Beethoven ao piano. Pintura de Albert Gräfle (1809-1889)| Foto:

 

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Beethoven, o pianista

Ludwig van Beethoven (1770-1827) foi, pelos relatos de seus contemporâneos, um pianista excepcional. Na realidade quando o compositor deixou a Alemanha e foi para Viena em 1792 afirmou-se primeiro como pianista, e foi através do impacto de sua forte personalidade de instrumentista que ele primeiro chamou a atenção do público vienense. Suas Sonatas para piano demonstram uma enorme proximidade com sua atuação como intérprete. Na sua primeira série de Sonatas, as três Sonatas opus 2 (1794-1795), através de suas surpresas expressas em dinâmicas extremas e harmonias inesperadas, fica bem claro que o compositor tinha o intuito de expandir uma forma levada à perfeição por seus mais ilustres antecessores, Mozart e Haydn e mesmo de “chocar” o público. Durante 11 anos as Sonatas de Beethoven foram executadas em público pelo próprio compositor, e a partir de 1805, principalmente pela surdez, sua atividade como recitalista gradualmente cessa, o que leva a uma diminuição considerável da escrita de obras do gênero. Entre 1794 até 1805 Beethoven compôs 23 Sonatas para piano enquanto que entre 1809 e 1822 comporá apenas 9 Sonatas para piano. Percebemos um crescendo emocional em suas sonatas até o fim de sua atividade como pianista, e neste sentido a Sonata “Appassionata” (opus 57, de 1805) pode ser vista como um marco divisório desta produção. A partir dela as sonatas tornam-se mais esparsas e curtas, e só nas últimas é que reencontraremos o espírito inovador, sobretudo na Sonata “Hammerklavier” (opus 106), uma das sonatas para piano mais longas (e difíceis) de toda a história.

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Um testemunho das mudanças históricas

Beethoven iniciou sua produção como compositor de sonatas satisfazendo às exigências dos editores, que sempre publicavam obras em grupos de 3,6 ou 12 (nunca 9) obras. Beethoven obedece este esquema de três sonatas no opus 2, no opus 10 e no opus 31, mas na maioria das vezes impõe sua invenção fora das amarras: suas sonatas mais pessoais de seu período que atuava como pianista, a “Patética” (opus 13), a “Waldstein” (opus 53) e a “Appasionata” (opus 57), são desafiadoras em termos técnicos e em termos da prática editorial de seu tempo. As buscas por soluções novas ficam evidentes em suas Sonatas opus 27, ambas chamadas de “Sonata quasi una fantasia”: a primeira delas não possui intervalo entre os movimentos, e a segunda, a famosa “Sonata ao luar”, é uma sonata em quatro movimentos cujo hipotético primeiro foi omitido: já começa no andamento lento. As Sonatas para piano de Beethoven são no início sonatas clássicas, mas caminham cada vez mais para um pianismo que será identificado como romântico. As 32 sonatas de Beethoven revelam também muito da frenética transformação do instrumento naquela época: Beethoven compôs suas primeiras sonatas para um “fortepiano” que nem pedais tinha (vejam a foto), e termina usando um piano com inúmeros recursos tímbricos, inclusive com 5 pedais.

As 5 últimas sonatas (opus 101,106, 109, 110 e 111) são curiosamente tão ousadas e ao mesmo tempo com inúmeras reverências ao passado: fugas (opus 106 e opus 110) e até uma abertura francesa (opus 111) povoam estas obras. Estas últimas sonatas não foram executadas por muitos anos, e só passaram a fazer parte do repertorio dos grandes pianistas quase meio século depois de serem compostas. Beethoven estava mesmo muito à frente de seu tempo.

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Uma gravação que revela as transformações de Beethoven

O ainda jovem pianista finlandês Paavali Jumpannen, nascido em 1974, iniciou sua carreira internacional de uma maneira bem diferente: aos 30 anos de idade gravou para o selo Deutsche Grammophon as complicadíssimas 3 sonatas para piano de Pierre Boulez (1925-2016) com a aprovação e muitos elogios do compositor. Depois disso ele tem se dedicado especialmente a obras de Beethoven, Debussy, Messiaen além de outras obras de Boulez além das 3 Sonatas. Entre 2014 e 2016 gravou para o selo Ondine as 32 Sonatas de Beethoven.  Gravações muito elogiadas pelas revistas especializadas (Gramophone, BBC Music, Diapason, Classica) mostra de maneira evidente as transformações da escrita pianística do compositor. Ele respeita todas as repetições marcadas por Beethoven, mas nunca repete da mesma maneira. Nas primeiras sonatas faz as repetições ornamentadas, bem ao gosto do século XVIII, e nas sonatas seguintes ele repete sempre enfatizando detalhes diversos. Ao contrário de muitos pianistas que gravam apenas uma vez, e o engenheiro de som “cola” como se fizesse a repetição, o pianista finlandês se abstém deste tipo de procedimento. Ele faz a repetição dizendo algo novo na segunda vez. A clareza técnica, a bela sonoridade e a transparência contrapontística fazem destas execuções uma verdadeira aula de musicalidade e erudição. Grades pianistas do passado como Schnabel e Backhaus, além dos pianistas ainda ativos como Barenboim, Pollini, Schiff e Kovacevich gravaram notáveis integrais das 32 Sonatas para piano de Beethoven mas Paavali Lumppannen não fica nada a dever a estes grandes pianistas. Seu ciclo de sonatas de Beethoven é a mais adequada visão desta obra para o público dos dias de hoje que ainda tem alguma curiosidade a respeito da gênese desta gigantesca obra.

Áudio

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Paavali Jumpannen executando a Sonata opus 31 Nº 2 em ré menor “A tempestade” de Beethoven

 

 

 

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