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O Partido do Povo Indiano (BJP), ao qual pertence o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, é o principal fiador dessa ideia
O Partido do Povo Indiano (BJP), ao qual pertence o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, é o principal fiador dessa ideia| Foto: EFE/EPA/BERTRAND GUAY

Hoje, dia nove de setembro, começou a cúpula do G20 em Nova Déli e uma questão se fez muito presente nas redes sociais: a Índia vai “trocar de nome”? Já nas primeiras imagens da cúpula, o primeiro-ministro Narendra Modi é visto com o letreiro “Bharat” em sua frente. Dias antes, o convite da Presidência indiana para o jantar formal do G20 foi publicado nas redes. Nele, a presidente Droupadi Murmu estava como "Presidente de Bharat". Muitas pessoas interpretaram isso como um sinal de que a Índia vai "mudar de nome". A questão, muitas vezes mal explicada, é que a Índia já se chama Bharat.

A constituição indiana de 1950, no primeiro artigo, chamado “Nome e território da União”, diz que "Índia, isso é, Bharat, será uma União de Estados”. Bharat é um nome hindi, enquanto Índia, sem o acento agudo, é o nome em inglês, as duas línguas oficiais do país. Bharat é um nome de origem védica, derivado do nome de uma tribo que participou da Batalha dos Dez Reis, quase quatro mil anos atrás. Essa tribo seria formada pelos descendentes de um rei citado no épico sânscrito Mahabharata, sobre a origem do hinduísmo. Todas as informações devem ser estranhas para a maioria dos leitores.

O nome Bharat já existe. Não se trata de mudança, mas de escolha ideológica. 

Por uma série de motivos, a rica História do subcontinente indiano é estranha à nós, brasileiros. É como um nome presente no Velho Testamento, que remete a um evento quase mítico de milhares de anos atrás. O nome dessa tribo, no citado épico Mahabharata, se relaciona à região norte da Índia, do rio Ganges. A bacia do Ganges está quase totalmente dentro da Índia atual e o rio é de suma importância para os hindus, personificado na deusa Ganga. Isso é um total contraste com o nome Índia, que não é uma criação recente e nem uma criação europeia.

Índia é um nome de origem persa para se referir ao vale do rio Indo, um dos "berços civilizatórios", provável corruptela do sânscrito Sindhu, nome do rio e de uma das províncias do atual Paquistão. Hoje, a bacia do rio Indo está, em maior parte, no Paquistão, inimigo histórico e atual da Índia, de maioria muçulmana. Do persa, “Índia” foi incorporado ao grego, daí ao latim, daí ao português e, com as navegações, consagrado como o “nome europeu” da região. Para muitos indianos atuais, especialmente nacionalistas, Índia, então, se relaciona ao imperialismo e domínio europeu.

Após a descolonização política pós Segunda Guerra Mundial, ocorreram diversas mudanças de nomes de territórios que foram parte de impérios europeus.

Após a descolonização política pós Segunda Guerra Mundial, ocorreram diversas mudanças de nomes de territórios que foram parte de impérios europeus. Trata-se de fenômeno que ocorre há décadas. Rodésia do Sul virou Zimbábue, Costa do Ouro virou Gana, Ceilão tornou-se Sri Lanka, dentre outros. Outros países também discutem essa pauta em anos recentes. Por exemplo, um dos movimentos mais fortes ocorre nas Filipinas, em que muitos querem mudar o nome do país, que remete ao monarca espanhol do século XVI, com diversas propostas.

O ex-presidente Rodrigo Duterte, em seu estilo falastrão, disse que "as Filipinas receberam o nome de um branquelo espanhol que nunca colocou os pés nas Filipinas". Ele era proponente da adoção do nome Maharlika, termo de origem tagalo, o maior grupo étnico do país. A questão é que não existe um nome, um termo, antigo próprio que englobe todo o território das atuais Filipinas. Por séculos, as ilhas foram uma mistura de grupos, influências e reinos. Questão semelhante afeta a Índia, já que mesmo o nome Bharat é ligado ao hinduísmo e ao norte geográfico do país.

Devido essa impossibilidade de universalidade existem outras propostas de nomes. Por exemplo, alguns grupos nacionais indianos propõem Hindustão, “Terra dos Hindus”. O ponto é que esses diversos países que foram territórios de antigos impérios europeus adotam, ou querem adotar, nomes de sua própria História, de seus próprios idiomas, ressignificando sua existência atual e se livrando de elos de dominação, agora na comunicação e na identidade. O caso do uso do nome Bharat pela Índia hoje, entretanto, possui outras questões além dessa.

Como dito, o país já se chama Bharat. Como curiosidade, o nome do país em Esperanto é Barato. O nome do local onde ocorre a cúpula do G20 é Bharat Mandapam. O partido nacionalista hindu do premiê Narendra Modi é conhecido pela sigla BJP, que significa Partido Popular Indiano. Ou, melhor, Bharatiya Janata Party, em inglês, mas usando o gentílico de Bharat. O uso do nome Bharat pelo atual governo indiano, no atual contexto, se relaciona com questões ideológicas, externas e internas. Principalmente, agrada aos nacionalistas hindus, cada vez mais fortes na Índia.

Diversos países que foram territórios de antigos impérios europeus adotam, ou querem adotar, nomes de sua própria História,

Essa ideologia busca, dentre outras questões, revisar e até mesmo apagar a herança histórica muçulmana da Índia. Nesse ponto, o nome Bharat, dada sua origem ligada ao Ganges e ao hinduísmo, cai como uma luva.

Também conectado com isso, o nome Bharat está ligado, como mencionado, ao antigo rei citado no épico Mahabharata. Um rei que teria conquistado territórios hoje partes de Bangladesh, Paquistão, Nepal, Sri Lanka, dentre outros. Isso se relaciona com atuais questões fronteiriças indianas, cujas mais sensíveis são com a China, no Himalaia.

Recentemente, na inauguração do novo edifício do parlamento indiano, foi visto o mapa de uma "grande Índia", com nomes em hindi, mesmo de regiões hoje parte de países vizinhos. Também existem questões internas, além do revisionismo histórico mencionado. O maior rival partidário do BJP é o Congresso Nacional Indiano, enquanto o antagonismo do nacionalismo hindu é o pluralismo secular indiano. Semanas atrás, a oposição indiana anunciou uma frente ampla para disputar as eleições contra o BJP. Essa frente ampla foi nomeada como INDIA, como um acrônimo.

Ou seja, nesse momento, o uso do nome Bharat está diretamente ligado ao nacionalismo hindu, incluindo o revisionismo da História muçulmana da Índia. Não é apenas um distanciamento que busca ressignificar a História do país perante a exploração cruel do imperialismo europeu, especialmente britânico. É possível que o atual governo nacionalista hindu do BJP e de Modi peça para a comunidade internacional priorizar o nome Bharat e até troque o nome da representação na ONU. O ponto, entretanto, é que o nome Bharat já existe. Não se trata de mudança, mas de escolha ideológica.

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