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Nikita Kruschev, Fidel Castro e Leonid Brejnev (respectivamente, segundo, terceiro e quarto da esquerda para a direita) durante visita do ditador cubano a Moscou, em 1963.
Nikita Kruschev, Fidel Castro e Leonid Brejnev (respectivamente, segundo, terceiro e quarto da esquerda para a direita) durante visita do ditador cubano a Moscou, em 1963.| Foto: EFE

“Tenho observado com horror as ligações crescentes em muitas áreas entre os três grupos: os grupos políticos revolucionários, que são, em sua maioria, marxistas-leninistas, ansiosos por criar um estado subordinado à União Soviética ou a um de seus Estados substitutos, como Cuba; os narcotraficantes, que precisam da proteção que esses grupos revolucionários podem dar-lhes e estão dispostos a pagar por ela, e, de fato, estão dispostos a financiar as revoluções políticas com o produto do tráfico de drogas; e, depois, os traficantes de armas, as pessoas envolvidas na passagem ilegal de armas para grupos revolucionários e traficantes de narcóticos.” (Ray Cline, ex-vice-diretor de inteligência da CIA)

Em 1962, Nikita Kruschev organizou em Moscou uma reunião com representantes dos Estados-satélite, incluindo os primeiros secretários dos Partidos Comunistas locais, os ministros do Interior, os ministros da Defesa, os comandantes de Estado-Maior e assistentes especiais. O objetivo formal era discutir os problemas crônicos das economias socialistas. O objetivo real, altamente sigiloso, era estender aos satélites a operação soviética de narcóticos, uma vertente especial da grande estratégia de subverter, desestabilizar e desmoralizar o “grande inimigo” – os EUA e todo o Ocidente capitalista.

Além de Kruschev, representando a URSS estiveram presentes Leonid Brejnev (então no comando do Presidium do Soviete Supremo), Mikhail Suslov (também membro destacado do Presidium, e um dos principais ideólogos comunistas da era Kruschev) e Andrei Kirilenko (nomeado por Kruschev vice-presidente do gabinete do Comitê Central do PCUS). Nessa importante reunião, Kruschev descreveu o uso ardiloso que, na China, Mao Tse-tung já vinha fazendo do narcotráfico, concebido simultaneamente como fonte de recursos para o movimento comunista e fator de desestabilização social do inimigo. Diante dos camaradas do Leste europeu, Kruschev explicou seu propósito de não permitir que os maoístas monopolizassem esse mercado mundial. Se, por um lado, como admitia o líder supremo soviético, os comunistas chineses eram espertos e criativos, os serviços de inteligência do bloco soviético eram, em compensação, muito mais preparados para o serviço. “Devemos nos mover o mais rápido possível para usar as drogas e os narcóticos tanto para aleijar a sociedade capitalista quanto para financiar mais atividades revolucionárias”, disse Kruschev na ocasião.

A estratégia soviética de narcóticos foi considerada extremamente sensível, objeto da mais alta classificação de sigilo e segurança

Alguns camaradas – a exemplo de Janos Kadar, primeiro secretário do Partido Comunista da Hungria – temiam que a operação de drogas pudesse pôr em xeque a estratégia de “coexistência pacífica” (de fachada) com o Ocidente. Deve-se lembrar que, àquela altura, baseados na ingênua crença liberal de que o desenvolvimento econômico e tecnocientífico abriria o caminho para a liberalização política dos regimes comunistas (e eventualmente desinformados por agentes soviéticos infiltrados nas altas esferas do poder), países como EUA e Inglaterra haviam começado a transferir muita tecnologia, dinheiro e know how científico para a URSS (ver, sobre o assunto, a série de livros do historiador Antony Sutton).

A solução adotada na reunião foi que, como locais de execução das operações, fossem escolhidos países do Terceiro Mundo fora do radar imediato da segurança nacional americana. O objetivo era manter uma distância segura entre o bloco soviético e o funcionamento efetivo das operações de narcóticos. Em toda a América Latina, os agentes de inteligência do bloco soviético (com destaque para os tchecos), conquanto exercessem um controle absoluto das operações, permaneciam discretamente nos bastidores, delegando ao pessoal nativo a execução e manejo do negócio.

