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Nikão comemora o gol do título do Athletico na final da Copa Sul-Americana contra o RB Bragantino.
Nikão comemora o gol do título do Athletico na final da Copa Sul-Americana contra o RB Bragantino.| Foto: Raúl Martínez/EFE

Corta para 1964. Aos 18 anos, um piá bom de bola foi morar em Copacabana, a uma quadra e meia da praia. Tinha sido contratado pelo Botafogo, indo jogar ao lado de lendas como Manga, Nilton Santos, Gérson, Didi, Garrincha, Jairzinho e Zagallo. Em sua estreia contra o Bangu, marcou o segundo gol na vitória por 2x1. Não é preciso dizer que por lá ficou jogando por três anos.

Agora releia: 18 anos... Copacabana... Mas o piá não se perdeu, soube aproveitar sem perder a cabeça. Graças à formação recebida em casa. Sem o pai, provavelmente não teria chegado até onde chegou. Quando criança, adolescente, várias vezes só foi aos treinos porque o pai mandava: “Você assumiu responsabilidades, agora cumpra”.

Mesmo tendo sido contratado pelo Botafogo, tinha prestado vestibular em Curitiba, passando. Chegou careca ao Rio. Em 1968, quando retornou a Curitiba para jogar no Athletico, lá ficando até encerrar sua carreira (tendo uma breve passagem no Corinthians, por empréstimo, anos antes), tinha permissão para ir às aulas da faculdade de Educação Física, retornando à concentração para os jogos nos fins de semana.

O piá não se perdeu no Rio, soube aproveitar sem perder a cabeça. Graças à formação recebida em casa. Sem o pai, provavelmente não teria chegado até onde chegou

Corta para 2003, em Montes Claros, Minas Gerais. Outro piá bom de bola jogava em um terrão sem saber que um olheiro observava. O talentoso piá de 11 anos foi levado para jogar nas categorias de base do Mirassol, logo em seguida sendo levado para testes no CSKA, de Moscou, e PSV Eindhoven, da Holanda, onde logo ganhou o apelido de “Maradona Negro”.

Por problemas de documentação teve de voltar, indo jogar no Palmeiras em 2008. Porém, o piá que não conheceu o pai e perdeu a mãe aos 8 anos para um câncer, tendo sido criado pela avó e que sobrevivia catando latinha e capinando terrenos quando foi descoberto para o futebol, tinha problemas com a bebida desde os 11 anos, piorando naquele ano com o falecimento de sua avó.

Dois anos depois, quando foi para o Atlético-MG, seu irmão mais velho, que era sua referência na vida, morreu em um acidente de carro. O vício da bebida se tornou ele. Peregrinou por diversos clubes até ser contratado pelo Athletico em 2015, em uma aposta pessoal do presidente Petraglia, que o havia visto jogando quando piá. Era provavelmente sua última chance de vingar na carreira.

Corta para 1949, ano em que o Athletico ganhou o apelido de Furacão, conquistando o campeonato paranaense atropelando os adversários. Mas dali até 1982, o furacão desapareceu, conquistando apenas dois campeonatos paranaenses em 1958 e 1970. Jejuns imensos. O Athletico sofria com a falta de dinheiro e estrutura, o que fez esses dois títulos conquistados serem mais significativos do que parecem, especialmente o de 1970, quando aquele piá que havia jogado com os bambas no Botafogo, Barcímio Sicupira Junior, comandou a equipe na conquista. É seu único título no clube em que se tornou o maior artilheiro da história, com 158 gols.

Corta para sábado passado, depois da conquista do bicampeonato da Copa Sul-Americana. Fiquei a pensar nessas coisas todas, nessa história athleticana, em Sicupira e em Maycon Vinícius Ferreira da Cruz, o Nikão, autor do gol do título que foi aquele piá bom de bola que estava se perdendo na bebida, por ela sendo quase aposentado do futebol, não fosse pelo Athletico, que hoje é outro clube, muito diferente da época de Sicupira, saudável financeiramente e com estrutura invejável.

Não sei você, mas em se tratando de futebol eu acredito é no Sobrenatural de Almeida sempre

Não foi fácil, mas deu certo. Não fosse o clube, “que me abraçou como um pai abraça um filho”, nas palavras do próprio Nikão, dificilmente teria conseguido se recuperar e dar a volta por cima, tendo casado, tido filhos e formado uma família sólida, como nunca teve antes. Não haveria Nikão sem o Athletico. Mas haveria Athletico sem Sicupira?

Revejo aqui pela milésima vez o belo gol do título feito por Nikão. Não sei você, mas em se tratando de futebol eu acredito é no Sobrenatural de Almeida sempre. Sicupira quando estreou pelo Athletico fez o gol de empate contra o São Paulo na Vila Capanema. Gol de bicicleta. O de Nikão não chegou a ser uma bicicleta como aquela, mas que foi ao estilo do Sicupira, ah foi! Para mim, foi o 159.º gol do craque da 8, falecido dias antes desta final. Que bela despedida. Agora, corta para a eternidade.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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