Foto: Francisco Escorsim| Foto:

Sei lá há quantos anos um dos ícones curitibanos, a Livraria do Chain, mantinha a mesma fachada. Se duvidar, a pintura que fizeram recentemente foi a primeira mudança desde que foi inaugurada, em 1968. Mas não durou uma semana, já foi pichada por comunistas com os dizeres: “Viva os 100 anos da Revolução Russa”.

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Não é difícil adivinhar de onde vieram os pichadores toscos, basta atravessar a rua. A Reitoria da UFPR é um antro de viúvas e cúmplices morais do comunismo. É meu local de votação quando há eleições e é impressionante a degradação do lugar. Nem de longe lembra uma universidade, mas muito mais uma sede de militantes. Por exemplo, não há cartaz de eventos colados nas paredes que não sejam de alguma linhagem ideológica herdeira da Revolução Russa. Mas como é possível alguém querer celebrar um evento que foi o primeiro passo para a construção de um regime totalitário que matou em torno de 20 milhões de pessoas? Por rotina. Sim, por causa da rotina intelectual mediocrizante disseminada em nossas faculdades, especialmente de humanas. Como ensina José Ingenieros em seu O Homem Medíocre:

“A rotina é um esqueleto fóssil, cujas peças resistem à carcoma do século. Não é filha da experiência; é a sua caricatura. A primeira é fecunda, e engendra verdades; a outra é estéril, e as mata. Na sua órbita giram os espíritos medíocres. (…) Acostumados a copiar, escrupulosamente, os preconceitos do meio em que vivem, aceitam, sem verificação, as ideias destiladas no laboratório social: como esses enfermos de estômago imprestável, que se alimentam com substâncias já digeridas nos frascos das farmácias. (…) A educação oficial envolve esse perigo; tenta apagar toda originalidade, pondo iguais opiniões em cérebros diferentes. A cilada persiste no inevitável trato mundano com homens rotineiros. O contágio mental flutua na atmosfera, e acossa por todos os lados; nunca se viu um tolo originalizado pela contiguidade, mas frequentemente é possível que um engenho se atoleie entre palpavos. A mediocridade é mais contagiosa que o talento.”

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Não cito Ingenieros à toa. Quem entra na Livraria do Chain dá de cara com essa obra exposta, e quem conhece o livreiro Aramis Chain sabe que é seu livro de cabeceira. Não há entrevista em que ele não só o cite como mostre um exemplar. Chain está longe de ser um rotineiro, um medíocre. É homem de personalidade forte, original, que não admite funcionário que bebe ou fuma e ainda obriga a se tornar um leitor. E reclama que não consegue empregar mais por causa da legislação trabalhista, considerando-a o maior desempregador do Brasil. Em uma entrevista de 2006, disse que por causa dessas leis foi obrigado a diminuir o número de seus funcionários de 69 para apenas 22 e ainda seria preciso demitir mais para continuar sobrevivendo.

Sobre o socialismo, parteiro do comunismo, Chain é taxativo: “O socialismo pra mim não existe, o que existe pra mim é patriotismo, é nacionalismo, é você amar a terra em que você nasceu”. Na outra entrevista citada acima: “É difícil tolerar deputados federais terem fotos de Che Guevara dentro do Congresso Nacional. Eu pago os seus salários para eles terem compromissos com o Brasil”. Não é difícil imaginar, portanto, o que ele pensa dos filhotes da ditadura comunista encastelados nas cátedras universitárias: “Eu não consigo entender como pessoas que trabalham com educação votaram em pessoas analfabetas. (…) Para um país que teve um Barão do Rio Branco, que deixou o nosso território com 8 milhões e meio de quilômetros quadrados, teve os bandeirantes e os portugueses, e depois cuspir em tudo isso? (…) Você já pensou? Quem tem em casa a foto de José Bonifácio, de Joaquim Nabuco, de Belmiro Gouvêa, de Plácido de Castro? Ninguém conhece. Esses são grandes nomes, são heróis nacionais”.

