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Montagem de jornais diários do Reino Unido no dia 25 de maio, após o discurso de renúncia da primeira-ministra Theresa May, no dia 24
Montagem de jornais diários do Reino Unido no dia 25 de maio, após o discurso de renúncia da primeira-ministra Theresa May, no dia 24| Foto: DANIEL SORABJI / AFP

Se o Brexit fosse um seriado, estaríamos no fim de uma temporada, com o último episódio terminando em suspense para prender a audiência até o retorno do programa. Essa última semana teve de tudo. Renúncia, mudança de comando, voz das urnas, retórica vencedora de todos os lados. O que o futuro próximo reserva, entretanto, não é tão simples de dizer, ao contrário do que as torcidas podem acreditar.

A primeira renúncia foi na quarta-feira, dia 22 de maio. A líder do (agora ex) governo de Theresa May na Câmara dos Comuns, Andrea Leadsom, renunciou ao posto. Ela, que foi derrotada por May nas eleições internas dos conservadores, quando da renúncia de David Cameron, afirmou que não confiava na maneira como a primeira-ministra estava conduzindo o processo do Brexit.

O impasse de May

Mais um dos vários nomes de peso do partido que pediu para sair do barco de May. Foram tantos que sequer seria apropriado listar todos aqui. E foram tantos que a própria Theresa May renunciou na sexta-feira, dia 24 de maio. Visivelmente emocionada, agradeceu por ter sido a segunda mulher na liderança do Reino Unido e disse que “não serei a última”. Claro, admitiu as óbvias falhas de seu governo em lidar com o Brexit.

May pode não ter feito o melhor trabalho do mundo, mas lidou com um cenário extremamente complexo, de interesses que se anulam. Sair da UE e manter a fronteira aberta na ilha da Irlanda, por exemplo. O tema já foi bastante presente aqui nesse espaço e, como dito anteriormente, o Brexit é um abacaxi bastante desconfortável de descascar. Ao ponto de May não conseguir ir pra frente, mas ninguém tirá-la do cargo também.

A ex-primeira ministra nunca foi uma brexiteer, uma ávida defensora da saída do Reino Unido da União Europeia. Ela fazia parte do governo Cameron e, por trás dos panos, defendia a permanência na UE, preocupada especialmente com as questões de fronteira e de segurança. Enquanto os brexiteers afirmavam que conseguiriam mais controle nas fronteiras contra possíveis terroristas, sua preocupação estava em outro foco.

Havia o risco de, subitamente, milhões de trabalhadores em solo britânico se tornarem imigrantes não-documentados. Os poloneses, romenos e italianos. Isso somado ao aspecto da fronteira irlandesa. E esses eram os focos de May até pela natureza do cargo que ocupava, de Ministra do Interior. Essa falta de “entusiasmo” com o Brexit era vista como uma fraqueza de May.

Outro aspecto que depõe a favor de May é o parlamento absolutamente travado, em que os conservadores precisaram fazer uma coalizão com os unionistas norte-irlandeses para viabilizar um governo com pequeníssima margem de manobra. Os dois partidos tradicionais e gigantes, conservadores e trabalhistas, são heterogêneos, com parlamentares desde pró-Brexit sem acordo até os mais ferrenhos defensores da UE.

Por isso que setores políticos ingleses, especialmente na oposição trabalhistas, pressionam para que a pessoa que suceder May convoque novas eleições gerais, formulando um novo parlamento que permite alguma margem de manobra, seja de um lado, seja do outro. Claro que existe um óbvio interesse partidário aqui, mas o pensamento não é de todo absurdo. A atual Câmara dos Comuns não consegue concordar com absolutamente nada.

May provavelmente ficará no cargo interinamente por algumas semanas, até o fim do processo de escolha de seu sucessor, internamente ao Partido Conservador. O favorito é o ex-prefeito de Londres Boris Johnson, um dos primeiros políticos mainstream que abraçou a ideia do Brexit, anos atrás, e que defende que a ruptura seja feita até sem acordo, caso necessário.

Nomes mais moderados são a própria Andrea Leadsom, que defende um acordo em primeiro lugar e uma ruptura sem acordo em última instância, e Jeremy Hunt, atual ministro de Relações Exteriores. Entre uma gafe e outra, ele é considerado o nome mais moderado com alguma chance de vitória, supostamente contra uma ruptura sem acordo, embora publicamente busque um discurso que viabilize sua eleição.

Cantando vitória na eleição

Junto com essa renúncia, tivemos novas eleições para o Parlamento Europeu por toda a Europa. Incluindo o Reino Unido, já que o país não saiu da UE em tempo. Teoricamente, os novos parlamentares britânicos ocuparão seus assentos até o dia 31 de outubro, novo prazo para o Brexit. A eleição europeia no Reino Unido tinha duas abordagens, como mencionado nesse espaço.

De um lado, a chacota, uma eleição vista como desperdício de dinheiro e desnecessária, já que o Reino Unido sairá em breve da UE. Por outro lado, uma espécie de “segundo referendo” sobre o Brexit, motivando o eleitorado ao comparecimento e se fazer ouvir sobre a saída ou permanência na UE. Nesse sentido, a eleição não foi um sucesso. Ao menos, não serve de parâmetro como “segundo referendo”.

O comparecimento foi de 36% do eleitorado, cerca de 17 milhões de eleitores, comparecimento similar ao da média das últimas três eleições europeias no Reino Unido, realizadas no século XXI. Em contraste, o referendo do Brexit teve 72% de comparecimento e as últimas eleições gerais contaram com 68% do eleitorado. Ou seja, embora na média de eleições europeias, um comparecimento baixo se comparado ao cenário mais amplo.

Para dificultar ainda mais uma análise no espírito de “segundo referendo”, os resultados podem ser escolhidos ao bel prazer do eleitor para cantar sucesso. A maior bancada é de um novo grupo, especificamente com essa bandeira, o Partido do Brexit, do tradicional brexiteer Nigel Farage, com 29 cadeiras. O partido substituiu e aumentou as antigas 24 cadeiras do UKIP, ex-partido de Nigel Farage, que ficou no zero.

Em seguida, os Liberais Democratas, pró-Europa de centro, com dezesseis cadeiras, em contraste ao único assento que tinham. Os trabalhistas ficaram com dez assentos, metade do que possuíam. Os verdes subiram quatro cadeiras, para sete. Os conservadores tiveram seu pior resultado na História, perdendo quinze assentos e ficando apenas com quatro. Os nacionalistas escoceses, pró-Europa, terão três assentos.

Completam a bancada partidos regionais de Gales, da esquerda norte-irlandesa, dos conservadores norte-irlandeses e pró-europeus norte-irlandeses, cada um desses quatro partidos com uma cadeira. Pensemos em dois blocos, explicitamente pró-Brexit (Brexit Party, UKIP e Unionistas Tradicionais) e explicitamente pró-UE (LibDem, Verdes, Partido Nacional Escocês, sociais-democratas irlandeses e galeses, Change UK).

Números e números

Cada bloco terá exatamente as mesmas 29 cadeiras. Os pró-Brexit dirão que foram vencedores, com a maior bancada. Os contra afirmarão que tiveram apenas seu voto mais pulverizado. Um elemento importante de se lembrar nessa disputa de narrativas é que os brexiteers eram os que tinham maior motivação ao voto nesse final de semana, teoricamente se fazendo mais presentes e em torno de uma só bandeira.

Caso pensemos na parcela do eleitorado, o mesmo bloco pró-Brexit ficou com 34,2% dos votos, enquanto o mesmo bloco pró-UE ficou na frente, com 41% dos votos. Esse seria o único fator que permite alguma ligeira conclusão sobre um segundo referendo do Brexit; seria, não é, já que o comparecimento eleitoral, repete-se, foi baixo. Sobram então os dois partidos tradicionais.

No voto popular, 13,6% dos votos foram dos trabalhistas, que, em regra, advogam por um Brexit apenas com um acordo ou por um segundo referendo. Já 9,9% dos votos ficaram com o atual governo, formado por conservadores britânicos e unionistas norte-irlandeses. Os dois gigantes, entretanto, são heterogêneos, não é razoável colocar todos esses votos em apenas um dos lados da contenda.

Por exemplo, alguns setores mais à esquerda no Partido Trabalhista defendem um Brexit; não por razões culturais ou nacionalistas, mas por críticas ao sistema financeiro e bancário da UE. Finalmente, um possível erro é ver esse voto como uma derrota total dos dois partidos tradicionais. É uma derrota? Sem dúvidas, mas explicada justamente por essa posição heterogênea no que concerne o Brexit.

Um cidadão britânico que queria explicitamente votar pelo Brexit votou no partido de Farage, enquanto um que fosse decididamente contre o Brexit optou pelos verdes ou pelos LibDem, com uma bandeira muito mais clara nesse sentido. Numa eleição nacional isso não necessariamente se repetirá. Resta saber agora quem os conservadores vão escolher para descascar esse abacaxi chamado Brexit, que já causou a saída de dois primeiros-ministros.

***

Quinta-feira, aqui nesse nosso espaço de política internacional, veremos os resultados das eleições para o Parlamento Europeu por toda a União Europeia, por hoje ficaremos no Brexit.

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