lex Edelman/AFP| Foto:

“A principal razão para eu nunca ter acreditado na tese do conluio com a Rússia foi que a acusação partiu da esquerda. E a esquerda mente sobre tudo” (Dennis Prager)

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Foram quase dois anos. Mais precisamente, 675 dias. Depois de 2800 intimações, 500 testemunhas ouvidas, 500 mandados de busca e apreensão expedidos, 230 quebras de sigilo telefônico, uma dezena de solicitações de informações a governos estrangeiros, 19 advogados e 40 agentes do FBI mobilizados, num custo total de US$ 13 milhões ao contribuinte americano, o procurador especial Robert Mueller, responsável por investigar a acusação de que Donald Trump havia conspirado com o governo russo para vencer a eleição, concluiu o seu relatório. O procurador-geral Robert Barr, que o recebeu na última sexta-feira (22/03), enviou ao Congresso uma carta com o resumo das conclusões: “O Conselho Especial [criado para investigar o presidente] não descobriu que a campanha de Trump, ou qualquer pessoa a ela vinculada, conspirou ou se articulou com o governo russo para influenciar as eleições presidenciais de 2016”.

O documento vale como a certidão de óbito da narrativa desesperada à qual, ao longo de todo esse tempo, e de maneira absolutamente irresponsável, o Partido Democrata e seus sicofantas na grande imprensa (CNN, MSNBC, The New York Times, Washington Post, entre outros) e no show business (a elite de Hollywood, em especial) se agarraram na tentativa de impichar e até prender o presidente Republicano, vingando-se assim da humilhante derrota eleitoral de 2016, que até hoje se recusam a aceitar. Pois a verdade é que, tal como cá, no Brasil, quase não há trabalhadores no partido que os exibe no nome, também na América são raros os democratas autênticos no partido do burrico. Para eles, a democracia só é válida quando os seus candidatos se elegem. Se madame Clinton não ganhara, só podia ter havido algo de muito errado no processo eleitoral.

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Agora morta e enterrada (embora ainda não exumada), a lenda do Russiagate – pela qual, eternamente nostálgicos do caso Watergate, quando a imprensa americana viveu dias de glória, os jornalistas pretendiam voltar a derrubar um presidente – começou a ser gestada em meados de 2016. Nesse ano, o Comitê Nacional do Partido Democrata e a campanha de Hillary Clinton financiaram um obscuro dossiê organizado pelo ex-espião britânico Christopher Steele, que comprometia Trump e alguns de seus assessores (Carter Page, Michael Cohen, Roger Stone, entre outros), sugerindo relações promíscuas com o governo e o serviço de inteligência russos. Entre os fatos escandalosos relatados por Steele (supostamente usados pela espionagem russa para chantagear o candidato republicano), consta a famosa história segundo a qual, no ano de 2013, Trump contratou prostitutas para urinar na cama usada por Barack e Michelle Obama numa suíte do Hotel Ritz em Moscou.

Já em 2016, o conteúdo do dossiê vazou do FBI (então dirigido por James Comey, que viria a ser demitido por Trump), começando a aparecer, de início timidamente, em sites e portais de notícias. Uma matéria do Yahoo, por exemplo, chegou a ser usada para fundamentar um mandado de vigilância expedido pelo tribunal da FISA (Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira) contra Carter Page, ex-assessor de política externa de Trump. Mas foi somente no começo de 2017 que surgiu o pretexto para a divulgação completa do material, quando quatro oficiais de inteligência entregaram cópias do dossiê tanto para o recém-eleito Trump, quanto para o derrotado Obama.

Em poucos dias, toda a imprensa de Washington já tinha acesso à informação sigilosa, vendo nela o pretexto de que precisava para repercutir de vez o dossiê. A CNN deu a partida, e o site Buzzfeed levou a coisa adiante, ao tomar a irresponsável decisão editorial (da qual se orgulha até hoje) de divulgar o dossiê na íntegra, mesmo sem verificar-lhe a autenticidade, e apesar de reconhecer nele a existência de erros factuais. Para piorar, nenhum profissional do establishment midiático pareceu demonstrar o mais mínimo incômodo com o fato de que o dossiê fora patrocinado por opositores políticos do presidente. O que nem chega a surpreender, já que os próprios jornalistas se tornaram opositores. Se o material tinha o potencial de comprometer Donald Trump, tudo passava a ser permitido.

