Ouça este conteúdo
Das memórias mais doces: do alto dos meus 4 anos de idade, lembro do mar de pessoas na praça Nossa Senhora de Salete. Dizem que tinha mais de 700 mil. Corria o ano de 1980, e o papa João Paulo II rezou uma missa ali, no dia 6 de julho. O único papa a visitar Curitiba na história. Até agora, pelo menos.
Do que mais gosto dessa região chamada de Centro Cívico, com o Palácio do Governo, Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça e outros prédios públicos em torno da praça, é um pedacinho elevado em frente à Assembleia, onde estão as estátuas de Nossa Senhora e das duas crianças a quem apareceu em Salete, no século XIX: Maximin e Mélanie. Era onde imagino que estava naquele dia da missa. Imagino, porque não sei se é uma recordação ou a mistura dela com outras. Costumava brincar nesta praça na minha infância e adorava as estátuas das crianças; tinham meu tamanho ou quase isso.
Dos três papas que tenho consciência de ter conhecido, é por Francisco meu amor maior. Não significa que foi melhor do que os outros dois, nem mais importante. Não é uma competição, nunca será
Karol Józef Wojtyła se tornou papa em 1978, eu tinha 2 anos. Foi papa durante 26, morrendo quando eu beirava os 30, estava casado e à espera do primeiro filho, que nasceria pouco mais de um mês depois de sua morte. Do que guardo mais no coração sobre seu papado são alguns flashs da memória daquele dia e da foto dele conversando anos depois com o homem que tentou lhe assassinar em 1981. O papa o perdoou.
Veio Bento XVI, que ficou quase 8 anos como papa. Não foi pouco, mas estávamos mal acostumados com a longevidade de São João Paulo II. Dos maiores teólogos da história, Bento renunciou ao papado, morreu anos depois, mas para mim segue vivo nos livros que volta e meia leio e releio. Em uma de suas últimas entrevistas, senão a última, disse:
“A comunidade de fé não se cria a si mesma. Não é uma assembleia de homens que têm algumas ideias em comum e que decidem trabalhar para a disseminação dessas ideias. Então tudo seria baseado em sua própria decisão e, em última análise, no princípio do voto majoritário, ou seja, no final, seria baseado na opinião humana. Uma Igreja construída desta maneira não pode ser para mim garantia de vida eterna, nem exigir de mim decisões que me façam sofrer e sejam contrárias aos meus desejos. Não, a Igreja não se fez sozinha, ela foi criada por Deus e é continuamente formada por Ele.”
Morreu o papa Francisco, seu sucessor, e tal como aconteceu quando da renúncia de Bento, o que mais se vê por aí é o griteiro da “assembleia de homens”, julgando o falecido e cheia de ideias sobre quem deveria ser seu sucessor. Tenho esperança que seja apenas uma minoria barulhenta, com a grande maioria deixando ser formada por Ele a partir do luto e da esperança. É o que tento fazer.
VEJA TAMBÉM:
Dos três papas que tenho consciência de ter conhecido, é por Francisco meu amor maior. Não significa que foi melhor do que os outros dois, nem mais importante. Não é uma competição, nunca será. Tampouco é por uma escolha minha. Se fosse preferir, seria Bento XVI, provavelmente. Refiro-me àquelas razões do coração que não se criam por si, mas são formadas por Ele.
Francisco se tornou papa em 2013, no ano em que meses depois eu perderia meu pai. Lá se vão 12 anos. Foi o papa que me acompanhou nos lutos, não só do meu pai. Talvez por isso nunca me relacionei com ele como com os outros. Neste período, não li quase nada do que escreveu, salvo uma carta sobre literatura (magnífica), tampouco acompanhei de perto suas várias entrevistas e tentei me manter distante das polêmicas, reais ou não. Mas assistia sempre que possível suas missas, especialmente na pandemia, e gostava de vê-lo conversando com populares.
Não sei explicar, era como se, no fim do dia, ainda que fosse o “comunista” ou “progressista” ou sei lá mais o que muitos o acusavam de ser, continuaria sendo meu pai amado - não o de sangue, mas espiritual -, importando pouco seus erros e acertos humanos, que todos cometemos, papas também, inclusive os santificados depois. Jesus prometeu que as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, então…
O luto me ensinou a amar o papa. E quando se ama, é das pequenas coisas que o amor se alimenta. Das várias pequenezas que gosto em Francisco, lembro do tapa que deu em uma fiel no fim de 2019. O ano se tornou novo e o papa veio a público se desculpar: "Muitas vezes perdemos a paciência. Eu também. Peço perdão pelo mau exemplo de ontem".
VEJA TAMBÉM:
Seu surgimento, depois de escolhido, sem os paramentos e pedindo para rezarem por ele, impressionou-me. Volta e meia repetia o pedido: Rezem por mim”. Acho que, mesmo sem palavras, estou rezando por ele desde que assumiu. Com as mortes de pessoas próximas se sucedendo, fui aprendendo a permanecer neste estado de oração desfeito de palavras, dos paramentos todos que costumamos usar quando rezamos.
Soube que, em seu testamento, Francisco pediu apenas uma única coisa, quanto ao local de sua sepultura, na Basílica de Santa Maria Maggiore: “O sepulcro deve estar na terra; simples, sem ornamentos especiais, e com a única inscrição: Franciscus”. Que bela herança é um bom último exemplo. Deus o tenha, santo pai, e peça a Ele, por favor, que nos abençoe e ao novo papa que virá, espero que em breve. Não fomos feitos para ser órfãos.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos