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O ator Matthew Perry, de “Friends”, em foto de 2005.
O ator Matthew Perry, de “Friends”, em foto de 2005.| Foto: Emilio Flores/EFE

Já sou introspectivo por natureza, mais ainda perto de dias como o de Finados. Vai ver por isso a notícia da morte do ator Matthew Perry me nublou mais do que o normal. Fiquei surpreso comigo, na verdade. Há anos não o acompanhava, desde o final do famoso seriado Friends. encerrado há quase 20 anos. Por que, então, senti como se ele fosse mais próximo?

Não havia visto ainda a reunião do elenco no especial da HBO, em 2021. Achei que seria um episódio novo, ao estilo “antes e depois”, mas desanimei quando soube que seria mais um bate-papo com o elenco sobre a série. Deixei para depois e o depois nunca veio. Até agora. Com a morte de Chandler, personagem interpretado por Perry, decidi assistir. Bastaram poucos minutos para me entender.

A certa altura, Matt LeBlanc, que interpretou Joey, disse que foi surpreendido ao chegar e ver os cenários das gravações todos remontados, exatamente como eram. Aquilo mexeu com ele e com os demais. O que seria uma reunião se tornou uma verdadeira viagem ao passado. Não como quem se lembra, mas como quem revive.

Amigos de verdade dão atenção um ao outro como a coisa mais importante do mundo naquele momento

Do que mais gostei foi quando falaram sobre a amizade real entre eles. David Schwimmer, que interpretou Ross, disse que ninguém, nem mesmo familiares e amigos pessoais, conseguia entender pelo que passavam com o sucesso da série. Somente eles entendiam uns aos outros, viviam a mesma coisa. Isso criou uma amizade real que não se desfez, nem com a distância física ou o tempo sem se falarem. É visível que isso é real entre eles.

Das poucas intervenções de Perry na reunion, com ele nitidamente alquebrado pelos longos anos de vício (não se sabe a causa da morte ainda, mas preliminarmente foi descartado o uso de drogas), uma se destacou. Foi quando falou, quase no fim, que quando se cruzavam por acaso em alguma festa ou evento, não importava com quem estivessem, paravam tudo para se confraternizar. É assim que amigos de verdade que não se veem a longo tempo fazem, dão atenção um ao outro como a coisa mais importante do mundo naquele momento.

E foi mais ou menos isso que senti quando li a notícia de sua morte, como se fosse algum amigo próximo que merecia toda a atenção, mas que não está mais aqui para recebê-la. Procurei pelas manifestações dos demais friends, mas nenhum conseguiu aparecer em público ainda, apenas lançaram uma nota conjunta falando do quão consternados estão. E estamos mesmo. E coloco na primeira pessoa do plural porque, como se pode ver no próprio especial, muitos no mundo todo se sentem parte desta amizade – para alguns, a única que tiveram durante longos anos.

Quando Friends estreou eu estava com 18 anos; quando acabou, 28. O seriado, que retrata aquela época da vida em que seus amigos se tornam sua família (entre os 20 e poucos e os 30 e tantos anos), era companhia quase diária. Escrevendo aqui, aos poucos meu quarto na casa de meus pais foi se remontando em minha mente, com seu cheiro, sua quase pouca luz, a cor escura da madeira dos móveis embutidos, os calombos no colchão (assistia muita tevê deitado ali, na era pré-internet). Queria ter uma poltrona como as de Joey e Chandler. Hoje, minha mãe tem uma.

Já assistia a Friends quando conheci minha futura esposa, seguimos assistindo durante o namoro, noivado e casamento. Quantos domingos não passamos abraçados assistindo as reprises dos episódios? Friends fez mais parte de nossas vidas do que pensava. Passeio agora por nosso primeiro apartamento, como os atores no set refeito de Friends. Vou do corredor alongado atravessando da sacada ao quartinho dos fundos, passando pela sala, copa, cozinha e lavanderia. Experimento de novo o espaço pequeno, porém alargado por janelas em todos os lados, a luz farta e arejada, a cor clara do piso, a vista para a Serra do Mar, da nossa primeira noite por lá.

Quando Friends estreou eu estava com 18 anos; quando acabou, 28. O seriado, que retrata aquela época da vida em que seus amigos se tornam sua família (entre os 20 e poucos e os 30 e tantos anos), era companhia quase diária

E do remontar a vida foi reacontecendo, como se não existisse passado, apenas o presente com os amigos de longa data que assistiam a Friends tanto quanto nós, até mais, a ponto de colecionarem os DVDs. Revivi os sábados de pizzas nas casas novas e sem móveis. Quantas noites de fim de semana escutando músicas e revendo vídeos engraçados no YouTube? Viajei de novo para Mariscal, filmando tudo igual, depois editando como editamos, usando a música de abertura do seriado: So no one told you life was gonna be this way…

Não, ninguém havia dito. E foi boa, continua sendo, apesar das dores, das quedas, das perdas. Comemoramos aniversários, formaturas, casamentos, batizados, mas também um funeral que jamais deveria ter acontecido. Não tão cedo. Se bem que aqui, nesse reviver, não tem morte alguma, apenas aqueles abraços apertados no velório, como se tentássemos viver dentro deles, tentando fazer o Alceuzinho nunca ir embora. E deu certo, nunca foi. Está aqui agora, neste abraço, repetindo pela enésima vez que o jardineiro é Jesus e as “árveres” somos nozes.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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