Foto: AFP PHOTO / YONHAP| Foto:

A cúpula de Hanói entre Donald Trump e Kim Jong-un não deu resultados frutíferos. Infelizmente. O evento e seus prospectos foram abordados aqui nesse espaço, exatamente uma semana atrás. Naquele momento, o maior ganhador da cúpula era o Vietnã. Continuou sendo. E, como em qualquer evento que não dá resultados, os dedos ficam apressados em serem apontados. Foi um fracasso? De quem foi a culpa desse fracasso, então?

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A cúpula começou de acordo com o programado. Ainda na quarta-feira, Trump se encontrou com o presidente vietnamita, Nguyễn Phú Trọng; como ironia do destino, a foto oficial do encontro foi defronte um busto de Ho Chi Minh, presidente do Vietnã durante a guerra contra os EUA. A antiga capital do sul, Saigon, aliado do governo de Washington, hoje leva seu nome. Quaisquer constrangimentos, entretanto, foram superados com a assinatura de polpudas vendas da indústria aeronáutica dos EUA para empresas aéreas vietnamitas.

Com Kim

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No começo da noite de quarta-feira, Trump e Kim tiveram um encontro de portas fechadas, apenas os dois, por cerca de trinta minutos. O que o presidente dos EUA e o ditador norte-coreano conversaram? Dificilmente saberemos na íntegra. O encontro foi seguido de um jantar com algumas declarações de entusiasmo e confiança. A noite de quarta-feira foi concluída com a Casa Branca reiterando que algo seria assinado no dia seguinte. Expectativas altas.

Quinta-feira, dia 28 de fevereiro. Mais um encontro em portas fechadas, com fotos para a imprensa e declarações. Pela primeira vez na História um ditador da Coreia do Norte respondeu uma pergunta feita por um repórter dos EUA. Kim chegou a pedir que a imprensa fosse dispensada após as fotos, mas Trump insistiu e incentivou que ele respondesse. Primeiro, disse que seria “bem-vinda” a proposta de uma representação permanente dos EUA em Pyongyang.

Depois, ao ser perguntado se ele estaria disposto a encerrar o programa nuclear norte-coreano, Kim respondeu “Se eu não estivesse, não estaria aqui agora”. Bom sinal, certo? Não foi o que aconteceu. Após a reunião, anúncios para a imprensa de que o almoço de trabalho estava cancelado, a comitiva de Trump deixou o hotel onde ocorriam as conversas e nada de cerimônia de assinatura de nada.

Posteriormente, duas coletivas de imprensa foram convocadas. Trump disse “Basicamente, eles queriam o fim das sanções por inteiro e nós não podemos fazer isso. Tivemos que ficar longe (literalmente ele disse “sair andando” dessa sugestão em particular.”. Já o ministro de relações exteriores norte-coreano, Ri Yong-ho, em sua própria coletiva, deu outra versão.

Afirmou que seu governo pediu pelo fim das cinco sanções impostas em 2016 e em 2017, fim do governo Obama e início do governo Trump. São as sanções contra o comércio norte-coreano, que afetam a balança comercial, a importação de alimentos e a exportação de carvão mineral. Ou seja, as sanções que afetam não apenas o programa nuclear e as forças armadas do país, mas também sua população.

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Em troca, segundo ele, a Coreia do Norte ofereceu o desmonte da usina nuclear de Yongbyon, onde o país enriquece material físsil e combustível nuclear, sob supervisão dos EUA, além de garantias por escrito do fim de testes de mísseis balísticos. Basicamente eram as cartas que já estavam na mesa, com possibilidades pré-determinadas.  

Fracasso? Culpa de quem?   

O fato é que não será agora, uma semana depois, que saberemos de todos os detalhes dessas conversas e o que realmente aconteceu; isso se tais materiais um dia se tornarem públicos. Pode-se especular e obter-se fragmentos de informações de diversas fontes, mas, quem disser que sabe exatamente o que se passou nessas reuniões está mentindo. Na melhor das hipóteses, não vai conseguir provar o que sabe.

Para John Bolton, o assessor de segurança nacional de Trump, a cúpula não foi um fracasso. Curiosamente é sobre ele que recai boa parte da desconfiança, inclusive dessa coluna. Ele é o falcão dos falcões, o mais exacerbado dentre os integrantes belicistas do aparato de Estado em Washington. Ele não é sutil em planejar um cerco e um conflito com o Irã. É nessa lógica, inclusive, que ele trabalha a aproximação com a Coreia, como já explicado aqui.

Bolton considerava que Trump estava cedendo demais em troca de pouco. E, novamente, sutileza não é seu estilo. Suas declarações agressivas e impositoras após a cúpula em Singapura desagradaram Pyongyang. Para evitar que seu chefe, seduzido pela “relação apaixonada” com Kim (palavras de Trump), pudesse ceder demais, é bastante provável que Bolton tenha pesado a mão na mesa de negociação.

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Talvez colocado a necessidade de um inventário completo do arsenal nuclear norte-coreano. Talvez a entrega imediata desse arsenal. Quiçá tenha mencionado armas químicas e biológicas. O fato é que o fim abrupto das conversas combina com o estilo de Bolton e sua postura impositiva, não com o cauteloso Pompeo ou com o ator mais interessado no sucesso das conversas, Trump.

Claro que a responsabilidade recaiu sobre os ombros de Trump perante quase a totalidade da imprensa e boa parte dos comentaristas de política internacional. A crítica mais comum foi uma comparação com a negociação comercial com a China, feita de maneira discreta, com reuniões frequentes entre diplomatas profissionais, comendo pelas beiradas, sem grandes frustrações públicas como a cúpula com Kim.

Essa crítica é injusta e desproporcional. A China é um Estado gigantesco. Xi Jinping é seu líder inconteste, mas não um rei absoluto. O aparato estatal chinês faz com que diversas engrenagens precisem ser movimentadas. Além disso, um acordo comercial é muito minucioso, abrangendo diversos produtos, especificidades, tarifas, barreiras não-tarifárias.

Esse não é o caso da Coreia do Norte, e Trump sabe disso. A negociação com a Coreia do Norte se resume ao negociar com Kim Jong-un. Um acordo com ele é um acordo com o Estado. Uma conversa direta em uma cúpula do mais alto nível de representatividade de fato pode ser o caminho mais eficaz. Trump talvez pudesse usar mais os canais diplomáticos profissionais com a Coreia do Norte? Talvez. É um caso comparável ao da China? Não, o que faz a crítica sem propósito.    

E agora?

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Discorda-se de Bolton de que a cúpula não foi um fracasso. Ela foi, especialmente por causa das expectativas que o próprio governo dos EUA criou. Nada foi assinado. Pode-se ter aprendido algo dessa cúpula, como a necessidade de melhoria de propostas, que não seria absorvido via os canais diplomáticos convencionais. Pode também restar a lição, para Trump, de não querer fechar um acordo completo e abrangente de uma vez.

Nesse campo das possibilidades, novamente, se especula. Não sabemos o que aconteceu. As conclusões são duas. A primeira, já dita, de manter negociações de alto nível, diretamente com Kim, o senhor dos mares e das terras na Coreia do Norte. Não é como negociar com um Estado grande como o chinês ou com uma democracia cujos representantes eleitos podem mudar.

A segunda é a mais importante, e o cenário aventado no texto anterior sobre o tema. É imprescindível que não deixem as negociações perder o ímpeto. Em breve Trump estará focado em temas internos e nas vindouras eleições. Kim precisará, então, de outras abordagens ou de outros parceiros. Trump correrá o risco de parecer que foi tapeado por Kim, e Kim correrá o risco de se tornar mais um tiranete habituado em contornar sanções. É levantar, sacudir a poeira e começar a planejar mais uma rodada de conversas.