Não é de se estranhar muitos considerem Chain um “radical”. Pois ele não só concorda como explica por quê: “É preciso ser radical. O radical vem do grego que quer dizer ‘raiz’. Analisemos. Nós temos dois tipos de personalidade de pessoas: raiz e cipó. Raiz é aquele indivíduo que está ligado à terra e que não se deixa vencer em seus valores. Já o cipó é aquele indivíduo que vive da seiva das raízes, hoje muito bem visto na sociedade brasileira”.

A história de vida do sr. Aramis Chain está a merecer um livro. É mais do que interessante. Dou um exemplo. É filho de um libanês com uma ucraniana e casado com uma chinesa, tendo convivido sempre com religiões diversas, como a do pai, que era muçulmano xiita, o espiritismo dos tios, o cristianismo protestante de outros membros da família, sem contar o budismo da esposa, a quem desde o início do relacionamento disse que seria sua segunda esposa. A primeira sempre seria a livraria. A livraria que em 1993 foi considerada pelo jornal Folha de S.Paulo a melhor do país. Acredito que continua sendo e desconfio já mereça mais um título: a de última livraria de verdade do Brasil. Exagero? Como ensina o próprio Chain: “a boa livraria é onde está o livreiro”. Como já não existem livreiros dignos do nome por aí, apenas donos de livraria, aposto minhas fichas que o sr. Aramis Chain é o último dos “livreiros raiz”.

Visitar sua livraria é encontrá-lo. Está sempre lá. E também é como viajar no tempo. Não tem nada das modernices das grandes redes, tampouco se dá destaque aos best-sellers esquecíveis ou livros de autoajuda (que ele detesta). Já na entrada estão expostos clássicos da literatura e as novidades da literatura paranaense. Aliás, desconfio que nem em bibliotecas se encontram tantos livros sobre o Paraná como ali. É possível passar horas lá dentro e ainda assim não ter visto tudo nos seus dois andares. Dificilmente não se encontra ali algum livro disponível no mercado e, se você der esse azar, duvido encontre quem melhor lhe atenda para encomendar. Além disso, se você for no início da tarde periga cruzar com Dalton Trevisan, o Vampiro de Curitiba. Mas não peça para o sr. Chain, amigo do escritor, apresentá-lo. Ele respeita a privacidade do amigo e não o expõe de maneira alguma.

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Outro famoso frequentador da livraria foi Paulo Leminski, marxista embigodado. Leminski adorava o lugar, chegando no fim da vida a morar num hotel próximo para poder ir à livraria, onde também tomava um café e conversava com o sr. Chain. Exemplo de convivência entre pessoas tão diferentes. Aliás, Leminski foi grafiteiro confesso. Uma de suas famosas pichações foi no muro da agência de publicidade em que trabalhava. O pichador se irritava com a obrigatoriedade de trabalhar sentado e pichou: “Sentado não tem sentido”. O que fascinava Leminski, conforme confessou nessa aula, é que o “grafite” era um crime “porque você chegar na parede em que alguém chegou ali e gastou não sei quantos 500 mil cruzeiros pra pintar com um belíssimo branco e você chega lá e escreve [inserir nome chulo da genitália feminina], significa danificação da propriedade privada. Então, existe um caráter criminoso implícito no ato de grafitagem”. É mais do que verossímil supor que aplaudiria o “grafite” na nova fachada da Livraria do Chain. Ainda mais com o “viva” à revolução que ele tanto apoiou. Só desconfio não diria isso ao sr. Chain, tampouco tentaria convencê-lo a manter a pichação. Leminski mantinha a fama de maluco, mas não rasgava livros.

Talvez seja uma batalha perdida tentar manter a fachada da livraria limpa com tantos vândalos em torno. Mas vale a luta; afinal, para manter uma livraria na ativa no Brasil durante quase 50 anos é porque não falta ao sr. Chain coragem e perseverança. E não deixa de ser simbólico que a livraria que nasceu por conta da universidade em frente, quando esta começou a ofertar cursos de pós-graduação, hoje talvez tenha se tornado mais relevante do que ela justamente porque resiste à pichação intelectual que infectou quase tudo na vizinha. Longa vida à Livraria do Chain!