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Organizações trabalham para estimular o voto consciente
Demógrafo francês sugere que pais possam votar pelos filhos pequenos.| Foto: Daniel Castellano/Arquivo/Gazeta do Povo

Sempre leio o Pedro Fernando Nery e aprendo muito com ele. Até por isso é bom divergir de vez em quando. Pedro colocou na pauta a chamada “votação Demery”, que sugere dar aos pais o direito de votar pelos filhos ainda crianças.

A ideia foi originalmente proposta pelo demógrafo Paul Demery e propõe mudar a regra “um homem, um voto”, base de nossas democracias, propondo que os pais tenham um voto a mais para cada filho menor de 16 anos. Um filho, um voto. Dez filhos, dez votos. O argumento é de que precisamos de políticas de longo prazo, focar nas crianças e nada melhor do que dar às mães um maior poder político.

Há um caminhão de problemas aí. Os cidadãos não decidem políticas públicas e sim elegem políticos. Os políticos vão à televisão, distribuem promessas, santinhos, e as pessoas votam. A engenharia proposta por Demery supõe o seguinte: vendo seus bebês bem cuidados ou soltos em uma rua com esgoto a céu aberto, as mães saberão identificar, no mar de “cabecinhas” (nome que a filhinha de um amigo dava aos candidatos, na tevê), quem melhor representa políticas que, uma vez implementadas, melhorarão a vida das futuras gerações.

Nosso voto vale nada ou quase nada em uma eleição (mesmo alguém votando pelos cinco filhos). E ninguém será responsabilizado se votar errado. Nessas condições, pouca gente irá gastar muito tempo analisando políticas públicas

As mães saberiam separar o joio do trigo, comparando o discurso e o histórico de cada candidato, e quem sabe fariam também alguma comparação internacional sobre boas e más políticas públicas. Sua condição se traduziria em discernimento político.

O maior equívoco disso tudo é desconsiderar um detalhe do mundo político sobre o qual nos alertou Anthony Downs: a informação política tem um custo brutalmente alto. Nosso voto vale nada ou quase nada em uma eleição (mesmo alguém votando pelos cinco filhos). E ninguém será responsabilizado se votar errado. Mesmo porque é parte da democracia que ninguém saiba exatamente o que é certo ou errado em uma eleição.

Nessas condições, pouca gente irá gastar muito tempo analisando políticas públicas. A tendência é a alienação e a irresponsabilidade. Vem daí boa parte da bobageira que inunda a internet. Se a minha influência sobre o processo é nula e eu posso socializar o custo do meu erro, por que exatamente eu agiria, na política, com a atenção que dou ao remédio que meu filho precisa tomar em uma noite de febre?

A engenharia com direitos individuais anda na moda (no tema identitário, em especial), mas não acho que nossas democracias estariam dispostas a trocar uma questão de princípio (a igualdade política) pela expectativa vaga de se obter um melhor resultado (temos acordo sobre isto?) na escolha pública.

Há três temas que o país deveria discutir com serenidade: mandatos de cinco anos, sem reeleição, voto distrital misto e voto facultativo

Vai também aí certo mecanicismo sociológico que imagina alguma correspondência objetiva entre ideias e condição social. Os mais velhos apostariam em políticas de curto prazo; jovens, nas de longo prazo; mulheres, em políticas feministas, e assim por diante. Feito o raciocínio, a tarefa é descobrir a melhor equação para “ajustar” os colégios eleitorais e obter os resultados que desejamos. Não é por aí. Nosso foco deveria se concentrar na qualidade do debate e nos incentivos à boa governança pública.

A virtude da provocação feita pelo Pedro é chamar atenção para reformas institucionais que o país precisa fazer. Há três temas que o país deveria discutir com serenidade: mandatos de cinco anos, sem reeleição, voto distrital misto e voto facultativo. Por diferentes razões. Fim da reeleição e mandatos mais longos podem ajudar a conter o populismo e favorecer a maturação de programas públicos; o voto distrital aproxima eleitos de eleitores e, de quebra, reduz custos de campanha. Voto facultativo é um direito. O Estado não é papai de ninguém para obrigar o cidadão a votar ou não votar.

São reformas esquecidas na agenda brasileira. Deveríamos retomá-las, mas sem engenharia com o direito inalienável de cada um participar da esfera pública em condição de igualdade. Quanto às crianças, sugiro cuidar para que elas cresçam, brinquem e estudem. No tempo certo, elas irão votar com a própria cabeça.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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