O Capitólio dos EUA, em Washington, em foto de 13 de janeiro de 2021.| Foto: Stefani Reynolds/Getty Images/AFP
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Joe Biden começou sua presidência com Câmara e Senado dominados pelos democratas. Essa pelo menos foi a manchete e o comentário da maioria dos especialistas em política americana que dão seus pitacos nos jornais televisivos brasileiros. “Barba, cabelo e bigode”, alguns disseram. No entanto, a situação é um pouco diferente.

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O Senado, com 100 assentos, está hoje dividido em 50 republicanos, 48 democratas e 2 independentes – Argus King, do Maine, e Bernie Sanders, de Vermont – que votam quase sempre com os democratas. Em caso de empate 50-50 em qualquer votação simples, quem dá o voto de minerva é a vice-presidente Kamala Harris. Ou seja, parece simples: basta colocar qualquer votação partidária em pauta e os democratas garantirão a aprovação. Só parece.

Um senador democrata da Califórnia pode certamente ser a favor de leis super-restritivas ao porte de armas, sem medo de perder nenhum voto. Já um senador de Montana não pode se dar ao mesmo luxo

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Em temas mais espinhosos, como a questão do armamento, os votos não se definem apenas pela posição do partido, mas também pela posição predominante do eleitorado. Um senador democrata da Califórnia pode certamente ser a favor de leis super-restritivas ao porte de armas, sem medo de perder nenhum voto. Já um senador de Montana não pode se dar ao mesmo luxo. Antes de serem leais a seus partidos, políticos costumam ser leais a si mesmos. Garantir a reeleição, ainda mais em um cargo como o de senador, costuma ser prioridade zero dessa turma. E há ainda dois casos de senadores democratas que costumam votar fora dos padrões do partido: Joe Manchin, que é contra a mudança das regras de filibuster e que discorda da maioria de seus pares democratas no tocante à abrangência e tamanho do futuro projeto de infraestrutura a ser votado; e Kyrsten Sinema, que, além de compartilhar da opinião de Manchin nesses temas, votou contra o aumento do salário mínimo para US$ 15 por hora e que tem dado indícios de não ser voto garantido para aprovar indicações de Biden a cargos públicos.

A Câmara, muito mais variada e ampla, é um território bem diferente. A começar pela dinâmica dos assentos. No fim da legislatura anterior (a 116.ª), democratas dominavam a casa com uma vantagem de 38 assentos sobre os republicanos. Essa era uma margem tranquila para a aprovação de qualquer projeto de lei; era neutralizada, entretanto, pela falta de maioria no Senado. Em 3 de janeiro deste ano, quando a nova legislatura foi inaugurada, a vantagem havia caído para apenas 11 assentos, um número suficientemente baixo para gerar preocupações na presidente da casa, Nancy Pelosi, como, por exemplo, se algum deputado faltará a uma sessão ou se há deputados doentes na bancada. Com a margem pequena, todo voto é importante.

Some-se a isso:
que, em 15 de janeiro, Cedric Richmond renunciou ao seu mandato para trabalhar na administração Biden, vagando uma cadeira azul;
que, em 10 de março, Marcia Fudge renunciou ao seu mandato para trabalhar na administração Biden, vagando uma cadeira azul;
que, em 16 de março, Deb Haaland renunciou ao seu mandato para trabalhar na administração Biden, vagando uma cadeira azul;
que, em 6 de abril, Alcee Hastings faleceu em decorrência de um câncer de pâncreas, vagando uma cadeira azul;
que, em 13 de abril, Julia Letlow será empossada como deputada pelo 5.º Distrito da Louisiana, após ter vencido uma eleição especial ocorrida no último dia 20 de março, aumentando uma cadeira vermelha;
que há atualmente cinco cadeiras vagas, três a mais que no início do ano;
e que a Constituição americana manda que cadeiras vagas não sejam dadas a suplentes, mas requerem uma nova eleição especial para cada caso.

Ou seja, assim que Letlow assumir seu mandato, a maioria democrata será de apenas três votos. Como disse a jornalista Lisa Desjardins em tuíte recente, esses são os votos que Pelosi pode perder e ainda assim conseguir aprovar leis sem a ajuda de deputados republicanos: atualmente, são 3; semana que vem, 2; em maio, 3; em junho, 3; após outubro, provavelmente 3. Não há mais espaço para ausências.

A disputa pelo Congresso americano continua. Eleições especiais serão realizadas para algumas das cadeiras vagas, sendo a primeira já em 1.º de maio, enquanto outras permanecerão vagas até 2022, quando haverá nova eleição geral. Na atual configuração, é das tarefas mais interessantes a observação de como essas cadeiras se movimentarão. E, é claro, de como essa dinâmica afetará a capacidade de Joe Biden de aprovar projetos-chave de seu governo.

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