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Protesto em Tel Aviv reúne trabalhadores de alta tecnologia contra a reforma judicial do governo de Benjamin Netanyahu, no dia 1º de março de 2023.
Protesto em Tel Aviv reúne trabalhadores de alta tecnologia contra a reforma judicial do governo de Benjamin Netanyahu, no dia 1º de março de 2023.| Foto: EFE / Pablo Duer

Benjamin Netanyahu, o veterano premiê de Israel, anunciou que seu criticado projeto de reforma do Judiciário será adiado. Após semanas de intensos protestos, o anúncio veio apenas algumas horas depois de uma greve geral e um dia depois da controversa demissão do ministro da Defesa do país. Para tentar salvar sua própria pele, Netanyahu está levando Israel ao limite da tensão, com o risco de ter vendido a alma para o diabo do extremismo.

A reforma do Judiciário foi explicada aqui em nosso espaço no dia 14 de fevereiro, na coluna Netanyahu coloca Israel a caminho de uma autocracia, assunto retomado no início de março. Em suma, não se pode perder de vista que o discurso e a reforma proposta por Netanyahu partem do seu oportunismo e de sua necessidade de se salvar de acusações formais de corrupção e de tráfico de influência.

Desde as eleições, seu único projeto é garantir sua impunidade. Para isso, ele quer submeter o Judiciário ao controle do Executivo, sujeito à interferências. Em sua trajetória, conta com o apoio de seu partido, o Likud, que segue seus caprichos e tem interesse em se tornar o maior polo político de Israel. Também conta com o apoio dos religiosos ortodoxos, que veem no Judiciário um foco do secularismo em pautas ditas de “costumes”.

Na última quinta-feira, inclusive, Netanyahu aumentou ainda mais sua blindagem frente ao Judiciário, com o Knesset, o parlamento, proibindo que o primeiro-ministro possa ser afastado do cargo por decisão judicial. Por 61 votos, o placar mínimo, o parlamento decidiu que apenas questões de saúde podem afastar um premiê. Na celebração da lei, repetiu o discurso de que o Judiciário que “realmente governa” o país.

Ministro da Defesa

Na circunstância da votação, o então ministro da Defesa, Yoav Gallant, do Likud, criticou as propostas de Netanyahu para o judiciário. Do mesmo partido de Netanyahu, Gallant foi demitido no dia 26 de março. É importante contextualizar ao leitor que o cargo da Defesa é o segundo mais importante do governo em Israel. A demissão gerou ampla repercussão negativa contra Netanyahu, que foi acusado de prejudicar a defesa nacional.

Nas últimas semanas, inclusive, ocorreram diversos episódios em que militares da reserva boicotaram os treinamentos obrigatórios, mesmo militares de elite, como pilotos. O cônsul geral de Israel em Nova York pediu demissão e o presidente Isaac Herzog solicitou que a reforma fosse suspensa “imediatamente”. Do outro lado da demissão de Gallant estava Itamar Ben-Gvir, líder dos kahanistas, de extrema direita.

Ben-Gvir afirmou que Gallant não seria “verdadeiramente” de direita e que, se Netanyahu voltar atrás na reforma do judiciário, ele tiraria seu partido da coalizão de governo. Ben-Gvir colocou uma faca no pescoço de Netanyahu em seu momento mais vulnerável. O fim da coalizão significaria o fim do governo Netanyahu e, possivelmente, novas eleições. Hoje, apenas 35% dos eleitores aprovam Netanyahu.

Depois de semanas de protestos, a polêmica proposta autocrática e um racha dentro de seu próprio partido, uma nova eleição poderia ser trágica para Netanyahu, que ficaria sem as prerrogativas do cargo. Netanyahu, então, para salvar sua própria pele, como sempre, adiou um discurso em que anunciaria o adiamento da reforma. Isso motivou a convocação de uma ampla greve geral, poucas vezes vista na História de Israel.

Greve e “guarda nacional”

A Histadrut, maior frente sindical israelense, os diplomatas e os profissionais de saúde anunciaram que estavam cruzando os braços. O transporte público funcionou apenas para transportar manifestantes. Universidades paralisaram, grandes redes privadas fecharam as portas e o aeroporto internacional de Ben-Gurion foi fechado para decolagens. Cenas de confrontos entre manifestantes e policiais correram o país.

Calcula-se que, na noite de domingo, mais de um milhão e meio de pessoas estavam nas ruas, mais de 15% da população. Netanyahu não tinha saída senão ao menos adiar a votação, para depois da Páscoa, daqui um mês, aproximadamente, aproveitando o recesso do parlamento. Nas palavras do próprio Netanyahu, ele o fez alertando para a necessidade de evitar uma “guerra civil”.

A questão é que Netanyahu precisa adiar a votação da reforma do Judiciário e agradar os religiosos, como Ben-Gvir, ferrenhos defensores da mesma reforma, para evitar o fim da coalizão. Como dito, Ben-Gvir colocou uma faca no pescoço de Netanyahu. O preço do adiamento foi a promessa da criação de uma “guarda nacional”, sob comando do ministério de Segurança Nacional, ocupado por Ben-Gvir.

Não se sabe ainda quais serão os parâmetros de atuação dessa guarda, mas trata-se de colocar uma unidade armada nas mãos de um extremista e fanático religioso. Longe de ser uma receita de sucesso. Ben-Gvir entrou nessa disputa interessado em minar o Judiciário para ter o fim do casamento entre pessoas do mesmo sexo e pode sair com uma unidade armada para chamar de sua.

Netanyahu não vai desistir tão fácil de sua proposta de reforma. O adiamento busca ganhar tempo e diminuir a articulação popular contra ele, apostando em pautas de segurança, especialmente no período do Ramadã. Hoje tudo indica que Netanyahu não terá sucesso e que uma tentativa de reconduzir a proposta de reforma do Judiciário enfrentará a mesma resistência que enfrenta hoje, sendo o início do fim da era Netanyahu.

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