Outros camaradas levantaram dúvidas sobre o estatuto moral da estratégia, e de como ela seria enquadrada doutrinariamente. O secretário geral do PCUS reforçou, então, as muitas vantagens da estratégia. Em primeiro lugar, o comércio de drogas seria uma extraordinária fonte de renda (e de câmbio) para financiar operações de inteligência mundo afora. Além disso, as drogas serviriam para debilitar o fator humano do inimigo em situações de defesa, tanto militar quanto civilizacional. O possível impacto da epidemia de narcóticos na educação, na ética e na formação dos jovens ocidentais também foi mencionado. “Quando discutimos essa estratégia” – recordaria Kruschev mais tarde –, “havia alguns preocupados que a operação pudesse ser imoral. Mas devemos declarar categoricamente que qualquer coisa que acelere a destruição do capitalismo é moral”.

O já mencionado general tcheco Jan Sejna, principal fonte usada por Joseph Douglass para escrever Red Cocaine: the drugging of America and the West, esteve presente à reunião. E conta como, mais tarde, depois de alguns drinques, o secretário-geral do PCUS cutucou-o com o cotovelo e, com olhar radiante, revelou-lhe o nome secreto da operação soviética de tráfico de drogas, numa ironia que era puro Kruschev: Druzhba Narodov – “Amizade das Nações”.

A reunião em Moscou foi um evento histórico e decisivo para os rumos do planeta. A estratégia soviética de narcóticos foi considerada extremamente sensível, objeto da mais alta classificação de sigilo e segurança. Só um grupo reduzidíssimo de membros da Nomenklatura – dentre eles o general Sejna – tinha conhecimento total da operação. Em seguida à reunião de 1962, que inaugurou oficialmente a operação, toda coordenação e cooperação foram tratadas em bases bilaterais, com instruções passadas individualmente pela KGB e pelo Departamento Internacional do Comitê Central do PCUS a cada um dos serviços secretos dos Estados-satélites.

Em setembro de 1963, um ano após aquela primeira reunião fatídica, as lideranças do bloco soviético voltaram a se reunir em Moscou para uma revisão do plano e formulação das metas para o ano seguinte. O orador de destaque foi o já citado Mikhail Suslov, ideólogo-chefe do PCUS e um dos principais oficiais no desenvolvimento de planos estratégicos. Após avaliar que a decisão tomada anteriormente sobre o narcotráfico fora extremamente acertada, Suslov explicou que as drogas eram o principal instrumento para a desmoralização do Ocidente. Quando a “epidemia rosa” – a mistura de cores entre o branco da cocaína e o vermelho do comunismo – varresse o continente americano de norte a sul, a situação estaria propícia para a revolução.

Foi Fidel Castro quem, emulando perfeitamente Kruschev, deu ao amigo Hugo Chávez a justificativa moral para a transformação da Venezuela numa narcoditadura socialista

Um dos pontos sobre os quais Suslov mais insistiu no encontro de 1963 foi também a importância de Cuba como centro operacional do narcotráfico e da formação de terroristas revolucionários (disfarçados de militantes por libertação nacional) no continente. E Fidel Castro comprou o projeto soviético. Como explica Leonardo Coutinho em Hugo Chávez, o espectro, foi Castro quem, emulando perfeitamente Kruschev, deu ao amigo Hugo Chávez a justificativa moral para a transformação da Venezuela numa narcoditadura socialista, fruto da parceria entre o chavismo e as Farc, maiores produtores de cocaína do continente, e parceiros políticos dos partidos do Foro de São Paulo, entre eles o PT. Escreve Coutinho:

“Um ex-militar que fez parte do círculo do presidente Hugo Chávez contou que a justificativa moral para o uso do aparato estatal em favor do narcotráfico foi ensinada por Fidel Castro. Em uma visita a Havana, o presidente venezuelano revelou ao ditador cubano sua disposição em dar suporte às Farc. No entanto, havia o inconveniente da cocaína. Fidel, sem titubear, corrigiu o discípulo. Disse que a cocaína não era um problema, e sim um instrumento de luta contra o imperialismo. De forma didática, o cubano convenceu Chávez de que, ao oferecer apoio total e irrestrito aos colombianos, não só fomentaria a revolução no país vizinho como causaria danos aos Estados Unidos. O incremento do tráfico, ensinou Fidel, obrigaria os americanos a gastar mais dinheiro com as ações de repressão e com os tratamentos dos adictos.”

Seguiremos daí no próximo artigo.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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