Cânion do Itaimbezinho, em Cambará do Sul.| Foto: Roberto Castro/Ministério do Turismo
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Ainda me lembro de quando visitei pela primeira vez, lá pelos anos 1990, os cânions de Aparados da Serra. Lembro-me do encanto que já surgia depois de São Chico de Paula, na direção de Cambará do Sul. Passei anos, como muita gente do Sul, pensando em como aquele lugar mágico podia ser mais visitado e seu “potencial” no desenvolvimento da região.

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Agora vejo a notícia, quase apagada em meio ao bate-boca político brasileiro, de que a gestão do parque foi concedida, via leilão, a um investidor privado. O grupo vencedor pagou 27 vezes o valor mínimo da outorga, com previsão de R$ 260 milhões de investimento ao longo dos 30 anos de contrato.

A concessão dos parques nacionais não é propriamente uma novidade. A maioria talvez não saiba, mas o parque das Cataratas do Iguaçu é gerenciado há 22 anos por uma concessão privada. Modelo similar ao Parque da Tijuca, no Rio de Janeiro. Gestão profissional, enorme visitação, custo zero para os cofres públicos e uma receita robusta para o Instituto Chico Mendes, responsável pelo gerenciamento de 334 unidades de conservação brasileiras. O relatório anual do instituto, de 2019, mostra que apenas quatro concessões geraram R$ 79 milhões ou 56% da arrecadação própria da instituição. E parte relevante de sua capacidade de investimento.

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Conheço muita gente que acha o Central Park uma beleza, até casório faz lá, mas acharia um horror se adotássemos aqui nos trópicos o mesmíssimo modelo de gestão

Não precisa ir muito longe para ver o potencial desse tipo de parceria. Gestão mais eficiente dos parques, mais recursos para investimento nas unidades com menor potencial turístico, incremento do turismo e geração de expertise executiva que pode ser replicada em inúmeros experimentos inovadores de gestão país afora.

Parcerias como essas frequentemente geram controvérsia política, mas não deveriam. Além de seguir uma tendência global da governança pública, elas servem para resolver problemas bastante objetivos que o país tem na prestação de serviços públicos. Estudo realizado pelo Instituto Semeia com 266 gestores de parques públicos é autoexplicativo. Apenas 34% deles estão com a sua área regularizada; 60% dos gestores dizem não ter recursos necessários para realizar seu trabalho; 22% das unidades nem sequer fazem contagem de visitantes.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

A culpa dessa situação é dos funcionários? Desse ou daquele governo? Na conversa fiada política pode até ser, mas o problema está no modelo. É um erro esperar que a pesada e disfuncional burocracia pública, em um ambiente não concorrencial, seja boa gestora de serviços. Assim como imaginar que fazendo tudo como sempre fizemos vamos obter resultados muito diferentes.

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A boa notícia é que vêm surgindo alternativas que podem mudar esse panorama. Recentemente o Parque do Ibirapuera, no coração de São Paulo, foi concedido, com um valor de outorga de R$ 70 milhões, em um modelo no qual a empresa vencedora gerencia outros cinco parques com menor potencial de receita.

A concessão é apenas um tipo de parceria possível. Há outros. Quem sabe o modelo ícone adotado na gestão do Central Park, na Big Apple. A concessão lá é com uma organização privada sem fins lucrativos, a Central Park Conservancy, que gira um orçamento de US$ 75 milhões e uma cesta de fundos de endowment (hoje são 86), que logo dará completa autonomia financeira à gestão do parque.

Conheço muita gente que acha o Central Park uma beleza, até casório faz lá, mas acharia um horror se adotássemos aqui nos trópicos o mesmíssimo modelo de gestão. Na verdade, não é nem um horror nem solução mágica. São apenas alternativas que temos de colocar na mesa e avaliar. O que não dá é para continuar confundindo esfera pública com burocracia estatal.

O Brasil demorou 26 anos, se contarmos desde a Lei das Concessões, de 1995, para conceder a gestão de alguns poucos parques públicos. Somos um país procrastinador, dado a muita retórica fora do lugar, muito mando corporativo e essas coisas. Mas, de alguma forma, há boas notícias, felizmente longe do radar político, às quais vale a pena (em especial os prefeitos que acabaram de assumir) prestar atenção.