O povo vaiando a presidente e o chefão da FIFA: motivo de orgulho| Foto:
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A sonora vaia que a presidente da república levou ontem em Brasília na abertura da Copa das Confederações pode ser entendida como uma vaia muito mais ampla. Assim como os movimentos de rua que acontecem há alguns dias não são apenas por causa de 20 centavos de diferença na tarifa de nosso péssimo transporte público, a vaia para a presidente não é apenas uma vaia para ela mas é provocada por uma somatória de absurdos que povoam nossa vida nos últimos anos sendo que o aumento das passagens de ônibus e metrô é apenas a gota d’agua que fez, com certo atraso, o povo sair para as ruas, e o clima de revolta acabou permeando a abertura da Copa das Confederações em Brasília. Até aí tudo normal numa democracia, mas a surpresa foi constatar que o esquema repressivo é digno dos tempos do General Newton Cruz, e maior surpresa é que a vaiada presidente parece apoiar esta covarde repressão, ela que se diz uma vítima da ditadura.

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O que me chama a atenção como maestro e professor de música são as quantias gastas por este governo com estas duas copas, a que está acontecendo e a Copa do Mundo no ano que vem, e acho interessante comparar estas quantias com o que se gasta nas instituições de ensino e na atividade musical em geral. Exemplo disso é a destrambelhada tentativa do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (membro da tal da “base aliada”) de retirar o patrocínio que a prefeitura mantém há muitos anos à Orquestra Sinfônica Brasileira. Nesta oportunidade ele até sugeriu a extinção de uma das orquestras do Rio, mas não é esta ação em si só repulsiva que me impressionou. O que mais me impressionou foi a quantia: 8 milhões de reais. Esta é a quantia do patrocínio anual que a prefeitura da segunda maior cidade do Brasil oferece para uma das principais orquestras do país. Arrepio-me ao pensar que isso é exatamente a metade da despesa de apenas um jogo (sim um jogo de 90 minutos) nesta malfadada Copa das Confederações. Se comparamos a quantia de R$ 1,2 bilhão para a reforma do Estádio Mané Garrincha em Brasília com o que se gasta em instituições de ensino ou hospitais percebemos duas coisas: que a música clássica não vale realmente nada no nosso país e que a vaia de ontem é a mais legítima expressão de revolta que, mesmo um pouco tardia, tem sua razão de ser.

A minha hipotética vaia não seria apenas para a presidente, seria para muitas outras pessoas, sobretudo políticos corruptos que corroem a verba pública para a educação e para a saúde, e mesmo para um público que é conivente com esta situação pagando centenas de reais para assistir um jogo que sacraliza um tipo de procedimento que virou regra neste país. O que percebemos é que dinheiro existe, e bastante. Basta ver o custo de muitos bilhões de reais em obras que efetivamente não terão retorno ao nosso país. Percebemos é que não existe a tal da “vontade política” de usar esta enorme quantidade de dinheiro com algo mais construtivo. Nossos hospitais públicos estão numa situação trágica, nossas escolas estão destruídos, nossos professores mal pagos, e nosso futuro ameaçado.
Sei que este é um blog de música clássica, mas com toda esta situação, esta revolta que se viu nas manifestações da semana passada em São Paulo, nas manifestações ocorridas ontem em Brasília e hoje na porta do Maracanã (devidamente escondidas por uma parte da imprensa) confesso que não consigo pensar em música, e chego mesmo a sentir vergonha de trabalhar numa área tão alienada dos dramas que nosso país está vivendo. Quando vejo as irrisórias verbas destinadas à produção de óperas e de concertos, e vejo os responsáveis pelas instituições se gabarem do que conseguiram graças ao seu bom trânsito entre os poderosos, vejo que está tudo errado demais para que me sinta confortável.

Para concluir lembro a infeliz frase, falada num péssimo português, pelo presidente da FIFA Joseph Blatter ao sentir a força da vaia dirigida a ele e à nossa presidente: “Por favor, amigos do futebol, mostrem ter respeito e fair play”. Senhor Blatter, não podemos ter respeito por mais nada, nem pelo senhor, nem por tanta corrupção. Nosso respeito a esta situação está fora do ar no momento.