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Em 21 de abril de 1960, o Brasil inaugurava a sua nova capital, Brasília
Em 21 de abril de 1960, o Brasil inaugurava a sua nova capital, Brasília| Foto: Sergio LIMA / AFP

Dia 21 de abril de 1792, dia da morte Tiradentes, mártir da Conjuração Mineira e futuro símbolo republicano do Brasil. No mesmo dia, 168 anos depois, era inaugurada a nova capital brasileira, Brasília, no coração do Planalto Central. Sessenta anos depois, nossa capital permite algumas discussões e aprendizados, especialmente com paralelos internacionais, tanto históricos quanto atuais.

Brasília é, antes de tudo, uma cidade fácil de ser detestada. Oras, é capital, onde estão "os políticos", seja qualquer o nome de preferência do leitor para servir de alvo. Quinta concentração urbana mais populosa do Brasil, a cidade ganhou o apelido de "Ilha da Fantasia", dada a gigante concentração de renda, consequência da presença dos altos escalões da república na cidade, um pólo magnético dos tributos nacionais.

Custo de vida alto, onde todos conhecem uma história de "carteirada", seja do senador furando a fila do requintado restaurante, seja do garoto bradando "você sabe quem é meu pai?" quando repreendido. E pode-se ficar horas destilando veneno contra Brasília. Por outro lado, sua construção foi uma das maiores empreitadas do século XX. No mundo todo! Uma cidade planejada e pioneira na arquitetura, onde antes pouco existia.

Ao contrário da maioria das citações que circulam por aí, esta é de verdade. O pioneiro espacial Yuri Gagarin, ao visitar a capital em 1961, comentou o projeto arquitetônico: "Tenho a impressão de que estou desembarcando num planeta diferente, não na Terra". E Brasília não foi um delírio de Juscelino Kubitschek, como muitos devem saber, mas é sempre interessante recapitular.

Planalto Central

A transferência da capital do país para um "local central" estava firmada desde a primeira constituição republicana, de 1892. Ainda assim, sua ideia é bastante mais antiga. O primeiro proponente ilustre da ideia foi Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, diplomata e administrador português do final do século XVIII e início do XIX. Hoje, no Rio de Janeiro, um museu do exército leva seu nome, e vale uma visita (pós coronavírus, claro).

Ele defendeu, mais de duzentos anos atrás, a transferência da capital do império português para o interior brasileiro. Seria uma região com maior capacidade de defesa e, principalmente, argumentava que era o Brasil, não Portugal, o pedaço mais importante e rentável do vasto império. Ocupar seu interior era estratégico. Claro que, em tempos onde o absolutismo ainda reinava, sua proposta soou quase como heresia.

Veio a independência e a monarquia. Com ela, o patrono José Bonifácio, pai do nome "Brasília" para a futura capital. Outras propostas foram Vera Cruz e Petrópolis, antes da fundação da atual cidade. Na década de 1840 veio a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, primeiro capitaneado por Francisco Adolfo de Varnhagen, um dos "criadores do Brasil", também chamado de "Pai da História do Brasil".

Ele adiciona o ingrediente do Romantismo na análise geográfica e natural do país. Ir para o interior não seria apenas uma vantagem de defesa, mas é onde estão "os bons ares da natureza". Mais ainda, a posição central ficaria perto dos rios Preto, São Bartolomeu e Maranhão que, por sua vez, são tributários do Paraná, do Tocantins e do São Francisco, parte das três grandes bacias hidrográficas nacionais.

Essa é a geografia, entra o nacionalismo romântico de Varnhagen, comparando os rios às artérias nacionais e, consequentemente, o local da futura capital como o coração do Brasil. Principalmente, Varnhagen alegava uma "missão civilizatória" com a nova capital. Interiorizar o Brasil, levar a modernidade e as ferrovias para dentro do país, além da mata. Colonizar o vasto território nacional.

Positivismo e Europa

Esses argumentos, geográficos e de defesa, que convencerão cada vez mais os positivistas da necessidade de mudar a capital. Consequentemente, um pensamento que terá profunda influência nos militares brasileiros. Foi com os militares que a mudança foi para a constituição. "Levar o progresso" para dentro do país, e ocupar o território, um pensamento que gerará o futuro "ocupar para não entregar" sobre a Amazônia.

