O compositor Arnold Schoenberg em foto de 1940| Foto:

“Há ainda muita música boa para ser escrita em dó maior”

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Esta frase foi escrita pelo compositor austríaco Arnold Schoenberg (1874-1951) nos últimos anos de sua vida, em seu exílio americano. Ele foi um dos primeiros compositores a escrever obras completamente atonais a partir de 1910, e foi quem deduziu o sistema serial em 1923. No entanto o próprio Schoenberg, em seu período maduro, voltou a escrever obras tonais, e entre elas posso citar pelo menos uma obra excepcional: “Kol Nidre” opus 39 para recitante coro e orquestra. Esta composição de 1938 é em Sol menor, e o fato de tê-la escrita tonalmente não significa um retorno estilístico definitivo. Parafraseando Schoenberg, ele ainda escreveu depois disso muita música boa sem nenhuma tonalidade, como seu Trio de cordas opus 45 de 1946 ou sua Fantasia para violino e piano opus 49 de 1949. O que fica claro para mim é que o mais importante é a qualidade da obra e não necessariamente o sistema no qual ela é estruturada.  Grandes compositores do século XX, como o inglês Benjamin Britten (1913-1976) e Francis Poulenc (1899-1963) compuseram basicamente somente obras tonais enquanto, por exemplo, Edgard Varése (1883-1965) e Pierre Boulez (1925-2016) não legaram uma obra sequer com tonalidade definida. Não há dúvida: o tonal seduz. A obra sem tonalidade é vista (e ouvida) com reservas, mesmo que algumas delas tenham entrado definitivamente no repertório (Pierrot Lunaire de Schoenberg, Concerto para violino de Alban Berg, Estudos para piano de Ligeti, entre muitas outras). Basta ver quantas vezes se executa as obras dos dois primeiros compositores que citei e as obras dos dois últimos.

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Pantonalidae, o futuro?

O século XXI para a música clássica se apresenta com uma profunda e complexa problemática: a aceitação da música clássica composta nos dias de hoje. Repetir chavões antigos e acessíveis resultam em sucessos momentâneos e efêmeros. Dar livre acesso a uma concepção hermética resulta num desprezo completo do público. Aliás, diferente do início do século XX, quando estreias tumultuadas de obras como Sagração da primavera de Stravinsky ou Parade de Satie tiveram até intervenção policial, o público de hoje reage da pior maneira a uma obra que não lhe agrade: a indiferença.  Se há sucesso há efemeridade. Se há um pensamento complexo há desprezo. Vida difícil do compositor clássico dos últimos 50 anos. Rudolph Reti (1885-1957), musicólogo e pianista sérvio (foi o pianista que estreou as “3 peças para piano opus 11” de Schoenberg”) em seu livro de 1956 “Tonality im modern music” (Tonalidade na música moderna) – Collier- NY – tem um tipo de reverência a diversas vertentes musicais, e o termo usado por ele “Pantonalidade” parece ser muito adequado pois sua visão, que se atem pouco a dogmas, é extremamente convincente. Longe de qualquer tipo de ideologia já vimos surgirem obras sólidas e consistentes. Sem dúvida há algo de Pantonal em três grandes compositores do final do século XX: Witold Lutosławski (1913-1994), Gyorgi Ligeti (1923-2006) e Olivier Messiaen (1908-1992). Esta forma “pantonal” de se expressar, sem dogmas e atalhos, parece garantir uma maior perenidade. Pelo menos é o caso destes três últimos compositores que citei. Confesso que vejo com reservas o comercialismo e a obviedade de obras contemporâneas como as Sinfonias de Philip Glass, ou mesmo o estilo “neo-Bruckner” de Penderecki, mas vejo com extremo otimismo, por exemplo, a maneira hábil como o inglês Thomas Adès (nascido em 1971) lida com a consonância. O mesmo se passa com o francês Thierry Escaich (nascido em 1975).  Sua ópera “Claude” de 2012 é testemunho disso.

E no Brasil?

No Brasil alguns exemplos parecem caminhar neste sentido. Fiquei encantado com o Concerto para clarinete e orquestra do baiano Wellington Gomes, recentemente estreado em Salvador (tema de um dos meus próximos artigos), e admiro a obra do carioca Ricardo Tacuchian, que compactua desta “pantonalidade”. Em outra vertente, pendendo mais para ausência de tonalidade, mas com caráter que pode ser visto também como “pantonal”, admiro as soluções encontradas pelo compositor residente em Curitiba Harry Crow. Mais uma vez parafraseando a frase de Schoenberg, encurtando-a: “Ainda há muita música boa para ser composta”. Que seja tonal, atonal, serial, pantonal, aleatória, o que quer que seja, mas que seja boa. A liberdade estilística de nossa época é, ao mesmo tempo, temerosa e fascinante.

 

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Exemplos musicais:

Kol Nidre de Schoenberg. A fé judaica levou a uma busca tonal

 

Uma das últimas composições de Olivier Messiae, uma homenagem ao sorriso de Mozart

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Uma obra camerística de Thomas Adès baseada em ideias de sua ópera “A tempestade”

A criatividade da música de Ricardo Tacuchian numa de suas mais refinadas obras para piano

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Sonoridades mágicas de Harry Crowl