Um CD histórico.| Foto:
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Na noite de 19 de abril deste ano, em Berlim, aconteceu um concerto que reuniu dois dos maiores músicos clássicos da atualidade, num recital a dois pianos e piano a quatro mãos: Martha Argerich e Daniel Barenboim. Ela, uma das maiores pianistas da atualidade, mesmo depois de recitais muito bem sucedidos, resolveu não se apresentar mais sozinha. Toca com orquestras, com outros músicos, muitas vezes com celebridades (por exemplo Nelson Freire e Gidon Kremer), muitas vezes com jovens que ela incentiva (Akane Sakai), acrescentando sempre novidades ao seu enorme repertório camerístico. Ele, figura humana de nível altíssimo (escrevi um texto sobre isso esta semana. Leia aqui) é um dos mais importantes maestros dos dias de hoje, e um pianista com um repertório excepcionalmente vasto. Os dois tem muitos pontos em comum: nasceram em Buenos Aires (ela em 1941, ele em 1942) e fazem parte de famílias judias que imigraram para a Argentina na primeira metade do século passado. Apesar de tantos pontos em comum raramente se apresentaram juntos, e as poucas vezes que o fizeram foi Argerich sendo solista e Barenboim sendo maestro. Um recital a dois pianos com eles é um fato inédito, e o melhor de tudo é que esta noite mágica na capital alemã foi gravada em áudio e ao que parece em vídeo. A junção destes dois magníficos artistas não podia dar outra coisa: execuções de altíssimo nível, brilho técnico, musicalidade refinada. Sim, estamos aqui diante de um registro que pode ser o CD clássico do ano.

Mozart, Schubert e Stravinsky

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O recital destas duas lendas do piano começa com a obra pianística mais difícil tecnicamente de Wolfgang Amadeus Mozart, a sua Sonata para dois pianos em ré maior IK. 448. Mozart criou esta obra em 1781 e foi pensada para ser executada por ele junto à sua aluna mais talentosa: Josephine von Aurnahmmer. As duas partes, a do primeiro e do segundo piano, são igualmente importantes e complicadas. A brilho rítmico do primeiro movimento dá lugar a um momento mágico: no andamento lento (o segundo) Barenboim, que toca o primeiro piano, faz ornamentações na repetição (que normalmente é ignorada) que parecem terem sido inventadas na hora. Aliás ele também cria uma “cadenza” uma improvisação em um determinado ponto, que é impressionante. O terceiro movimento é executado num andamento demoníaca mente rápido, bem no estilo de Argerich. Uma execução que não fica nada a dever aos registros históricos de Britten/Richter e Perahia/Lupu.
O recital segue com uma obra pouco conhecida: 8 Variações sobre um tema original em lá bemol Maior de Schubert. Mais uma vez as demonstrações de musicalidade são incessantes.
No entanto a maior surpresa está na peça que encerra o CD (ou o recital): A Sagração da Primavera de Stravinsky numa transcrição do próprio autor para piano a quatro mãos. Na época em que este Ballet foi estreado (1913) era necessário se fazer uma redução pianística para os ensaios com a companhia de ballet. O autor se encarregou de fazê-lo e sabe-se que, antes da estreia, Stravinsky e Debussy leram esta versão. A redução para piano a 4 mãos é, muitas vezes, incômoda para os pianistas (mãos cruzadas, “trombadas” entre as mãos). Por isso Barenboim e Argerich executam a versão a quatro mãos em dois pianos. Esta redução demonstra de forma mais clara certas dissonâncias e certas colagens que o autor fez. É um complemento indispensável para o conhecimento da obra.
A Sagração da Primavera, na versão a quatro mãos é um item novo para o repertório dos dois grandes músicos, e o resultado nos deixa boquiabertos: com mais de 70 anos de idade os dois executam tudo com um apuro técnico que supera as enormes dificuldades da partitura, e acrescentam a isto uma selvageria e um vigor surpreendentes. Exemplos não faltam de tudo isso que eu disse. No final da Primeira parte do Ballet, por exemplo, há uma série de notas repetidas nos trompetes e nos violinos impossíveis de serem tocadas num piano. Só estes “malucos” conseguem executá-las. Na segunda parte a influência de Debussy no Prelúdio fica enormemente clara, e tanto as danças “Glorificação da Eleita” e “Dança Sacral” soam com uma precisão rítmica nunca ouvida antes. Realmente, esta é a versão de referência desta obra nesta versão. Incomparável. Duas lendas fazendo história.

Como comprar

Este CD, por enquanto, só está acessível no iTunes (procure por “Barenboim Stravinsky). Foi lançado lá no dia 25 deste mês e para baixar custa U$ 9,99 (mais os 6,38% de IOF). Não é um preço alto para um registro sonoro desta qualidade. É indispensável que você tenha um cartão de crédito internacional.

Eis aqui o vídeo de lançamento do CD (e possivelmente de um DVD):

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