Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Charlie Kirk

Prove que estou errado

Charlie Kirk morreu após ser baleado no pescoço durante um evento na Universidade Utah Valley, nesta quarta-feira (10). (Foto: Gage Skidmore/Wikimedia Commons)

Ouça este conteúdo

Tínhamos acabado de gravar mais um episódio do programa Última Análise. Falamos sobre anistia e perdão. Uma hora e meia longe dos celulares, das notícias, da loucura. Mas, escravos como todos, não deu dois minutos e lá estávamos, eu e Paulo Polzonoff, conferindo se havia novidades. Mais do que isso, havia uma comoção: Charlie Kirk foi baleado em um evento dentro de uma universidade.

Quem? Eu pouco sabia, pouco sei, sobre quem era Charlie Kirk, mas o suficiente para deduzir que provavelmente não havia como dissociar seu assassinato da guerra cultural e ideológica que várias sociedades têm enfrentado. Paulo o acompanhava pouco também e não sabíamos se nos inteirávamos mais ou se dávamos atenção ao voto do maratonista Luiz Fux no teatro do STF, que acontecia naquele momento.

Entre todos, atendentes de telemarketing iam ou vinham apressados de seus turnos de trabalho. Seriam capazes de se matar uns aos outros apenas por não serem de direita ou esquerda, conservadores ou progressistas etc.? Seriam capazes de perdoar uns aos outros?

Fizemos um pouco das duas coisas. Despedi-me do Paulo e fui tomar um cafezinho na banquinha da praça. Sentei-me em um dos bancos e fiquei a contemplar o movimento de fim da tarde, aproveitando o calor agradável anunciando o fim do inverno sem a preguiça do verão.

De vez em quando conferia o celular. Inúmeras pessoas comemorando o assassinato ou culpando Charlie Kirk, a vítima, que passou mais de uma década praticamente fazendo apenas uma coisa: indo aos câmpus universitários tentar dialogar, debater com quem pensava diferente dele, pedindo: “prove que estou errado”.

O que mais me assustou foi a falta de cerimônia, a ausência de “mas”. Era uma celebração pura e simples, sem qualquer pudor, sem qualquer vergonha, sem qualquer autoconsciência da própria maldade. Diante disso, como não entender o movimento contrário daqueles que até aqui acreditavam no poder do diálogo, mas não mais? Inúmeros moderados concluindo que não tem como, não dá para tentar dialogar, construir pontes. Eu só conseguia pensar: “Charlie Kirk continuará a morrer depois de assassinado.”

Fiquei a divagar no palpite que tenho há algum tempo e que cada vez mais me parece mais do que verossímil — provável. O de que a terceira guerra mundial será, na verdade, a primeira guerra civil mundial. Será menos uma guerra entre países do que entre civis de vários países, cujas visões de mundo se tornaram tão distantes umas das outras que a desumanização do adversário parecerá a única coisa que terão em comum.

VEJA TAMBÉM:

E pensar que tínhamos acabado de fazer um programa sobre o perdão… “Que inútil”, parte de mim dizia, enquanto outra resistia à desesperança.

Voltei a prestar atenção nas pessoas à minha volta. Camelôs guardavam suas coisas, fechando seus carrinhos. Guardas municipais batiam papo encostados em sua viatura, desligados do entorno. Vendedores nas portas das lojas à espera de clientes e de olho em eventuais ladrões do que fica exposto quase na rua. Entre todos, atendentes de telemarketing iam ou vinham apressados de seus turnos de trabalho. Seriam capazes de se matar uns aos outros apenas por não serem de direita ou esquerda, conservadores ou progressistas etc.? Seriam capazes de perdoar uns aos outros? Eu seria?

Não me entenda mal. Quando falo de perdão, não tem nada a ver com tolices como Imagine, de John Lennon. Não me refiro nem ao perdão na sua plenitude, apenas à disposição para tanto — seja através de um pedido futuro de quem reconhecer que errou, seja através do próprio reconhecimento de que se errou. Você admite a possibilidade de que talvez esteja do lado errado? Mesmo estando do lado certo, admite a possibilidade de defendê-lo do jeito errado?

Uma corrente de vento anunciava a chegada da noite. Voltei ao estúdio da Gazeta do Povo, onde ainda participaria do programa ao vivo do dia, todo dedicado ao voto do exorcista Fux, que seguia falando no picadeiro do STF. Não consegui dar maior atenção, preferindo meditar num trecho do livro de Pedro Valinho Gomes, A Esperança do Perdão, que citei na gravação com Paulo: “Não é senão quando o mal nos toca a pele que pensar o perdão se torna fundamental. O perdão dá que pensar. No fundo, o mal dá que pensar no perdão.”

Dá mesmo. Prove que estou errado.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.