| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

Nos quase dez anos em que fui proprietário de uma franquia do CNA no Brasil, a única linha de crédito decente que consegui foi para comprar equipamentos. Qualquer necessidade de capital de giro tinha de ser suprida por mim e por meu sócio, com nossas próprias economias, pois a opção eram ofertas com juros extorsivos dos bancos com os quais trabalhávamos. Vendemos a empresa em 2009, mas a situação parece ter continuado a mesma: de acordo com dados recentes do SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigentes (CNDL), 84% dos microempresários não pretendem tomar crédito. Entre as razões apresentadas destacam-se as altas taxas de juros, a insegurança econômica do país, a dificuldade no processo de contratação, o excesso de burocracia e a lista extensa de exigências bancárias.

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Não bastasse isso, a própria mentalidade do pequeno empresário brasileiro é um tanto avessa a operar com alavancagem. Na cabeça desse ser humano já cheia de preocupações com Fisco voraz, economia trôpega, “Justiça" trabalhista e ambiente hostil aos negócios, alavancar o negócio com crédito externo acaba soando como arrumar mais um fator de estresse. Se o total de dívidas for próximo ou igual ao patrimônio, então, soa como loucura.

Já aqui nos Estados Unidos, não é incomum que empresas trabalhem com um endividamento na razão de 2 para 1, ou seja, dois terços do capital da empresa vêm de empréstimos e um terço é próprio. Desde que o endividamento da empresa não esteja muito fora da média do setor, não será considerado um demérito e nem mesmo um falta de saúde financeira; pelo contrário, operar sem crédito nenhum pode suscitar muito mais perguntas e suspeitas. Afinal, se o dinheiro é barato, qual seria a razão de alguém investir capital próprio ou frear o ritmo de crescimento em vez de buscar crédito em uma rede de milhares de bancos? Não é algo que alguém que entende de negócios faria e, portanto, é algo estranho de se ver. Aqui, quanto mais se empresta e se paga, mais se empresta e se paga.

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No espírito dessa série de artigos sobre empreendedorismo na América, quero falar um pouco da minha experiência nessa área, fornecendo informações que podem ser de alguma forma úteis aos leitores que pretendem se aventurar como empresários nos Estados Unidos. Como estrangeiro, tive muito mais dificuldade de conseguir crédito para a minha empresa. O motivo: empréstimos para pequenas empresas são concedidos somente se o score de crédito do(s) sócio(s) for favorável. Em outras palavras, se eu estiver devendo para todo mundo na pessoa física, ninguém vai me emprestar na pessoa jurídica. E, por ter chegado aqui somente em 2014, meu histórico de crédito não atingiu níveis confiáveis até 2016. Quem vive aqui sabe que construir score não é tarefa fácil, ainda mais quando você está ao mesmo tempo construindo o restante de sua vida, comprando casa, mobiliando, pagando carro etc. E foi por isso que só consegui o primeiro cartão de crédito corporativo com mais de um ano de operação. Ainda assim, era um cartão que não permitia rolar a dívida por mais que 30 dias. Somente depois de ter dois anos de empresa aberta é que consegui um cartão de crédito normal e com juros baixos no rotativo (0% nos primeiros 12 meses, 14% ao ano daí em diante). Nessa época, por causa da estabilização de meu score pessoal, também consegui o primeiro empréstimo de médio prazo com juros abaixo de 5% ao ano. Hoje, já entrando no quarto ano completo de operação, renovei essa linha de médio prazo por mais 24 meses, com acréscimo de fundos e diminuição dos juros. Como eu escrevi acima, por ter tomado emprestado e pagar sempre em dia, estou tomando mais emprestado, em melhores condições. Em dois anos, se mantiver a empresa crescendo, poderei conseguir linhas de longo prazo com juros ainda menores.

Se você pretende empreender nos Estados Unidos, é bom começar a trabalhar nessas coisas o quanto antes. Abrir uma empresa e conseguir um Tax ID, por exemplo, são coisas que podem fazer uma grande diferença. Mesmo que seu planejamento seja para daqui a dois ou três anos, os custos para se manter um negócio e uma conta bancária abertos aqui são tão baixos que compensarão o esforço. Há de se ter muita paciência e planejamento para construir um negócio lucrativo, estável e duradouro. Quando tudo isso é feito em uma economia pujante e cheia de vida como a americana, o sucesso se torna algo muito mais atingível. É claro que a competência do gestor e a qualidade dos produtos ou serviços são fatores essenciais, mas, em geral, o bom empresário brasileiro alcança a excelência quando empreende por aqui. Com crédito barato, então, a coisa fica ainda mais fácil.

Semana que vem tem mais.