Militante do movimento Antifa participa de protesto contra Jair Bolsonaro em junho de 2020.| Foto: Antonio Lacerda/EFE
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O problema não é só a violência em si, mas como a violência política se legitima. Filosoficamente, considero este o grande tema da vida política, junto com o problema da liberdade e da justiça. Um autor que me ajudou muito a compreender o problema da violência política legitimada foi Robert O. Paxton, especialista no problema do fascismo. Ele não usa “fascismo” como retórica para considerar fascista tudo aquilo que não é espelho. Trata-se de um autor sério que recomendo para quem, de fato, quer entender quem é o fascista.

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Paxton define fascismo nos seguintes termos: “uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza”. Ele também apresenta o problema das paixões mobilizadoras e da violência redentora como elementos constitutivos da disposição fascista.

Por paixão mobilizadora, deve-se entender aquele senso de crise catastrófica, primazia do grupo, subordinação do indivíduo aos deveres desse grupo, crença que o grupo é de alguma forma vítima – o que justifica a mobilização violenta –, pavor do individualismo liberal, necessidade de integração por consentimento – o que impõe a violência excludente para os outsiders –, necessidade de uma “liderança” capaz de encarnar o destino do grupo, estética da violência como a eficiência da vontade para êxito do grupo e, por fim, o direito dos “eleitos” – tanto classe intelectual como classe política – a dominar os demais.

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O problema do fascismo está justamente na forma como a violência é legitimada para fins nobres, como liberdade, democracia e amor

Essas paixões, segundo Paxton, são elementos fundamentais que catalisam a devoção política e levam a ações violentas em nome de uma causa supostamente nobre. A primeira dessas “paixões mobilizadoras” é o senso de crise catastrófica. Há uma forte sensação compartilhada de que a comunidade está enfrentando uma situação de extremo perigo e decadência. Esse sentimento de urgência leva as pessoas a se unirem em torno de líderes carismáticos que prometem soluções radicais.

Nesse contexto, a identificação com a comunidade é tão forte que os indivíduos se subordinam totalmente aos deveres do grupo, o que pode abrir espaço para o cerceamento de liberdades individuais e para a supressão de qualquer forma de dissenso. Essa crença na vitimização do grupo é usada como justificativa para a mobilização violenta. Ao acreditar que sua comunidade está sendo injustamente tratada, os adeptos das paixões mobilizadoras sentem-se autorizados a tomar medidas extremas em nome da “defesa” de seus interesses.

A mentalidade totalitária, portanto, frequentemente demoniza o individualismo, considerando-o uma ameaça à coesão social e ao poder centralizado. Assim, promove a integração da sociedade por meio do consentimento, mas, paradoxalmente, essa integração é alcançada através de uma violência excludente contra aqueles que são considerados outsiders. É preciso marcar os inimigos. Por isso, os líderes totalitários se apresentam como figuras messiânicas, capazes de encarnar o destino do grupo e resolver todas as crises.

Essas “paixões mobilizadoras” não são exclusivas de uma ideologia política específica, como comumente se acredita. Ao contrário, elas podem emergir em qualquer contexto político em que haja uma narrativa poderosa capaz de evocar essas emoções intensas nas pessoas.

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O problema do fascismo está justamente na forma como a violência é legitimada para fins nobres, como liberdade, democracia e amor. A violência redentora se caracteriza por uma preocupação incessante com a decadência e restauração da sociedade. Vitimize-se e tudo será permitido. Tudo em vista de uma coletividade injustiçada e em perigo. Nesse contexto, a violência política é alimentada por cultos compensatórios que idealizam a unidade, a energia e a pureza. Elementos que supostamente restaurariam a grandeza perdida da comunidade. Mas a retórica pode substituir “energia” e “pureza” por “democracia” e “amor”. Ou qualquer outro elemento que dê ao grupo um profundo senso de comunidade ameaçada.

Por isso, é bem problemático quem passa o dia chamando os outros de fascistas. Em nome da democracia, atrocidades também são cometidas.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]