Monumento a Carlos Gomes em São Paulo pichado| Foto:

“Compositor nacional”: muitas nações possuem um

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Ao chegar de trem em Praga, capital da República Tcheca, me chamou a atenção de que os avisos sobre saídas e chegadas dos trens são sempre prefaciados pelas quatro primeiras notas do poema sinfônico “Vyšehrad” do compositor Bedřich Smetana (1824-1884) (ouça e veja aqui). Smetana foi o primeiro compositor nacionalista tcheco e sua luta pela independência de seu país, que na época fazia parte do Império Austríaco, lhe custou alguns anos de exílio na Suécia. “Vyšehrad” é o primeiro poema sinfônico do ciclo de seis poemas sinfônicos “Minha pátria”. “Vyšehrad” é um penhasco mítico para os tchecos (bem perto do centro de Praga), e acredita-se que lá está a essência do povo tcheco. Os notáveis tchecos estão todos enterrados lá, inclusive os maiores músicos do país como Smetana, Dvořák e Rafael Kubelik . A lógica da escolha da vinheta foi mesmo genial e deixa pouco espaço de dúvida: Bedřich Smetana é o compositor nacional tcheco. Outro claro exemplo de um compositor nacional amado por seu povo é o finlandês Jean Sibelius (1865-1957). Ele foi um intelectual ativo para a independência da Finlândia que só aconteceu em 1917 (fazia parte do Império Russo) e utilizou em diversas de suas obras a inspiração da Kalevala, a epopeia nacional de seu país. Até que a Finlândia aderisse ao Euro em 2002, sua figura aparecia nas cédulas de 100 marcos finlandeses, e em 2015, quando se comemorou os 150 anos de seu nascimento, uma multidão de milhares de pessoas foi ao centro de Helsinque, mesmo com um frio congelante, cantar a melodia central do poema sinfônico “Finlândia”, composto por Sibelius nos anos de luta pela independência (veja aqui). Não há dúvida: Sibelius é o compositor nacional finlandês. Sem ser exaustivo no assunto encontramos exemplos similares (mesmo que não tão explícitos), na Noruega (Grieg), na Itália (Verdi), na Romênia (Enescu), na Dinamarca (Nielsen) e na Espanha (de Falla). Em certos países fica difícil definir apenas um compositor nacional, como na Rússia, que tem pelo menos três candidatos fortes para ser seu compositor nacional: Glinka, Mussorgsky ou Tchaikovsky. A pergunta relevante para nós brasileiros sobre o assunto: existe nosso “compositor nacional”?

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O Brasil tem um “compositor nacional”?

Em uma sociedade como a nossa que, em geral, vive e convive com hábitos que nos afastam de uma plena cidadania, e que não resolve problemas básicos de educação e cultura, parece soar estranha a ideia de existir um “compositor nacional”. Até mesmo, do jeito que o brasileiro pensa e age, dar o título de compositor nacional a alguém pode fazer com que este criador seja mesmo visto como suspeito (ganhou propina para ocupar este “cargo”?). Chegamos à pergunta básica: como termos um sentimento cívico frente a um compositor se o civismo é enxergado com estranheza? Na primeira metade do século XX havia um “compositor nacional brasileiro”: Antônio Carlos Gomes (1836-1896). Motivos não faltavam: um compositor de família humilde nascido no interior de São Paulo (Campinas) conseguiu fama e respeito em importantes centros musicais europeus, e sua obra mais famosa, O Guarany, retratava um nativo brasileiro. Não é à toa que quando Getúlio Vargas instituiu em 1938 a “A voz do Brasil” (aquela tradicional rede radiofônica diária das 19 horas, lembram?) a vinheta era, e permanece, a abertura da famosa ópera de Carlos Gomes. Ele teria sido destronado por Villa-Lobos ? Talvez sim. Mas a reverência que se vê em diversos países decididamente não existe aqui. Sinal disso é que nem Carlos Gomes e nem Villa-Lobos estiveram presentes na abertura da Olimpíada do Rio em 2016, e numa sondagem feita por um telejornal a maioria das pessoas nem tem ideia de que Carlos Gomes foi um compositor. Num país corrupto e sem auto estima creio mesmo que a questão de existir um “Compositor nacional” soa, para a maioria, tão aborrecida e distante quanto o programa “A voz do Brasil”.