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Em azul, os países que reconhecem Taiwan como a China legítima; em ocre, os que reconhecem somente Pequim como capital da China. Em bege, quem reconhece Pequim, mas se vale de jeitinho para manter relações com Taiwan.
Em azul, os países que reconhecem Taiwan como a China legítima; em ocre, os que reconhecem somente Pequim como capital da China. Em bege, quem reconhece Pequim, mas se vale de jeitinho para manter relações com Taiwan.| Foto: NuclearVacuum/GNU GPL

No último dia três de abril, a ilha de Taiwan infelizmente foi abalada por um forte terremoto, especialmente sua costa leste. Trata-se do maior sismo na ilha nos últimos vinte e cinco anos. O governo brasileiro emitiu uma nota de solidariedade, intitulada “Terremoto no Taipé Chinês”. O nome foi motivo de polêmica e críticas nas redes sociais e por jornalistas, afirmando que seria uma vergonha ou uma submissão ao governo chinês. Na verdade, trata-se de polêmica vazia, consequência da falta de informação.

Terminologia

O leitor pode ter notado que falamos em “ilha de Taiwan”. Esse é um termo geográfico, referência à maior ilha da região, que forma um cinturão insular junto com os arquipélagos do Japão e das Filipinas, além de outras ilhas menores. Pouco maior do que a Bélgica, a ilha de Taiwan era conhecida mundialmente até a Segunda Guerra Mundial como Formosa, nome dado por navegadores portugueses devido à sua beleza natural. Desde então, o nome nativo passou a ser priorizado.

A maior cidade da ilha é Nova Taipé, a enorme região metropolitana em torno da Taipé histórica, a cidade que é capital da República da China, nome utilizado pelos países que consideram o governo da ilha como o legítimo representante da China. Costumeiramente, o termo Taiwan é utilizado como sinônimo de República da China, ou então China Taiwan, e alguns movimentos independentistas da ilha defendem a oficialização do termo, abandonando a palavra “China” no nome do país no futuro.

Lembremos: existem duas repúblicas que se propõem como a única legítima representante chinesa, a citada República da China e a República Popular da China, com capital em Pequim e com governo socialista, também chamada de China continental. Ambas as repúblicas seguem a política de “Uma Só China”. Ou seja, quem reconhece um governo, automaticamente não reconhece o outro como um governo soberano. Para Taiwan, o governo de Pequim é ilegítimo e usurpou o poder em 1949.

Para o governo de Pequim, Taiwan é uma “província rebelde”, parte integral do seu território que será reunificada no futuro. Pequim não aceita uma eventual declaração de independência de Taiwan, que significaria abrir mão da política de Uma Só China e reivindicar Taiwan como uma nação à parte, sem vínculos com o restante da China. Para os países que reconhecem Taiwan como a legítima China, o termo República da China é frequentemente utilizado.

Falamos desse assunto no início de março do atual ano, após mais uma baixa no reconhecimento de Taiwan, com Nauru “trocando” sua representação chinesa no início de 2024. Hoje, os dois principais países que ainda reconhecem Taiwan como a República da China são o Paraguai e a Santa Sé. A maioria da comunidade internacional, incluindo todos os países permanentes do Conselho de Segurança da ONU e todos os países do G20 reconhecem a República Popular da China como a China legítima.

Reconhecimento brasileiro e “Taipé Chinês”

Ou seja, o Brasil não reconhece a República da China, a China Taiwan, Taiwan, como o leitor quiser chamar, como um país soberano. Desde 1974, pouco tempo depois de Pequim tornar-se a representante chinesa na ONU, substituindo Taiwan em 15 de novembro de 1971. Essa substituição foi feita com a aprovação de todos os membros do Conselho de Segurança, incluindo os EUA, que formalizaram suas relações com a China continental em 1979, após a aproximação orquestrada por Kissinger e Nixon.

Se o Brasil não reconhece a República da China ou Taiwan, não há motivo para o uso desse termo em uma nota oficial de governo. Não se trata de novidade, nem de “submissão aos comunistas chineses”. A República Popular da China que é reconhecida e parceira do Brasil, seja comercial, seja em fóruns como o BRICS. O termo "Taipé Chinês" é utilizado em todas as organizações internacionais para acomodar uma delegação taiwanesa ao mesmo tempo em que não reconhece a soberania da República da China.

Esse termo nasceu no Comitê Olímpico Internacional. Devido à troca de representação chinesa na ONU, Taiwan ficou de fora dos Jogos Olímpicos de 1976. Para evitar que uma das duas repúblicas chinesas fossem excluídas dos jogos, foi adotada uma terminologia que compreendesse ambas as repúblicas, com o Comitê Olímpico Chinês, sediado em Pequim, e o Comitê Olímpico de Taipé Chinês, sediado em Taipé. O acordo é de 1979, na Resolução de Nagoya, adotada em 1981 com a anuência de ambas as repúblicas chinesas.

Não apenas com a anuência das repúblicas, mas, recentemente, em 2018, a população de Taiwan endossou o uso de “Taipé Chinês” em referendo popular. O Brasil usa essa mesma terminologia, nos diversos governos. Trata-se apenas de nome oficial seguido como política de Estado, não de governo. Uma rápida busca fornece documentos com a nomenclatura “Taipé Chinês” nos anos de governo Bolsonaro, como uma ata do Ministério da Economia, então chefiado por Paulo Guedes. Governos europeus seguem o mesmo nome. Enxerga-se uma polêmica ou uma celeuma onde ela não existe ou, melhor, não deveria existir.

O leitor pode dizer que, ainda assim, está errado, ou moralmente errado, ou que o Brasil não devia ter laços com a China socialista. Perfeito, todos podem ter essa opinião. A realidade, entretanto, é que o Brasil reconhece o governo de Pequim como o legítimo governo chinês. Portanto, segue esse conjunto de nomenclaturas, República Popular da China e Taipé Chinês. No futuro isso pode mudar, mas, hoje, é assim, independente do governo de ocasião.

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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