Estátua do revolucionário comunista Vladimir Lenin, feita pelo escultor búlgaro Emil Venkov, em Seattle, estado de Washington (EUA)| Foto: Biblioteca do Congresso Americano
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“Veja bem, o mundo é governado por personagens muito diferentes do que imagina quem ignora os bastidores do poder” (Benjamin Disraeli, 1844)

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Terminamos o artigo da semana passada mostrando que, no final dos anos 1980, a aproximação entre o Ocidente e a URSS não se deu apenas por intermédio das forças políticas europeias assumidamente de esquerda. Do processo participou também uma boa parcela da elite financeira e política do mundo capitalista, inclusive americana.

Com efeito, tudo se passou como se a Nomenklatura soviética e os globalistas ocidentais tivessem, tacitamente, chegado à conclusão comum de que, no rescaldo da Guerra Fria, seria necessário criar alguma forma de síntese entre o dinamismo econômico do capitalismo liberal e a eficiente tecnologia de controle social e imposição de consenso manejada pelos regimes comunistas.

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É claro que, para quem tenha se informado sobre Guerra Fria apenas por apostilas escolares, a tese de uma convergência entre o comunismo soviético e o “grande capital” do Ocidente parecerá excêntrica. Tendo assimilado a versão de manual segundo a qual comunismo e capitalismo são anátemas essenciais, esses leitores ingênuos não serão capazes de assimilar a realidade tal como se apresenta para além de sua definição enciclopédica.

Quem, por outro lado, conheça ao menos os trabalhos do historiador britânico Anthony Sutton – em especial os livros Wall Street and the Bolshevik Revolution (1974) e The Best Enemy Money Can Buy (1986) – há de estar informado, por exemplo, de que a revolução bolchevique de outubro de 1917 foi, em parte, impulsionada por grandes financistas de Wall Street, interessados na queda do czar por razões mercadológicas. Sutton apresenta, inclusive, evidências de que a própria viagem de Trotsky de Nova York até a Rússia às vésperas da revolução possa ter sido patrocinada pelo banqueiro teuto-americano Jacob Schiff.

Embora, como dissemos, essa interpretação possa soar inverossímil ao senso comum contemporâneo, ela era até banal no início do século 20. Prova disso, por exemplo, é a charge que o cartunista Robert Minor (ele próprio membro do Partido Comunista Americano) publicou em 1911 no jornal St. Louis Post-Dispatch. Nela, Karl Marx era retratado chegando em Wall Street com um livro intitulado “Socialismo” embaixo do braço. Ali, no coração financeiro da América, o pai do comunismo era saudado com entusiasmo por megacapitalistas tais como John D. Rockefeller, J. P. Morgan, John D. Ryan e George W. Perkins, além do ex-presidente Theodore Roosevelt.

Uma década depois, H. G. Wells também comentaria sobre a simbiose, em tese paradoxal, entre o grande capital e o comunismo. Em seu livro Russia in the Shadows (1921), escrevia com clarividência o consagrado romancista britânico: “O grande negócio não é, de forma alguma, antipático ao comunismo. Quanto mais ele cresce, mais se aproxima do coletivismo”.

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Mas talvez um dos sinais mais evidentes daquela simbiose – e, particularmente, do interesse da elite globalista ocidental pela tecnologia comunista de controle político – tenha sido o artigo altamente elogioso que, em 10 de agosto de 1973, o banqueiro e filantropo David Rockefeller dedicou a Mao Tse-tung no The New York Times. Dizendo-se particularmente bem impressionado com o “senso de harmonia nacional” vigente na China maoísta, o herdeiro de uma das dinastias mais poderosas do planeta tecia loas ao sucesso da revolução em “produzir uma administração mais eficiente” e “incutir na população um moral elevado e uma comunhão de propósitos”.

Um mês antes da publicação daquele artigo, em julho de 1973, Rockefeller havia fundado, junto com o acadêmico Zbigniew Brzezinski (que, mais tarde, viria a ser Conselheiro de Segurança Nacional de Jimmy Carter), a Comissão Trilateral, uma espécie de força-tarefa do famoso think thank globalista Council of Foreign Relations (sobre o qual já falamos em artigos anteriores). Embora se tratasse formalmente de uma entidade privada, e assim fosse apresentada por seus membros (figuras influentes dos EUA, da Europa e do Japão), o objetivo da Comissão Trilateral (e a própria ideia de “comissão” soa estranha para uma organização privada) era influenciar políticas públicas em todo o mundo, orientando-as segundo a cosmovisão de seus fundadores, que consistia basicamente na utopia de uma nova ordem mundial em que os estados-nação abdicassem totalmente de sua soberania em favor das decisões “técnicas e científicas” tomadas por “autoridades especializadas” (não-eleitas) de organizações supranacionais como ONU, Unesco, OMS etc.

A ideologia da Comissão Trilateral – que, desde a sua criação, já vem agindo nas sombras como um protótipo do governo mundial projetado por seus integrantes – havia sido antecipada por Brzezinski no livro Between Two Ages: America’s Role in the Technetronic Era (1970), no qual o intelectual orgânico do globalismo expunha a sua filosofia positivista-teleológica da história. Nas palavras do autor: “Hoje, está claro que o velho arcabouço da política internacional – com suas esferas de influência, suas alianças militares entre estados-nação, sua ficção de soberania e seus conflitos doutrinais oriundos da crise do século 19 – já não é compatível com a realidade” (grifos meus).

Não é, pois, de surpreender que, tal como consta nos arquivos do Politburo soviético examinados pelo dissidente Vladimir Bukovsky em obra por mim referida no artigo anterior, em 18 de janeiro de 1989 uma delegação da Comissão Trilateral (formada por ninguém menos que o próprio David Rockefeller, Henry Kissinger, o ex-primeiro-ministro japonês Yasuhiro Nakasone e o ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing, e mais tarde presidente da Convenção para o Futuro da Europa, que redigiu o projeto de Constituição Europeia) tenha ido visitar Gorbachev em Moscou no dia 18 de janeiro de 1989. O objetivo declarado? Incentivar os soviéticos a se integrar na economia mundial e nas instituições financeiras (GATT, FMI etc.).

Mas, é claro, a conversa entre capitalistas e comunistas na capital russa evoluiu para muito além daquele assunto. Dos detalhes desse encontro, todavia, bem como da campanha globalista conduzida por Gorbachev e Shevardnadze no contexto da perestroika, falaremos no próximo artigo.

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