuidar de si, desenvolvendo-se social, cultural e economicamente exigia tempo e recursos. Pode ser. Mas o que fica claro é que essa arte do cuidado de si, da preocupação com um sujeito ético vem se perdendo mesmo entre aqueles que, até hoje, dispõem de tempo e recursos, muitos recursos.

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Lembro isso depois de ter assistido ao filme O grade hotel Budapeste, do diretor Wes Andersen. Lembro porque a minha leitura do filme concentrou-se na figura afetiva do personagem, Gustave, e sua civilidade radical, sua educação em qualquer ambiente, sua amizade inquestionável. Esse comportamento, traduzido na preocupação de  estar sempre perfumado, é, na minha leitura, o contra discurso para a barbárie que se abatia sobre o mundo, já que o filme se passa no interstício das duas grandes guerras.

Hoje, em meio às nossas barbáries contemporâneas e as barbáries não menos chocantes das discussões sobre esses temas nas redes sociais, penso que o afeto e a educação, a cortesia, a busca por coerência e pelo respeito pela diferença, constituem a forma mais revolucionária de encarar o mundo. Portanto, investir nessa formação ética, nessa subjetividade que recusa a violência gratuita ou induzida, que repele o aniquilamento do outro que me contrapõe e amplia o exercício  da atenção e da escuta, do carinho sincero e da cortesia pública, é necessário e urgente.

O filme é dedicado ao grande escritor austríaco Stefan Zweig, que escolheu o Brasil para viver e dedicou, afetuosamente, um belo livro homenagem a este país que o acolheu: Brasil, um país do futuro. Não resistindo à imagem da violência que aqui também fincava raízes, o fascismo, Zweig, judeu fugido da sua Viena ocupada pelos nazistas, suicidou-se em Petrópolis, em 1942. Como o personagem Gustave do belo filme que assisti, sem abandonar sua ternura pelo mundo. Que o futuro, nas nossas mãos, seja também subversivamente afetuoso.

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