A partir daquele momento, não houve um dia sequer em que a grande imprensa americana – que, à exceção da Fox News, hoje não passa da central de propaganda do Partido Democrata – não martelasse obsessivamente a teoria do conluio Trump-Rússia. Qualquer indício de veracidade das informações contidas no dossiê Steele ganhava manchetes em letras garrafais. Toda informação que desmentisse o seu conteúdo simplesmente desaparecia do noticiário.

Quando, em maio de 2017, o promotor Robert Mueller substituiu James Comey no comando das investigações, chamadas sensacionalistas tais como “Bomba!”, “O cerco está se fechando sobre Donald Trump” e “É o começo do fim de seu mandato” inundaram jornais, revistas e telejornais (ver essa divertida compilação no You Tube). Naquele mesmo mês, a revista Time lançou uma capa simbólica, em que a fachada da Casa Branca aparecia sendo coberta pela fachada do Kremlin. “Trump está comprometido com a Rússia” – era o título categórico de um editorial do The New York Times, que resume bem a postura da grande mídia. Já não se admitia qualquer dúvida: Trump era um fantoche de Putin, e as eleições presidenciais foram ilegítimas. O impeachment parecia inevitável.

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Robert Mueller passou a ser divinizado, tratado como o depositário de todas as esperanças esquerdistas, uma espécie de anjo vingador cuja revelação, finalmente, libertaria o país do pesadelo trumpista. Diante de qualquer manifestação de ceticismo, apontava-se o procurador como oráculo e fiador da verdade. “É bom ter sempre em mente que Mueller sabe muito mais do que mostrou até aqui” – fantasiou Dan Rather, o veterano da CBS. “O que Robert Mueller sabe e não nos conta?” – foi a pergunta ansiosa da revista Wire. “Não sabemos nada; Mueller sabe tudo” – proclamou, com fé ardorosa, o portal Axios. Desde então, esse foi o mantra auto-hipnótico repetido por multidões de fiéis esquerdistas em transe: Mueller sabe!

Velas votivas com o rosto do procurador começaram a ser comercializadas, bem como bonecos, canecas e pôsteres nos quais era retratado como santo. Uma matéria da Vanity Fair se propunha a explicar “como Mueller conquistou os corações da América”. No programa humorístico Saturday Night Live, um coro formado pelo elenco feminino fez uma paródia da canção natalina All I Want For Christmas Is You, sucesso de Mariah Carey. O “You”, no caso, era Mueller. Uma das cantoras dizia: “Não preciso de um impeachment completo, apenas um pouco de diversão. Por favor, não nos chame de loucas, e acuse ao menos o seu filho mais velho”.

Tratava-se, é claro, de uma piada, mas daquelas que encobrem um fundo de verdade. Para a esquerda americana, o assunto era sério demais para ter graça, e não se faz humor de qualidade quando se está tão tenso. O que era para ser comédia soou mais como súplica. E com a súplica ignorada pelas divindades do panteão progressista, o mundo da imprensa caiu. Mas o investimento jornalístico na mentira já havia sido grande demais para que recuassem agora.

Com a provável exceção do portal The Hill – que publicou um pedido formal de desculpas ao presidente –, a grande imprensa demonstrou obstinação no erro, dispondo-se, mais uma vez, a redobrar a aposta. Num paroxismo de negação, que beira o estado de choque traumático, o The New York Times publicou um artigo com o significativo título “Não precisamos ler o relatório Mueller”, no qual, a despeito dos fatos, se reafirmava a culpa de Trump. Na MSNBC, o âncora Chris Matthews descontrolou-se com o que julgou ser uma atitude leniente de Mueller: “Como deixaram Trump se safar? Como pôde acontecer?”. E, em toda parte, houve mais choro e ranger de dentes. O divino Mueller, aquele que sabia o que ninguém mais sabia, passou a ser o “Deus que traiu os Democratas” – como sugeriu Edward Luce, do Financial Times.

