Uma nova forma de ouvir música clássica Carlos Prazeres rege de tênis para um público descontraído| Foto:
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Fundada em 1982 a Orquestra Sinfônica da Bahia é um dos corpos estáveis do Teatro Castro Alves na capital baiana. Por muitos anos tive o privilégio de atuar como convidado da orquestra e regi quase 60 concertos com ela de 1986 até 2011. Nenhuma orquestra brasileira tem um clima de trabalho tão agradável e descontraído como a Sinfônica da Bahia tem, mas em quase todas as ocasiões pude constatar um enorme divórcio entre a realidade baiana e o trabalho da orquestra. Isso resultava em um público muito menor do que o esperado e muitas vezes tanto eu como os músicos vivíamos uma verdadeira frustração. Com o afastamento de Salomão Rabinovitz (1930-2011) que foi spalla e diretor artístico da orquestra, e que com coragem e determinação não permitiu que a orquestra desaparecesse, a orquestra, depois de um período coordenada pelo pianista e maestro Ricardo Castro, acabou convidando o jovem maestro carioca Carlos Prazeres para dirigi-la. Ele conseguiu definitivamente inserir a orquestra dentro da realidade baiana, sem abrir mão da qualidade artística, inserindo inclusive obras fundamentais do repertório moderno, raramente executadas no Brasil. Estes projetos mostram que a música clássica, com criatividade, pode e deve ser apresentada para públicos novos e em lugares também novos.

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Sentados e deitados no chão: Sarau no Museu de arte da Bahia

Esta série de concertos chamado “SARAU OSBA NO MAM” oferece uma oportunidade inédita para que o público tenha contato com a música clássica. Este museu baiano fica numa construção histórica da cidade conhecida como “Solar do Unhão”, e seus amplos espaços são ocupados pela orquestra no centro e pelo público à sua volta sentado e deitado no chão, em cima de diversas almofadas distribuídas a ele. O projeto mescla música, dança e poesia. Valoriza- se um espaço nobre e histórico da cidade e oferece a música clássica com descontração. Algo que qualifico de genial.

A música clássica moderna aliada à poesia contemporânea

Outro projeto que tem mexido com o público soteropolitano (de Salvador para os desavisados) chama-se “Futurível”. O nome desta série é inspirado numa canção de Gilberto Gil de 1969 e conta com apoio de bailarinos do Teatro Castro Alves e com atores que em meio a obras de Schoenberg (a dificílima Sinfonia de câmera opus 9), Stravinsky, e de compositores baianos contemporâneos como Alexandre Espinheira e Eduardo Lago, contextualiza poesias contemporâneas inclusive do poeta paranaense Paulo Leminsky. A cultura baiana se mescla ao trabalho da orquestra. O resultado: sucesso. Aliás não só nesta série o repertório da orquestra surpreende. Obras de Arvo Pärt, Olivier Messiaen e dos baianos Wellington Gomes e Paulo Lima convivem com Mozart e Vivaldi.

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O barroco baiano valorizando a música clássica

Nas fantásticas igrejas do Pelourinho a Sinfônica da Bahia vai de encontro ao público. Saindo do teatro a orquestra acabou conquistando um enorme público. Mais uma vez uma maneira inteligente e pertinente de se unir a riqueza histórica local com a atuação de uma sinfônica.

Música clássica e cinema

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Outra série que tem atraído um grande público no Teatro Castro Alves chama-se “CineConcerto”. A orquestra interpreta trilhas de filmes consagrados com os músicos vestidos a caráter. Este projeto foi fundamental para modificar a marca e o conceito da OSBA, que passou a ser vista como uma orquestra moderna e divertida sem abrir mão do repertório tradicional de concerto. Os “Cineconcertos” lotaram o Teatro Castro Alves diversas vezes e agradaram em cheio ao público jovem, tão ausente das salas de concerto atuais, fazendo com que eles passassem a frequentar os concertos tradicionais. O interessante é que através de filmes como “Morte em Veneza” ou mesmo “Laranja Mecânica”, é mostrada de forma leve e divertida músicas de autores como Mahler e Beethoven.

Infelizmente nem tudo são flores

Apesar deste resgate do público e da presença marcante em meio à atividade cultural do Estado, a Sinfônica da Bahia encontra-se administrativamente numa situação caótica. Por se tratar de um órgão público a orquestra tem inúmeras e infindáveis batalhas burocráticas para comprar instrumentos, alugar partituras e contratar músicos. Eu, por exemplo, cheguei a esperar um ano para receber um cachê. Além disso o Estado para não inchar a máquina pública não autoriza novos concursos. Com a aposentadoria de alguns músicos o conjunto está se tornando inviável. A solução seria uma OS (Organização Social) passar a gerir a orquestra. Ela já está autorizada pelo governo. Mas a verba para ela tornar-se realidade não. O que é triste é que esta verba é muito menor do que diversos desperdícios causados pela imperícia e pela corrupção que estão por toda a parte. Esta lamentável situação não é algo original como as séries de concertos da orquestra. É, tristemente, bem comum em nosso país.