Fita pedindo o impeachment de Dilma: condições que levaram ao afastamento da ex-presidente começam a se reproduzir contra o futuro ocupante do Planalto. Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo| Foto:

Pode parecer precipitado. Mas não é. O fantasma do impeachment ronda o próximo presidente da República desde já. Principalmente porque os dois favoritos para chegar ao segundo turno são Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). E também porque a situação social, política e econômica do país tende a ser propícia nos próximos anos para a insatisfação popular – um dos ingredientes essenciais da fórmula de cassação de um presidente.

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Tanto Bolsonaro quanto o PT dão sinais de que não vão aceitar passivamente uma derrota nas urnas. Como o candidato do PSL se tornou a principal liderança popular da direita e o PT (com Lula, mesmo preso) é quem dá as cartas na esquerda, aquele que perder terá capital político para comandar a oposição. E possivelmente não dará trégua para o eleito – inclusive com a possibilidade de tentar tirá-lo do cargo se tiver essa chance.

Urna eletrônica é desculpa de Bolsonaro para não reconhecer a derrota

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Bolsonaro dá mostras de que não vai reconhecer eventual derrota ao dizer, mais de uma vez, que as urnas eletrônicas são fraudadas. E mais: que a fraude é feita especificamente para beneficiar o PT. Quem entende do assunto reconhece que as urnas não são 100% seguras, mas que isso não significa que o resultado das eleições são fraudulentos. Aliás, se houvesse um grande esquema para beneficiar o PT, por que o partido nunca venceu eleições consideradas importantíssimas, como para o governo de São Paulo?

Só há uma explicação para a insistência de Bolsonaro nessa teoria da conspiração: ter um argumento para não reconhecer o resultado da eleição se ele não for o vencedor e, consequentemente, para não aceitar a legitimidade do novo presidente.

O próprio Bolsonaro, aliás, parece esperar ser alvo do mesmo questionamento caso seja eleito. E já tem a sua “vacina anti-impeachment”: o general Hamilton Mourão, seu vice. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em agosto, um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, admitiu que um dos principais critérios da escolha de Mourão para compor a chapa foi para evitar uma eventual cassação do presidente. A avaliação é de que o Congresso não cassaria Bolsonaro para evitar o pior: ter um general na Presidência.

Mantra da “eleição sem Lula é fraude” foi engavetado, mas pode ser retomado

Do lado do PT, também há indicadores de que a legitimidade do próximo presidente será questionada. O discurso petista de que “eleição sem Lula é fraude” foi temporariamente engavetado. Se Haddad vencer, será enterrado em definitivo. Mas, se perder, o grito de guerra tende a renascer com força para questionar o futuro presidente.

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O PT, historicamente, não costuma reconhecer a legitimidade daquilo com que não concorda. Foi assim com a Constituição de 1988: o partido ajudou a redigi-la, mas se recusou a assiná-la. Segundo Lula, numa declaração de 2013, o texto não era tão “radical” quanto o partido queria.

Os petistas também contribuíram para derrubar o ex-presidente Fernando Collor, que sofreu impeachment em 1992. Mas não concordaram em fazer parte do governo de união nacional de Itamar Franco (1992-1994), que reuniu todos aqueles que defenderam a cassação de Collor. Os petistas, afinal, não estariam no comando.

O PT igualmente não deu folga ao PSDB na Presidência e entoou o mantra “Fora, FHC” durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). E, mais recentemente, o partido não aceitou o impeachment de Dilma Rousseff. Construiu a narrativa do golpe antes mesmo de perder o Planalto. E, depois, saiu às ruas para pedir “Fora, Temer”.

O PT também se recusa a reconhecer a legitimidade da condenação do ex-presidente Lula. Coloca o Poder Judiciário brasileiro em xeque ao considerar que o ex-presidente é um preso político.

Será uma surpresa se o PT não vier a questionar, em algum momento, a legitimidade do próximo presidente se o partido estiver fora do governo.

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Contexto sociopolítico está mais radicalizado

Há ainda um contexto sociopolítico que estimula a recusa de um lado reconhecer a vitória do outro. Tudo indica que o Brasil que vai sair das urnas será ainda mais polarizado e radicalizado do que o país que emergiu da eleição de 2014 – quando o impeachment de Dilma começou a ser defendido pelos derrotados logo depois da reeleição dela. Ou seja, possivelmente haverá um estímulo das ruas para questionar o resultado das urnas.

O próximo presidente, seja quem for, também tende a encontrar uma situação econômica muito ruim. E, sem dinheiro no bolso ou desempregado, o brasileiro poderá se sentir tentado a apoiar o afastamento do presidente se ele não melhorar a situação do país de forma rápida. Foi assim com Dilma. Pode vir a ser com o futuro presidente.

Além disso, o Congresso que vai sair das urnas possivelmente será tão fisiológico quanto o atual. E o próximo presidente precisará negociar com parlamentares que só pensam em cargos e verbas. Se não o fizer, perde a base e abre a porteira para o impeachment (esse, aliás, foi o erro político que levou ao impeachment de Dilma e Collor).

Por outro lado, para atender à pressão da base, o presidente poderá ser condescendente com desvios de conduta de seus aliados. E terá à sua frente a tentação de obter apoio parlamentar por meios altamente questionáveis, para dizer o mínimo. São várias as cascas de banana que o presidente terá à frente para cometer o deslize que irá erodir sua sustentação popular e que daria motivo para a oposição entrar com um pedido de impeachment.

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Além disso, é preciso considerar que o PT há muito tempo está enrolado em escândalos e o próprio Haddad é alvo de acusações que podem ter fatos novos em seu possível mandato.

Nesse aspecto, Bolsonaro está em vantagem. Ele não responde a inquéritos de corrupção. Mas, ao longo desta campanha, já saíram alguns esqueletos de seu armário (funcionária fantasma em seu gabinete, uso de auxílio-moradia da Câmara dos Deputados mesmo tendo imóvel próprio em Brasília). E, como presidente, ele será alvo de um escrutínio permanente.

Crime de responsabilidade? Para muitos congressistas, isso é só pretexto

É claro que um processo de impeachment exige uma acusação formal por crime de responsabilidade cometido pelo presidente no exercício do mandato. Mas, como o Brasil é o país do jeitinho, isso também parece não ser um problema para muitos políticos. Sempre é factível que se arrume um argumento legal para tirar alguém do cargo por outros motivos.

Dilma, por exemplo, sofreu impeachment por causa das pedaladas fiscais. Mas muitos parlamentares admitiram abertamente que a afastaram do Planalto por causa das denúncias de corrupção da Lava Jato e para que o país voltasse a crescer. Havia ainda uma insatisfação muito grande do Congresso em relação ao modo como que ela tratava deputados e senadores.

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Ou seja, para parte expressiva dos congressistas, a irresponsabilidade fiscal da ex-presidente petista foi um pretexto. Até mesmo porque eles não são exatamente zelosos com as contas públicas (a todo momento inventam uma “pauta bomba” para explodir as finanças do governo).