Para jornalistas mais honestos, e intelectualmente mais livres, o total colapso midiático não passou despercebido. É o caso de Matt Taibbi, insuspeito de qualquer simpatia por Trump (a quem, em livro, chegou a qualificar como insano e palhaço). “Ninguém está disposto a ouvir a verdade” – escreveu o repórter da Rolling Stone –, “mas a notícia de que o procurador especial Robert Mueller foi para casa sem indiciar mais ninguém é um golpe fatal na reputação da grande imprensa americana”. De Sean Davis, que no The Wall Street Journal descreveu a conclusão da investigação como “um fracasso midiático catastrófico”. De Brit Hume, veterano analista político da Fox News, que a definiu como o “pior fiasco jornalístico” da sua vida. E de Rick Moran, editor do blog PJ Media’s, que a chamou de “o mais épico desastre midiático da história americana”.

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O jornalismo internacional brasileiro, por sua vez, resolveu passar vergonha por procuração. Como nossos correspondentes pouco fazem além de repetir automaticamente o que leem ou assistem na grande imprensa americana (na CNN e no The New York Times, basicamente), não surpreende que tenham repercutido acriticamente a narrativa fraudulenta e golpista do Partido Democrata. Se, durante a campanha presidencial americana, vigorou aquilo que chamei de “A regra de ouro de Gioconda Brasil” – a repórter da Globo que, corajosamente, confessou não haver no país cobertura jornalística das eleições americanas, mas apenas torcida pela vitória de Hillary Clinton –, era esperado que a paixão antitrumpista fosse se prolongar ao longo de sua presidência, e que, portanto, a farsa do Russiagate servisse para inflamá-la.

Daí que as manchetes brasileiras replicassem, esperançosas, as da imprensa pró-Democratas. “O cerco a Trump: novo escândalo envolvendo o presidente dos EUA reaviva debate sobre impeachment” – sentenciou a Folha em editorial. “Investigação de procurador especial Mueller fecha cerco a Trump” – foi a chamada da Isto É, que informava no corpo da matéria: “O presidente americano, Donald Trump, está ficando sem margem para evitar um possível impeachment ou que os membros de sua família sejam levados a julgamento, afirmam especialistas em legislação”. A revista Época embarcou na mistificação de Mueller, estampando no título: “Robert Mueller: O supercop americano”. E no lead: “Procurador encarregado de investigar as ligações maliciosas entre Donald Trump e a Rússia apavora a Casa Branca com suas primeiras denúncias”. Por sua vez, a revista Veja optou pela manchete “‘Russiagate’: Todos os homens do presidente Trump”.

Mas os jornalistas internacionais do Brasil não se restringiram a manchetes e noticiários. Também nas redes sociais, alguns deles manifestaram a sua visão pessoal do caso – sempre, é claro, presumindo a culpa de Trump. Foi o caso de Marcelo Lins, da Globo News, que tuitou: “Em visita ao Vietnã, Trump diz que acredita que Putin acredita que a Rússia não interferiu na eleição americana. Dá pra (sic) acreditar?”. E de sua colega Sandra Coutinho, que confiou cegamente na palavra de John Brennan, um agente obamista dentro da CIA: “O ex-diretor da CIA não tem dúvidas. John Brennan afirma que houve conspiração com a Rússia pra (sic) eleger Trump”.

Há que se dizer com todas as letras, portanto: a paixão antitrumpista fez com que a imprensa brasileira mentisse ao leitor, ao negar ao presidente americano o princípio da presunção de inocência, e tratar uma investigação politicamente contaminada, baseada em evidências frágeis, como certeza de condenação. Caio Blinder, por exemplo, um dos que mais fichas apostou na farsa do Russiagate, chegou ao ponto de se indignar com o fato de que Trump ousasse se defender das acusações: “Com seus ataques constantes contra o FBI e a própria investigação de Mueller, Trump fez o que os russos queriam. No entanto, é cada vez mais fora de propósito ele esbravejar que a investigação é uma caça às bruxas e uma fraude arquitetada pelos democratas”. Agora, com a confirmação de que se tratava mesmo de “caça às bruxas” e “fraude arquitetada pelos democratas”, Blinder entrou em estado de negação, alegando que, por ter simplesmente feito o seu trabalho, a imprensa não deve pedir desculpas, que “Trump não se tornou melhor depois do Relatório Mueller”, e que os Democratas ainda podem decidir pedir o impeachment. Chega a ser comovente e (para amigos e familiares do jornalista, imagino) preocupante.

