Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE| Foto:

Nesta terça-feira, o presidente eleito falou ao vivo aos que o seguem nas redes sociais. Mesmo com mais de dez dias passados desde que as primeiras notícias sobre o relatório do Coaf foram divulgadas pela imprensa, sua opção foi varrer o assunto para baixo do tapete. Apesar de costumar bater de frente com seus críticos e de ser adepto do “a melhor defesa é o ataque”, Bolsonaro se manteve afastado do tema espinhoso envolvendo seu filho, o senador eleito Flávio Bolsonaro, e o ex-assessor e ex-motorista de Flávio, Fabrício José Carlos de Queiroz. Essa mudança de postura é no mínimo intrigante. Quem acompanha Jair Bolsonaro sabe que ele raramente adota o silêncio (ou o quase-silêncio) como resposta a críticas ou acusações. Mais raro ainda é passar dias e dias sem abordar um assunto envolvendo seu nome, mesmo que tenha sido levantado pela parte da imprensa que ele costuma chamar de fake news.

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Quanto aos seus apoiadores mais fiéis, os mesmos que devem compor a imprensa chapa-branca do novo governo, as respostas têm evoluído de outra forma. Logo no início do caso, o discurso nas redes sociais e mídias eletrônicas era “não tem nada demais na movimentação do Queiroz, isso é jogo da imprensa para tentar atingir o presidente eleito”. Passado um tempo, quando os dados divulgados mostraram que havia sim coisa demais nas movimentações do ex-assessor, o discurso passou a ser “que o Queiroz seja punido, mas que seja feita justiça: Flávio Bolsonaro não tem nenhuma obrigação de responder por algo que não é de sua responsabilidade”. Mais alguns dias e, diante de novas descobertas como a do outro assessor que passou meses no exterior enquanto continuava recebendo salário e da assessora que conseguia trabalhar o dia todo como personal trainer de celebridades enquanto também recebia mesada pública, o discurso passou ao nível culinário da fritura, com títulos como “Flávio Bolsonaro precisa se explicar para evitar perda de apoio ao governo”.

O mais esclarecedor nesse episódio tem sido a constatação, ainda que negada pelos bolsonaristas convictos, de que o clã Bolsonaro pratica a mesma política brasileira de sempre, aquela em que assessores pagam pedágio do salário para assessorados, em que a obtenção e manutenção do poder é mais importante que o interesse público, em que há amigos do rei, e mais um monte de coisas que o povo brasileiro tem visto por décadas e décadas. Sem saber como responder aos fatos, o bolsonarismo tem adotado subterfúgios semelhantes aos que o petismo usava quando seus políticos eram alvos de ataques, com destaque para o comparativo dos coitados – “todo mundo faz isso mas a imprensa só tem olhos para Bolsonaro”. Ora, poderia ser diferente, dado que o presidente eleito construiu sua campanha inteira em cima do pilar da moralidade e da justiça? É claro que a grande imprensa brasileira, extremamente alinhada à esquerda, tem feito seu trabalho com muito mais prazer e, quiçá, um certo sadismo. Mas isso não muda o fato de que toda e qualquer irregularidade deva ser devidamente noticiada, investigada e punida. Cabe ainda notar que a fritura de Flávio Bolsonaro, já iniciada nas panelas dos blogueiros e influenciadores neogovernistas, não condiz nem um pouco com a imagem de religiosidade e de união familiar que o clã passou nos últimos quatro anos. Parece que, no final das contas, prevalecerá a tática do boi de piranha.

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O novo presidente começará o seu mandato com uma sombra nas costas – se ela se dissipará ou se crescerá, ainda não sabemos. O que podemos inferir é que não será um primeiro ano tranquilo para Jair Bolsonaro. O caso do Coaf é apenas um dos fatores de estresse que já fazem parte da equação. Há ainda as disputas internas de poder em seu partido, as negociações de apoio na Câmara dos Deputados, a organização silenciosa da oposição de esquerda, a ansiedade da população por mudanças rápidas em áreas como segurança pública e educação (temas-chave da campanha eleitoral), e outros esqueletos que porventura estejam guardados em armários ainda não descobertos. Para continuar sendo apoiado pelo povo que lhe confiou o voto, Bolsonaro precisa fazer mais do que se esquivar de assuntos delicados. Afinal, foi a sua postura de confronto e coragem que tanto atraiu os brasileiros fartos da pusilanimidade dos políticos tucanos e seus afins, os quais por tanto tempo fizeram uma oposição fraca e débil aos governos petistas. Em outras palavras, Jair Bolsonaro precisará ser o Jair Bolsonaro que foi anunciado. Ninguém gosta de comprar o hambúrguer bonito da foto e receber um pão amassado com carne sebenta e uma folha de alface murcha em cima.