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Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre, presidente do Senado, ao lado do presidente da República Jair Bolsonaro.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre, presidente do Senado, ao lado do presidente da República Jair Bolsonaro.| Foto: Marcos Corrêa/PR

O governo Bolsonaro anda de lado. Os sinais são óbvios. Perdeu seu ministro mais popular, reagiu mal à crise e as pesquisas não andam lhe favorecendo. Há um conjunto de investigações delicadas em curso e o último levantamento do Datafolha diz que 45% dos eleitores apoiam seu impedimento. Tudo isso pode ser apenas conjuntural e a crise se dissolver, quando a pandemia passar, mas intuo que há algo mais estrutural nesse processo.

O governo Bolsonaro é fruto de um arranjo instável entre três movimentos difusos na sociedade brasileira: o conservadorismo cultural, os movimentos contra a corrupção (o lavajatismo) e a agenda liberalizante, apoiada pelo mercado. A agenda conservadora nunca andou. Ninguém se lembra mais de temas como Escola sem Partido ou a redução da maioridade penal. Coisas como o excludente de ilicitude e a nova regulamentação do porte de armas rodaram, no Congresso.

A agenda em torno de Sergio Moro igualmente andou muito pouco. Temas caros ao ex-ministro, como a introdução do "plea bargain" e a prisão em segunda instância foram derrotadas ou simplesmente não andaram, no Congresso, e de quebra ele teve de assistir à instituição do juiz das garantias, depois suspensa pelo STF.

O que andou, até o final do ano passado, e mesmo assim a ritmo lento, foi a pauta econômica. Temas como a reforma da Previdência e a Lei da Liberdade Econômica foram seus carros chefe. O boletim Focus de dez/19 previa 2,3% de crescimento para 2020, com inflação e juros nas taxas que todos sabemos.

As coisas andaram, no primeiro ano do governo, à base de um arranjo de autonomia do legislativo, dada a recusa do Presidente em formar a coalisão majoritária. Disse algumas vezes aqui que, em que pese minoritário, o governo conduzia uma agenda econômica majoritária, no Congresso.

Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro demonstrou que 74,4% dos deputados apresentaram notas acima de 7, em uma escala de 0 a 10 de fidelidade ao governo. No Senado as coisas foram ainda melhores.

O arranjo desmoronou a partir da virada do ano. Em boa medida, ruiu pelas indefinições do próprio governo, que nunca apresentou sua visão sobre a reforma tributária e sequer enviou ao Congresso a reforma administrativa. Ruiu também pelo crescimento da pauta corporativa do congresso, expressa no chamado orçamento impositivo, pelas sabidas dificuldades políticas do presidente, pela perspectiva do embate eleitoral e pelo consenso cada vez menor diante de reformas difíceis.

A chegada da pandemia explodiu de vez a agenda econômica liberalizante, que era o feijão da feijoada deste governo. Feijoada de caldo ralo, diga-se de passagem, em um governo que nunca foi de fato liberal (a política de educação é a maior mostra disso), mas que envolvia iniciativas de reforma fiscal e do gasto público, nas três PECs do programa Mais Brasil.

Tudo agora pertence ao passado. O país termina os dias contando seus mortos, filas imensas de brasileiros sem máscara se formam nas agências da Caixa Federal, pelo auxílio de 600 reais, e tudo indica que vamos terminar o ano com queda superior a 5% do PIB e deficit superior a 600 bilhões, com o qual vamos conviver durante anos.

Em meio à turbulência, o governo ensaia uma adesão tardia ao modelo de coalisão, com a cooptação de partidos do centrão. Movimento previsível: o arranjo anterior, que chamei aqui de modelo de corresponsabilidade, só funcionava sob a batuta das reformas estruturais que (ao menos por um bom tempo) perderam seu momento político.

Trata-se de um modelo de sobrevivência política. Ele pode servir para o governo se proteger, na hipótese de votação de um processo contra o presidente, mas não irá muito mais longe.

O que o país precisa é de uma repactuação. Algum sentido de estabilidade institucional. Da liderança política como um todo, a começar pelo presidente da república, que faria melhor saindo da cerca, no entorno do Palácio, e trocando a lógica do entretenimento político pelas questões de Estado.

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