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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Quaresma

Reze por nós, leitor

oraçao quaresma
Imagem ilustrativa (Foto: Pexels/Pixabay)

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“Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima.” É o que se lê no versículo 4, capítulo 21, do Apocalipse. Durante muito tempo fiquei triste comigo mesmo lendo passagens como esta, pois no coração a esperança nunca vencia a criança no banco de trás do carro saindo para uma viagem, cuja duração sempre é longa demais: “Falta muito?”

Não que hoje a esperança vença, não vence, mas felizmente aceito melhor a criança que ainda sou na vida espiritual. E, se aceito, talvez signifique que me sinto mais à vontade para ser sincero (e chato) com o Pai ao volante. Não deixa de ser sinal de maturidade, acho.

É no aceitar essas coisas que voltamos ao pó, com os gemidos sendo mais sinceros do que qualquer pedido, purificando o coração e descansando a razão

“O coração é um pedinte mau.” É um dos versos do belo soneto do poeta João Filho, Rezas II, publicado no seu indispensável (escrevo muito a sério isso) livro Rezas, publicado pelo próprio autor. É a conclusão da estrofe cuja ideia é a de que um homem caído não pode se apoiar senão em rezas. Faz sentido, muito sentido. Ei-los, soneto e poeta, na íntegra:

Reze por mim, irmão, sou devedor.
Tenho perdido mais do que o devido,
em vez de amar ofendo o amor do Amor,
com o perdão de Quem foi ofendido.

Reze por mim, irmã, há luz na dor,
e dói quanto mais luz o seu sentido.
Se peço é porque tenho em desfavor
o não saber pedir o meu pedido.

Reze por nós, irmão, são duas quedas,
não podem se apoiar senão com rezas,
o coração é um pedinte mau.

Rezo por nós, irmã, num só gemido,
não há lamento que não seja ouvido,
rezando o mundo fica mais real.

Neste sentido entendo a reza do soneto: não como oração mental, nem meditação, muito menos contemplação. Não, é reza vocal mesmo, o Pai Nosso, a Ave Maria, o Santo Anjo e por aí vai.

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Aquelas que costumamos rezar na pressa, sem atenção no que se diz, de forma mecânica, desleixada, citando as pessoas por quem pedimos com o pensamento longe e o coração mais ainda. Ainda assim, valem. Valem porque estão também na conta do perdão de Quem foi e segue sendo ofendido.

É no reconhecer essas coisas, de ser tão devedor, que se vislumbra a luz na dor, que se vê com o pedinte mau se rendendo à própria miséria: não saber pedir o próprio pedido. O coração é um pedinte mau e a razão não justifica bem... Melhor rezar, irmão.

É no aceitar essas coisas que voltamos ao pó, com os gemidos sendo mais sinceros do que qualquer pedido, purificando o coração e descansando a razão. É nessa hora que o mundo fica mais real, porque o coração escuta o lamento sendo ouvido e na luz da dor vê as lágrimas começarem a ser enxugadas.

Reze pelo João, leitor, reze por mim. Rezo por nós também. Boa Quaresma.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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