Recém-demitido do comando da Receita Federal, Marcos Cintra é talvez o mais ardoroso defensor da CPMF. Mas o ministro Paulo Guedes vinha sendo quase tão enfático quanto seu ex-subordinado ao defender a recriação de um tributo sobre transações, sempre como contrapartida à extinção – total ou parcial – da contribuição que as empresas pagam ao INSS. Três exemplos bem recentes:
"Nós podemos propor uma desoneração forte [da folha de pagamentos], em troca da entrada desse imposto [sobre transações]. Se a classe política achar que as distorções causadas pelo imposto são piores que os 30 milhões de desempregados, sem carteira de trabalho, eles decidem. É uma opção difícil, vai ser um trabalho difícil." (em 21 de agosto, em fala à imprensa)
"Acho um crime você tributar a folha de pagamento. A sociedade vai ter de decidir entre ter 40 milhões de desempregados ou ter um imposto feio [sobre transações] para permitir a desoneração da folha de pagamento." (em 26 de agosto, em evento da revista "Exame")
"Ele [Bolsonaro] não tem entusiasmo, ele não gosta desse imposto sobre transações. Mas preciso desse imposto para desonerar a folha. Se a Câmara e o Senado não quiserem, continua com o imposto onerando a folha. O Imposto sobre Transações Financeiras é feio, é chato, mas arrecadou bem e por isso durou 13 anos." (em 9 de setembro, em entrevista ao jornal "Valor")
Jogado aos leões, Cintra perdeu o cargo. Guedes segue no governo.
Calado desde a demissão do secretário da Receita, o ministro ainda não informou o que vai propor no lugar da nova CPMF agora que Jair Bolsonaro, de novo, garantiu que ela não fará parte da reforma tributária.
Antes de mais nada, precisamos destacar que, apesar do que diz o presidente, a contribuição maldita não está necessariamente morta e enterrada, por pelo menos duas razões:
- 1. no início do mês, após uma vida de negativas, Bolsonaro admitiu que poderia conversar com Guedes sobre o tema: “Já falei para o Guedes: para ter nova CPMF, tem que ter uma compensação para as pessoas. Se não, ele vai tomar porrada até de mim”. A depender da compensação, pode ser que o assunto volte à tona, sim; e
- 2. nada impede o governo de fazer exatamente o que vinha estudando: criar um tributo idêntico à velha CPMF, sobre o mesmo tipo de operação, batizá-lo com um outro nome – tipo Imposto sobre Transações Financeiras (ITF) ou Contribuição sobre Pagamentos (CP) – e com isso alardear que não está recriando CPMF nenhuma.
Feita a ressalva, vamos tomar como premissa a boa-fé dos envolvidos e supor que, se Bolsonaro disse que não vai ter CPMF, não vai ter mesmo, nem pintada. Qual é a alternativa a ela no plano de Paulo Guedes?
Todas as manifestações do ministro a respeito da reforma tributária até hoje seguiram a linha do 8 ou 80, do tudo ou nada, da virtual ausência de alternativas: ou você tributa transações e desonera a folha salarial... ou deixa meio mundo desempregado. Ou o Congresso aceita... ou a culpa do desemprego é dele.
Em várias dessas ocasiões, Guedes apontou que um imposto à la CPMF seria o mal necessário para impulsionar o emprego no país. Mas sempre omitiu que uma variedade de estudos – um deles assinado por um auxiliar seu, o economista Adolfo Sachsida – atesta que desonerar a folha não assegura “boom de contratações” coisa nenhuma. E tampouco observou que tributos como a CPMF são uma raridade no mundo, dada a distorção que provocam na economia.
Na palestra que aparentemente foi determinante para a demissão de Cintra, seu secretário adjunto na Receita disse que a equipe econômica finalizaria nesta semana a proposta de reforma tributária do governo Bolsonaro. Com a queda do número 1 do Fisco, esse é mais um prazo que fica para trás, como vem ocorrendo desde julho, quando a reforma da Previdência foi aprovada em primeiro turno pela Câmara.
Mesmo sem apresentar seu projeto, Guedes volta e meia ressalta os defeitos que vê nas iniciativas do próprio Congresso que hoje tramitam na Câmara e no Senado. Continuaremos aguardando o que ele tem a apresentar.
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