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Cena de “a-ha – Take On Me (Live From MTV Unplugged)”.
Cena de “a-ha – Take On Me (Live From MTV Unplugged)”.| Foto: Reprodução/YouTube

Quer aproveitar melhor o tempo largado desse fim-de-ano de feriadão imenso? Pois sugiro assistir ou escutar ao MTV Unplugged - Summer Solstice, do A-Ha. Sério, do A-Ha! Foi lançado em 2017, mas só o descobri em 2019, tropeçando nele por acaso no YouTube. Assisti e escutei durante o ano todo, nas mais variadas circunstâncias e é companhia perfeita para o balanço que todos fazemos quando algo chega ao fim, seja um ano ou muito mais do que isso.

Nunca fui fã de A-Ha. Banda de quando eu era piá de tudo e não curtia os popzinhos descartáveis, que é o que eu achava serem as músicas do trio norueguês. Mas neste unplugged em que revisitaram toda sua carreira e repaginaram as músicas fui surpreendido. E não se trata apenas de uma coletânea de canções renovadas numa celebração nostálgica da carreira, mas de um encaixe harmônico criando uma obra única, não apenas nova, mas perene, tendo no solstício de verão o símbolo perfeito.

Na época do solstício de verão temos os dias mais longos do ano e, no caso da Noruega, quase não anoitece. No show, o fundo do cenário é uma parede de vidro deixando ver o sol se pondo bem aos poucos, mas quando o show termina ainda não escureceu por completo. O anoitecer simboliza o ocaso de uma banda longeva, mas o solstício de verão significa o oposto, o momento mais vivo e fértil. Os dois significados estão presentes aqui, unidos numa forma só, permitindo ao espectador ou ouvinte uma (hoje em dia) rara experiência de não viver um fim como um fim, mas como completude, perfeição. A morte como vida permanente, o que só pode se dar num tempo transcendente.

Todos os arranjos, harmonias, do início ao fim, criam a atmosfera e ritmos ideais para uma vivência interior do tempo que não se limita à passagem dos ponteiros do relógio. Para tanto, precisamos nos instalar em nosso lar, no nosso coração. Não por acaso, o show abre com uma música nova, This is our home, um manifesto de permanência no lar, de permanência naquilo que realmente importa, completado pela bela Lifelines, indagando sobre o futuro, mas que só terá valor se não se jogar fora a “linha da vida”, aquela corda jogada aos náufragos, na qual nos agarramos para nos manter à tona e sermos resgatados. Esse show consegue ser uma dessas cordas a quem souber aproveitá-lo.

Para tanto, precisamos voltar ao passado que, num primeiro momento, é apenas feito daquilo que acabou, que não existe mais. As 3 canções seguintes são sobre isso, sobre o que se foi, o que se perdeu, aquilo de que nos arrependemos e não tem como ser alterado. A corda é puxada com outra música nova, A Brake In The Clouds, um “tiro no escuro”, um “buraco nas nuvens” e voltamos ao presente mirando o futuro, ao pé desta “montanha de vida”, em Foot of The Mountain, cantando um novo olhar para o passado, nele fazendo morada, não como o que aconteceu, mas como o que não pode nunca mais desacontecer, silenciando tudo o mais porque a luz da manhã chegará e então tudo estará bem.

Vem, então, o primeiro dos poucos hits das antigas presentes no show, Stay On These Roads, e é como se tudo silenciasse mesmo. Mesmo quem não “viveu a época” dessa música experimenta o passado como morada através dela, não como se o visitasse pela memória, mas como se o re-encontrasse no presente, cumprindo a “profecia” cantada da certeza do reencontro, revelando uma voz interior clamando para que não nos percamos, que nos mantenhamos nesta estrada, nessa estrada daquela “linha da vida” que, sozinha, chama-se amor, como cantada em This Alone Is Love e que nos faz voar por sobre as árvores, como os pássaros em Over The Treetops. Nesta altura o ingresso do show já está mais do que pago, estamos instalados na intimidade do coração.

A primeira parte então se encerra com Forever Not Yours, cantando que as boas memórias machucam mais do que as más quando o fim está se aproximando, como o próprio show que a música avisa: “Logo não estarei mais aqui”. Mas ainda não acabou e o que vem pela frente reserva mais e melhor. Para tanto, retornamos mais ainda no passado, para antes do começo, para o que deu origem ao A-ha, com Sox Of The Fox, música que vai crescendo como uma árvore brotando do solo. Segue-se a participação de Ian McCulloch, do Echo And The Bunnymen, a maior influência inicial do A-ha, que depois de cantar junto em Scoundrel Days, é homenageado com uma cover da inigualável The Killing Moon. Outra influência inicial fundamental foi a da dupla Yazoo, donde beberam na fonte dos (malditos) sintetizadores e por isso Alison Moyet, integrante daquela dupla, canta com eles Summer Moved On, já retomando a ideia da passagem do tempo em que tudo vai ficando pelo caminho nos deixando com apenas uma pergunta: é possível permanecer?

É a resposta afirmativa que o A-ha dará ao fim do show. Para recebê-la será preciso prosseguir um pouco mais nessa estrada da “linha da vida” em direção à Memorial Beach, revivendo todas as aventuras de menino, como em Living a Boy’s Adventure Tale, passando pela bela Manhattan Skyline, já não mais nostálgico do que se foi, mas confiante num novo horizonte de futuro. E então descobrimos que para responder àquela pergunta é preciso enfrentar outra junto, feita em The Living Daylights: “Para onde estamos indo, motorista?”, ao que se respondeu no fim: “O viver está na forma como morremos.”

O viver está na forma como morremos. A morte é uma noite escurecendo a vida. Mas também pode ser um solstício de verão, uma afirmação do dia que não se apaga nem com a noite, a própria vida que não morre nem com a morte. Vêm dois dos maiores sucessos da banda, Hunting High And Low e Take On Me. “Eis-me aqui”, começa a primeira, como se explicasse o que foi feito até aqui, como se caçou a vida nas profundezas e nas alturas e ela só foi encontrada no próprio caçar que segue acontecendo, sem passado nem futuro, mas presente perene. É assim que permanecemos.

Take On Me tem dupla significação. Por um lado, é um pedido de aceitação do fim, por outro, para que se preste atenção no que não tem fim. Desaparecem os sintetizadores da versão original e todo o clima intimista já existente se aprofunda ainda mais na delicadeza do novo arranjo. Quando o piano entra com a famosa melodia, a “linha da vida” transborda do coração deixando muitos da plateia em lágrimas. Porque o que se passa é realmente sublime, fazendo do quase anoitecer não o que parece, mas a prova da permanência da luz. A musiquinha pop-chiclete do passado se transforma em algo muito superior agora, verdadeiramente transcendente na quase-noite descendo por tudo, dando à simplicidade da letra romântica o significado do encontro com a morte que não é agora mais do que um tropeço da vida que segue sua “linha”: “Tão desnecessário dizer / Sou insignificante / Mas aos tropeços vou aprendendo que a vida é ok.”

Que seu 2020 seja repleto desses tropeços! E despeço-me de 2019 tropeçando mais uma vez nessa pérola:

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