Outros motivos também permeiam a decisão, mas não cabem aqui. Por exemplo, evitar as rivalidades entre os antigos centros populacionais e coloniais por protagonismo. Rio de Janeiro versus São Paulo versus Recife versus Rio Grande do Sul versus Minas Gerais, e assim por diante. Cria-se uma nova capital e pronto, ânimos apaziguados. Imaginava-se, claro, já que outros problemas surgiram.

Os impactos da mudança da capital, positivos e negativos, já são visíveis. E era curioso que Varnhagen usava muito o argumento de "assim fazem na Europa" sobre a ideia de capitais centrais, confiando no exemplo a ser copiado e, também, na ignorância da maioria dos políticos de então, que não teriam bagagem ou argumentos para contrariar um ponto que soava tão sedutor.

Só que, ao fim das contas, Varnhagen estendia bastante esse argumento. Note-se que ele não mentia, mas invertia a ordem dos fatores. Nenhum Estado europeu construiu uma nova cidade central para ser capital, como foi o caso brasileiro. As grandes cidades centrais que tornaram-se capitais com o passar do tempo, em um processo inverso. Mesmo os exemplos contemporâneos de Varnhagen eram problemáticos.

Um exemplo evocado por ele era o da Itália, em processo de unificação, que ele chamava de modernização. Com a unificação liderada pelo reino do Piemonte-Sardenha, a capital é transferida de Turim para Roma. Pela posição central ou por ser a Cidade Eterna, antiga capital do império romano, um símbolo para todas pessoas da península itálica? Ao fim das contas, a erudição do argumentador que fez o argumento.

Duas situações, entretanto, podem servir de exemplo para as conversas do leitor. A Bélgica, independente em 1830, que escolhe Bruxelas como sua capital, mesmo não sendo nem de perto o principal centro do país; até hoje, Antuérpia é a cidade mais vibrante da Bélgica. Bruxelas servia de "meio do caminho" entre os valões católicos francófonos do sul e os flamengos falantes de neerlandês e protestantes do norte.

Uma capital planejada foi São Petersburgo, mas a ideia, nesse caso, era fugir da posição central de Moscou, das intrigas políticas, do fluxo de pessoas. Criar uma capital isolada, mais distante, uma Versalhes em forma de cidade. Longe da ideia que inspirou Brasília. E essas ideias não influenciaram apenas o Brasil, mas diversos novos países ao redor do mundo e em tempos mais recentes.

Militares

Após o fim do Império Otomano, as lideranças republicanas turcas decidiram transferir a capital da antiga Constantinopla, por considerar ela em uma posição geográfica delicada, para a cidade de Ancara, no centro da Anatólia. De lá, Mustafa Kemal Atatürk conseguia equidistância das frentes da guerra que durou até 1923, vencida pelos turcos, que a chamam de Guerra de Independência.

Mais recentemente, e diretamente inspirada pela construção de Brasília, a Nigéria decidiu, em 1976, mudar sua capital. De Lagos, a maior cidade e capital iorubá, para um local central, também equidistante dos mais diversos rincões do país. Mais ainda, um local sem grandes vínculos étnicos ou religiosos. A Nigéria é um caldeirão, com metade muçulmana e metade cristã; esses, por sua vez, metade católicos e metade protestantes.

Além dos grupos religiosos, diversos grupos étnicos e linguísticos habitam o país. A decisão de construir Abuja é concluída em 1991, quando a cidade é declarada a nova capital. Assim como Brasília, Abuja é uma cidade planejada e marcada pelo protagonismo do funcionalismo do Estado. Outros países, quase todos independentes no século XX, cogitaram ou cogitam trocar sua capital por motivos similares. 

Claro, pode-se alegar que diversos outros Estados não mudaram suas capitais. Washington, nos EUA, fica à quase seis horas de voo da outra costa. Buenos Aires é uma realidade completamente diferente do interior argentino. Bonn foi a capital da Alemanha ocidental, mas nunca perdeu o protagonismo, político e cultural, para Berlim, mesmo fatiada durante a Guerra Fria.

Finalmente, existe outra coisa que une Brasília, Ancara e Abuja. O estabelecimento das três como capitais partiram do pensamento geopolítico e racional dos militares, protagonistas da política dos três Estados. Foco na defesa, na ocupação do território, em puxar as linhas de comunicação nacionais. Não à toa que a próxima capital planejada será a do Egito, daqui alguns anos. Até lá, um feliz aniversário para nossa capital.

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