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Redes sociais-censura
Regulação das redes sociais por parte dos Trës Poderes vem sendo apontada por especialistas como “censura”.| Foto: Reprodução Canva/Gazeta do Povo

Ao abrir a tradicional página do Google, fui pego de surpresa com esta frase logo abaixo da ferramenta de pesquisa: PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira. Tratava-se de um link bem destacado para todos saberem a posição do Google acerca do Projeto de Lei 2.630/202, mais conhecido como PL das Fake News. Cliquei e fui direcionado a um texto escrito por Marcelo Lacerda. A primeira informação é que Lacerda dirige as Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil. Ou seja, o texto não se refere a uma mera opinião, é a posição oficial do Google sobre a celeuma em torno do projeto de lei.

Basicamente, o texto apresenta as seguintes preocupações: A legislação de internet deve ser feita de forma colaborativa e construtiva; o Projeto de Lei 2.630/2020 pode ir a votação antes de setores da sociedade terem acesso ao texto; se aprovado do jeito que está, o PL pode proteger quem produz desinformação e criar mais desinformação; o PL impediria as plataformas de remover conteúdo jornalístico com afirmações falsas; o texto do projeto de lei precisa ser melhorado para evitar riscos presentes no texto atual.

Exceto em situações de grande emergência – como catástrofes naturais, pandemias e guerras –, qual o sentido votar com urgência um projeto que pretende dar mais poder a governantes?

Concordo com todos os pontos apresentados. A Câmara dos Deputados aprovou, por 238 votos a 192, o requerimento de urgência para colocar o PL em votação. Qual seria a razão para tanta urgência? Ora, desde Platão – que não simpatizava com a democracia, por razões que não cabem agora –, a desinformação sempre esteve no centro do problema da democracia. O que a internet se tornou hoje para a democracia não muda os dramas humanos em relação ao problema do poder. Exceto em situações de grande emergência – como catástrofes naturais, pandemias e guerras –, qual o sentido votar com urgência um projeto que pretende dar mais poder a governantes? Ninguém precisa me responder, isso foi retórico. Não confio em políticos.

Por mais que eu resista à ideia, é interessante notar o perfil ideológico das pessoas favoráveis e daquelas que são contrárias ao PL das Fake News. Ora, se há disputa ideológica, isso significa que este PL precisa ser amplamente discutido pelos mais diferentes setores da sociedade. Em democracias genuínas, “discutir” não significa domesticar opiniões contrárias, mas saber conviver com a divergência e não querer a morte do outro por isso. Noutros termos, chegar a consensos – provisórios, frágeis, mas democráticos. É possível conviver com visões de mundo tão divergentes? Esse tipo de projeto de lei testa os limites da ordem democrática. E eu acho que empresas como Google fizeram bem ao se posicionar – não porque confio integralmente na bondade angelical delas.

Hoje a internet é tão presente em nossas vidas como o ar que respiramos e a água que bebemos. E, quando digo “internet”, refiro-me à totalidade do ambiente social que nos envolve. É um mundo. Porém, não um mundo à parte, por mais que possamos pensar nisso às vezes. O virtual e o real já não se distinguem. O que se passa na sociedade é exatamente a mesma coisa que se passa na internet. E, de repente, nossos políticos decidem tratar esse mal com urgência? Desconfio.

A ética da prudência política prescreve o seguinte mandamento: desconfie de tudo aquilo que políticos propõem com urgência. Além disso, desconfie mais ainda da qualidade de propostas legislativas quando elas mobilizam paixões dos ideólogos. Se direita e esquerda estão se estapeando, tem coisa. Politicamente, desconfio de tudo, absolutamente tudo, o que é tratado com amor e urgência por políticos. E quando políticos alegam urgência para defender a democracia? Outro dia eu escrevi que o exercício da democracia, principalmente na era das redes sociais, precisa ser diagnosticado como um sintoma muito mais sério acerca da condição humana. O problema não está nas fake news como ameaças à democracia, mas no horror ao tédio. E eu não gostaria de políticos interessados em a ajudar curar meu horror metafísico ao tédio.

No fim do dia, agradeci ao Google pela informação disponível. Recomendo que vocês, caros leitores, leiam o texto Como o PL 2630 pode piorar a sua internet e pensem a respeito.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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