Vanier em foto de 2012. Foto: Creative Commons| Foto:

O que é o amor? Para Jean Vanier, que morreu na madrugada desta terça (7), o amor “é revelar a alguém a sua beleza e o seu valor. Esse é o segredo do amor. Não é, principalmente, fazer coisas pelas pessoas – porque no fazer encontramos a nossa glória. O segredo do amor é revelar a alguém: ‘Você é precioso. Você é lindo’”.

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A morte de Vanier rendeu manchetes em jornais da França, da Inglaterra, do Canadá e dos Estados Unidos nesta terça, bem como um comentário do Papa Francisco durante o seu voo de retorno a Roma, depois de uma viagem à Bulgária e à Macedônia do Norte. Aqui pelo Brasil, sua morte e sua vida passaram despercebidas.

Talvez apenas algumas semanas depois do anúncio de Marcelo Gleiser como ganhador do Prêmio Templeton deste ano, a forma mais fácil de se referir à importância de Vanier seja dizendo que ele foi o titular do mesmo prêmio em 2015 – o que o colocou ao lado de figuras como Teresa de Calcutá, Desmond Tutu e o Dalai Lama.

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Vanier foi, de fato, uma das grandes figuras de uma geração extraordinária de cristãos marcada por nomes como Roger Schütz, o fundador da Comunidade de Taizé, e Chiara Lubich, a fundadora dos Focolares. Ele é conhecido por ter fundado A Arca – ou L’Arche –, uma instituição dedicada a pessoas com deficiências intelectuais. Você pode pensar: mas instituições assim existem quase que por toda a parte. Mas não há 55 anos e não do modo como Vanier concebeu A Arca – hoje presente em 37 países, com mais de 150 comunidades.

No princípio era a comunhão

De nacionalidade canadense, Vanier nasceu em 1928 em Genebra, na Suíça, onde seu pai prestava serviço diplomático. Ele era filho de Georges Vanier, que foi governador-geral do Canadá – o representante da rainha no país – entre 1959 e 1967, e de Pauline Archer-Vanier. O casal está em processo de beatificação. A irmã de Jean, Thérèse Vanier, que morreu há cinco anos, é considerada uma das pioneiras dos cuidados paliativos na Europa.

A ideia da Arca surgiu quando Vanier, pouco depois de terminar seu doutorado em Filosofia no Institut Catholique de Paris, visitou uma instituição para pessoas com deficiências intelectuais nos arredores da capital francesa. Ele se assustou com as condições em que viviam os internos, trancados, sem ofertas de atividades e obrigados a um cochilo de duas horas todos os dias.

A centralidade da descoberta da riqueza do outro marcou não apenas a fundação da Arca, mas toda a vida e o legado de Vanier

Foi quando Vanier decidiu comprar uma pequena casa em Trosly-Breuil e convidar duas pessoas com deficiências intelectuais, Raphäel Simi e Philippe Seux, a morar com ele. Era o ano de 1964 e essa se tornou a comunidade original da Arca, onde Vanier morou até o fim de sua vida. A proposta era que, em vez de ver as pessoas com deficiências intelectuais como meros objetos de um serviço caritativo, elas fossem vistas como pessoas, como dons preciosos – bem no espírito da frase que abre este texto. Nas comunidades da Arca, pessoas com e sem deficiências vivem e trabalham lado a lado.

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O mistério dos descartados

“É preciso recordar – porque, infelizmente, nos esquecemos disso rápido demais – que as pessoas com deficiência foram durante muito tempo consideradas mais ou menos como um castigo de Deus, como uma vergonha, e muito depressa eram enclausuradas em grandes instituições. Houve, portanto, uma espécie de revolução: nós [na Arca] dizemos que, muito longe de serem castigadas por Deus, são precisamente elas que podem conduzir-nos a Deus, que nos podem levar a ser mais humanos, mais abertos, mais afetuosos”, explicou ele em entrevista à Rádio Vaticano em 2015.

Foi precisamente nesse sentido que Francisco recordou a figura de Vanier nesta terça, definindo-o como “um homem que soube ler (…) o mistério daqueles que no mundo são descartados”. O papa contou que tinha falado ao telefone com o fundador da Arca há menos de uma semana, para agradecer a ele por seu testemunho.

Em um vídeo publicado por ocasião do seu 90º aniversário, no ano passado, Vanier conta uma história que deixa clara a diferença de perspectiva que caracteriza A Arca. “Uma responsável na Austrália trabalhava junto de pessoas no meio da prostituição, para as ajudar a sair dela. Um dia ela estava num parque, em Sydney, com um jovem que acompanhava, prestes a morrer de overdose. As últimas palavras dele para ela foram: ‘Você sempre quis me mudar, nunca me quis me encontrar’”. Foi, ao contrário, a centralidade do encontro, da relação pessoal, da descoberta da riqueza do outro, que marcou não apenas a fundação da Arca, mas toda a vida e o legado de Vanier.