Quando falo em paixão antitrumpista, portanto, não o faço de maneira figurada. Para notar o quão literal e intensa ela é, basta lembrar do comportamento aberrante de alguns de nossos repórteres e comentaristas políticos. Como Arnaldo Jabor, por exemplo, que confessou ter ficado “doente” com a vitória de Trump. Ou Carolina Cimenti, que deixou escapar um palavrão em reação a uma fala do então candidato republicano. Ou (talvez o caso mais grave) Lucas Mendes, que, dias após a eleição, gravou um vídeo constrangedor, quase delirante, em que acusava a metade trumpista do país (uma metade, segundo ele, “mais zangada e menos educada”) de querer um país “mais branco, movido a petróleo e a carvão; com menos impostos para os ricos, e menos verba para os pobres; um Judiciário contra gays, feministas, ambientalistas, direitos sociais e raciais”… A derrota de Hillary Clinton, segundo Mendes, fora “o dia mais triste e mais trágico da história americana desde o 11 de Setembro”.

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No programa Manhattan Connection que se seguiu à eleição – e que, significativamente, abriu com uma animação na qual Trump e Putin apareciam dançando uma valsa –, o âncora mineiro continuou chorando as pitangas. A certa altura, não conteve a emoção e declarou em tom confessional: “Eu nunca imaginei que fosse terminar minha carreira falando em presidente Trump. É uma depressão terrível… A eleição de Obama foi um dos melhores dias da minha vida. Eu dei sorte de caminhar neste planeta junto com ele. E agora a eleição do Trump é um dos piores dias da minha vida”.

Há como confiar nas informações de jornalistas num tal estado emocional histerioforme? Como acreditar que esses profissionais estejam sendo criteriosos e prudentes no tratamento das notícias, como seria o seu dever de ofício? O que esperar de repórteres e comentaristas que ficam doentes, deprimidos ou furiosos em relação ao seu objeto de cobertura, e que, para piorar, não se envergonham nem um pouco de confessá-lo? Tudo menos jornalismo, decerto.

O comportamento da imprensa brasileira em relação a Trump não difere muito daquele que, dentro de casa, adota em relação a Bolsonaro. Em ambos os casos, o chefe de Estado é tratado como inimigo político, como alguém que jamais deveria estar onde está, e cuja eleição é, ela mesma, escandalosa e inaceitável. Não por acaso, ainda no período eleitoral, tivemos aqui a nossa versão do Russiagate – aquilo que poderíamos chamar de “WhatsAppgate”.

Se o leitor não está lembrado, trata-se da matéria da Folha de S. Paulo (escrita por uma repórter confessadamente petista), que, sem apresentar provas, buscava vincular a campanha de Bolsonaro a um esquema ilegal de disparo de mensagens em massa via WhatsApp. O objetivo era semelhante ao da imprensa pró-Democratas nos EUA: deslegitimar a vitória do candidato do PSL, que, para o total desespero da imprensa, àquela altura já se tinha por líquida e certa. Embora o factoide tenha sido desmentido pelos fatos, ainda não se viu sinal de mea culpa por parte dos responsáveis.

É esse comportamento deletério de nossos jornalistas – e não pretensos “ataques orquestrados” nas redes sociais – o grande responsável pela falta de confiança da sociedade na imprensa, uma realidade confirmada pelos dados da última pesquisa CNT/MTDA. O único alento para o público é que, muito embora tenha se tornado padrão, ele vem incomodando os poucos jornalistas sérios sobreviventes ao colapso ético da mídia, jornalistas como o veterano J. R. Guzzo, que observou numa de suas mais recentes colunas na Veja, e com quem encerro este artigo: “Os meios de comunicação deste país odeiam o presidente da República, seus ministros, seus generais, seus programas, seus valores, suas crenças, seus defeitos e suas virtudes; odeiam, sobretudo, que cerca de 60 milhões de eleitores tenham colocado Bolsonaro na Presidência por estarem a favor das posturas que ele defende… O fato, comprovado pela memória digital onde tudo se grava, é que a mídia nacional resolveu participar da campanha eleitoral de 2018 tomando partido contra a candidatura de Bolsonaro – e contra a maioria do público, também. Perdeu as eleições, já que o eleitorado decidiu fazer precisamente o oposto do que os comunicadores queriam que fizesse. A essa altura, em vez de parar um pouco para perguntar se não havia nada a corrigir no roteiro seguido até ali, a imprensa dobrou a aposta. Ficou ainda mais brava do que já estava durante a campanha; desde a eleição, trata o governo Bolsonaro como ilegítimo. Não há sinais de que nada disso vá mudar nos próximos quatro anos”.

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