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Ministro Alexandre de Moraes, autor do pedido de prisão do ex-deputado Roberto Jefferson.
Ministro Alexandre de Moraes, autor do pedido de prisão do ex-deputado Roberto Jefferson.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A prisão de Roberto Jefferson foi um dos acontecimentos marcantes na política brasileira dos últimos dias. Mais que isso, foi um novo patamar estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal em sua missão de acabar com a liberdade de expressão dos brasileiros.

Eu não gosto de Roberto Jefferson. Acho-o um oportunista corrupto, que tenta surfar em toda e qualquer onda política que lhe pareça vantajosa. Além disso, as falas que o colocaram na mira de Alexandre de Moraes são, em sua grande maioria, de conteúdo imbecil e cheias de incitações e ataques difamatórios a outras pessoas. No entanto, tudo que Roberto Jefferson disse não passa de sua opinião declarada sobre determinados assuntos e, sendo assim, não há cabimento em prendê-lo por tal “crime”.

O Brasil, portanto, entrou para o grupo de países que prendem pessoas por crime de opinião, por falarem. No dia seguinte à prisão, fui tecer comentários em um grupo de WhatsApp onde se discute política brasileira. Ouvi, como contraponto à minha defesa de liberdade de expressão, que Charles Manson foi preso nos Estados Unidos – o país da Primeira Emenda – por incitar assassinatos, e que pela minha lógica um líder radical islâmico estaria exercendo sua liberdade de expressão ao conclamar uma jihad.

O Brasil entrou para o grupo de países que prendem pessoas por crime de opinião, por falarem

Será que é possível mesmo equiparar o discurso de Roberto Jefferson com aquilo que levou à condenação de Manson? Ou, então, podemos colocar o político brasileiro no patamar de um aiatolá? Obviamente que não.

Charles Manson fundou um culto apocalíptico que ficou conhecido como Família Manson. Suas previsões incluíam uma guerra entre raças nos Estados Unidos, que terminaria com a morte de todos os brancos pelas mãos de uma insurreição negra. Ele e seus seguidores seriam poupados da morte porque os negros precisariam de um mestre branco, e esse mestre era obviamente Manson. Dentre os seguidores de Manson, quatro ficaram famosos por terem participado do assassinato de sete pessoas, incluindo o da atriz Sharon Tate: Charles Watson, Leslie Van Houten, Susan Atkins and Patricia Krenwinkel.

O julgamento desses crimes começou em 15 de julho de 1970. Durou nove meses e meio, gerou 209 volumes de transcrição, num total de 31.716 páginas. Foi o julgamento de assassinato mais longo da história americana. O júri ficou incríveis 225 dias em isolamento. Ao fim, depois de tudo isso, os 12 jurados condenaram os seguidores de Manson e o próprio.

Acho que dá para dizer, com bastante convicção, que Roberto Jefferson não conseguiu se igualar a Manson, e que o processo jurídico que o levou à prisão não tem a mínima possibilidade de comparação com o processo que levou Manson à cadeia e, posteriormente, à morte. Mais que isso, Manson foi condenado por um júri popular, enquanto Jefferson foi preso pela caneta de um ministro do STF. As incitações de Roberto Jefferson resultaram em nenhum crime cometido, e as calúnias por ele proferidas deveriam ter sido objeto de processo judicial específico, movido pelos caluniados.

Não, Roberto Jefferson não pode ser comparado a Charles Manson. Aliás, nenhum discurso, por mais odioso que seja, deve ser comparado ao caso de Manson.

Mas seria ele, então, uma espécie de aiatolá que comanda um grupo de jihadistas radicais? Há equivalência entre a frase “concentrar as pressões populares contra o Senado e, se preciso, invadir o Senado e colocar para fora da CPI a pescoção” e a declaração de Ali Khamenei sobre financiar e apoiar os grupos jihadistas em ataques a Israel e aos Estados Unidos? Seria o pescoção a versão jeffersoniana de um homem-bomba?

Se deixarmos que o Estado seja tutor do que podemos ou não falar, necessariamente deixaremos que o Estado estabeleça os limites do que é aceitável e o que não é

Obviamente que não. Roberto Jefferson não lidera uma religião belicosa com financiamento milionário, armamento pesado e táticas avançadas de terrorismo. Não fazem nenhum sentido, portanto, os contrapontos que li no grupo de WhatsApp. Por conseguinte, não fazem nenhum sentido os argumentos que a imprensa brasileira tem apresentado para justificar essa prisão absurda, pois são nada além de variações desses argumentos que mencionei.

Enquanto não há crime, não pode haver julgamento; enquanto não há julgamento, não pode haver prisão. Assim como a arma não atira sozinha, o discurso não fere nem mata. Se deixarmos que o Estado seja tutor do que podemos ou não falar, necessariamente deixaremos que o Estado estabeleça os limites do que é aceitável e o que não é. E esse limite poderá ser mudado todas as vezes em que o Estado se sentir ameaçado. É assim que se faz nas ditaduras.

Obviamente, existem alguns limites aceitáveis à liberdade de expressão, mas são limites construídos por um consenso de longa data, como o famoso “não pode gritar fogo no meio de uma multidão confinada se não houver fogo”.

Por fim, fala-se tanto de golpe militar na imprensa, mas não se escreve uma palavra sequer sobre a ditadura do Judiciário que vem se impondo há tempos sobre os brasileiros. O STF age fora de sua jurisdição e responsabilidade quase todo o tempo. Quando não o faz, é porque está ocupado soltando criminosos. Bolsonaro teve duas chances de mudar um pouco o perfil desse tribunal. Desperdiçou-as com Kassio Nunes e André Mendonça. Para mim, quem coloca esses sujeitos no tribunal mais alto do país não tem direito de reclamar desse mesmo tribunal. Mas nós temos todo o direito de querer o fim do ativismo e do poder ilimitado dos togados de Brasília. E essa pauta deveria ser mais explorada que as besteiras ditas diariamente por Bolsonaro. Se o STF vencer essa briga, não é só Bolsonaro quem perde, mas todos os presidentes que forem empossados daqui para a frente.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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